A respeito da premonição

PREMONIÇÕES

       “Como podemos julgar da liberdade do Espírito durante O Sono?”

       “Pelos sonhos. Quando o corpo repousa, acredita-o, tem o Espírito mais faculdades do que no estado de vigília. Lembra-se do passado e algumas vezes prevê o futuro. Adquire maior potencialidade e pode pôr-se em comunicação com os demais Espíritos, quer deste mundo quer do outro.”

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       “Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar seus grilhões e de investigar no passado ou no futuro.”        (“O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec, Capítulo 8, pergunta 402.)

Há sido objeto de muita meditação, por parte dos estudiosos dos acontecimentos psíquicos transcendentais, os curiosos fenômenos de premonições, pressentimentos e mesmo os de profecia. Frequentemente, cada um de nós é avisado, pelos protetores espirituais, durante o sono natural ou provocado, de fatos que mais tarde se realizam integralmente, tais como foram vistos durante aqueles transes. Dar-se-á então o caso de que os su­cessos da existência sejam estabelecidos fatalmente, por um programa preestabelecido no Além, programa que nós mesmos, os humanos, podemos ver e analisar con­templando a sua, por assim dizer, maqueta espiritual, durante um sonho, e, assim, avisados do que acontecerá?

É possível que, de algum modo, seja assim. Os fatos capitais da existência humana: provações, testemunhos, reparações, etc., foram delineados, com efeito, até certo limite, como o revela a Doutrina Espírita, antes da reencarnação. Nós próprios, se pretendentes lúcidos à reencarnação, co-participamos da elaboração do pro­grama que deveremos viver na Terra, e, portanto, a ciência de certos acontecimentos a se desenrolarem em torno de nós, ou conosco, ficará arquivada em nossa consciência profunda, ou subconsciência. Durante a vigília ou vida normal de relação, tudo jazerá esquecido, calcado nas profundidades da nossa alma. Mas, advindo a relativa liberdade motivada pelo sono, poderemos lem­brar-nos de muita coisa e os fatos a se realizarem em futuro próximo serão vistos com maior ou menor cla­reza, e, ao despertarmos, teremos sonhado o que então virá a ser considerado o aviso, ou a premonição.

É  evidente que tais possibilidades derivam de uma faculdade psíquica que possuimos, espécie de mediuni­dade, pois a premonição não existe no mesmo grau em todas as criaturas, embora seja disposição comum a qualquer ser humano, a qual, se bem desenvolvida, po­derá conceder importantes revelações e provas do inter­câmbio humano-espiritual, tais como as profecias de caráter geral, a se cumprirem futuramente, ou mesmo de caráter restrito ao próprio indivíduo e a outro que lhe seja afim. Alguns casos de premonições pelo sonho parecem mesmo tratar-se da interessante e bela facul­dade denominada <(onírica» (mediunidade pelo sonho), tão citada na Biblia e tão comum ainda hoje. Em im­portantes obras espíritas de absoluto critério vemos esse fenômeno investigado, estudado e descrito por eminentes pesquisadores dos fatos relacionados com a alma hu­mana e suas forças de ação. Os fatos modernos de premonições já não poderão causar sensação, embora continuem despertando interesse, e apenas vem para testemunhar os poderes espirituais que conosco carre­gamos e as relações com o mundo dos Espíritos desen­carnados.

Léon Denis, por exemplo, o eminente colaborador de Allam Kardec, tantas vezes por nós citado nestas páginas, a cuja dedicação à Doutrina Espírita tantas belas e elucidativas lições devemos, no seu importante’ livro “No Invisível”, oferece-nos excelentes casos desse’ fenômeno, casos rigorosamente comprovados pelos acon­tecimentos posteriores e ocorridos com personagens importantes da História. Transcreve ele valiosas citações. de outros autores, no capitulo 13º — Sonhos pre­monitórios, Clarividência. Pressentimentos»:

— “Nos sonhos são com frequência registrados fe­nômenos de premonição, isto é, comprova-se a facul­dade, que possuem certos sensitivos, de perceber, du­rante o sono, as coisas futuras. São abundantes os exemplos históricos:

— “Plutarco (Vida de Júlio César) faz menção do sonho premonitório de Calpúrnia, mulher de César. Ela presenciou durante a noite a conjuração de Brútus e Cássius e o assassínio de César, e fêz todo o possível por impedir este de ir ao Senado.

“Pode-se também ver em Cícero (De Divinatione, 1, 27) o sonho de Simonides; em Valério Máximo (VII, parágrafo 1, 8) o sonho premonitório de Atério Rufo e (VII, parágrafo 1, 4) o do rei Creso, anunciando-lhe a morte de seu filho Athys.

“Em seus Comentários, refere Montlue que assis­tiu, em sonho, na véspera do acontecimento, à morte do Rei Henrique 2º (da França), traspassado por um golpe de lança, que num torneio lhe vibrou Montgomery.

“Sully, em suas Memórias (VII, 383), afirma que Henrique 4º (da França) tinha o pressentimento de que seria assassinado em uma carruagem.

“Fatos mais recentes, registrados em grande número, podem ser comprobatóriamente mencionados:

Abraão Lincoln sonhou que se achava em uma calma silenciosa, como de morte, únicamente perturbada por soluços; levantou-se, percorreu várias salas e viu, finalmente, ao centro de uma delas, um catafalco em que jazia um corpo vestido de preto, guardado por sol­dados e rodeado de uma multidão em prantos. (Quem morreu na Casa Branca?» — perguntou Lincoln. —«O presidente!» — respondeu um soldado; — foi as­sassinado!» Nesse momento uma prolongada aclamação do povo o despertou. Pouco tempo depois morria ele assassinado».

Prosseguindo nas interessantes relações dos fenô­menos aqui citados, Léon Denis lembra ainda um dos mais importantes, referido pelo astrônomo Camile Flam­marion em seu livro «O Desconhecido e os Problemas Psíquicos». O sensitivo aqui é o Sr. Bérard, antigo ma­gistrado e deputado:

— “Obrigado pelo cansaço, durante uma viagem, a pernoitar em péssima estalagem situada entre monta­nhas selváticas, ele (Sr. Bérard) presenciou, em sonhos, todos os detalhes de um assassínio que havia de ser cometido, três anos mais tarde, no quarto que ocupava, e de que foi vítima o advogado Vítor Arnaud. Graças à lembrança desse sonho é que o Sr. Bérard fêz descobrir os assassinos»“.

Cita também o caso romântico de uma jovem irmã de caridade (Nièvre) que viu em sonho o rapaz, para ela desconhecido, com quem depois se havia de casar. Graças a esse sonho, ela tornou-se Mnie. de la Bé­dollière».

Todavia, as obras mediúnicas espíritas e as obras clássicas do Espiritismo, particularmente, advertem que muitos detalhes, acidentes mesmo, enfermidades, contra­tempos, situações incômodas, etc., não foram progra­mados no Além, por ocasião da reencarnação do indi­viduo que as sofre, decorrendo, então, na Terra, em vista da imperfeição do próprio planeta ou por efeito do livre arbítrio do indivíduo, que poderá agir de forma tal, durante a encarnação, a criá-los e sofrer-lhes as consequências. O homem possui vontade livre, e, se não se conduz à altura da sensatez integral, poderá mesclar sua existência de grandes penúrias que seriam dispen­sáveis no seu presente roteiro, e que, por isso mesmo, serão apenas criação atual da sua vontade mal orien­tada e não programação trazida do Espaço, como fa­talidade.

Servindo-nos do direito que a Ciência Espírita con­cede ao seu adepto, de procurar instruir-se com os seus guias e amigos espirituais, sobre pontos ainda obscuros da mesma, como o fenômeno das premonições, para as quais não encontramos explicações satisfatórias em ne­nhum compêndio espírita consultado, certa vez interro­gamos o amigo Charles sobre a questão. Perguntámos, Valendo-nos da escrita:

—  “Podeis esclarecer-nos sobre o processo pelo qual somos avisados de certos acontecimentos, geralmente importantes e graves, a se realizarem conosco, e que muitas vezes se cumprem como os vimos em sonhos ou em visões?»

E ele respondeu, psicogràficamente:

      — “Existem vários processos pelos quais o homem poderá ser informado de um ou outro acontecimento fu­turo importante da sua vida. Comumente, se ele fêz jus a essa advertência, ou lembrete, pois isso implica certo mérito, ou ainda certo desenvolvimento psíquico, de quem o recebe, é um amigo do Além, um parente, o seu Espí­rito familiar ou o próprio Guardião Maior que lhe comu­nicam o fato a realizar-se, preparando-o para o evento, que geralmente é grave, doloroso, fazendo-se sempre em linguagem encenada, ou figurada, como de uso no Invi­sível, e daí o que chamais «avisos pelo sonho», ou seja, sonhos premonitórios». De outras vezes, é o próprio indivíduo que, recordando os acontecimentos que lhe ser­viriam de testemunhos reparadores, perante a lei da cria­ção, delineados no mundo Espiritual às vésperas da reencarnação, os vê tais como acontecerão, assim os casos de morte, sua própria ou de pessoas da família, desastres, dores morais, etc., etc. E os seus protetores espirituais, que”. igualmente conhecem o programa de pe­ripécias do pupilo, delineado no evento da reencarnação, com mais razão o advertirão no momento necessário, seja através do sonho ou intuitivamente. Pode aconte­cer que, num caso de traição de amor, por exemplo, provação que tanto fere os corações sensíveis e dedi­cados, e nos casos de deslealdade de um amigo, etc., o paciente, durante o sono, penetre a aura do outro, por quem se interessa, e aí descubra as suas intenções, lendo-lhe os pensamentos e os atos já realizados mentalmente, como num livro aberto ilustrado, tal a linguagem espiri­tual, e então verá o que o outro pretende concretizar em seu desfavor, como se fora a realização de um sonho, pois tudo foi habilmente gravado em sua consciência e as imagens fotografadas em seu cérebro, permitindo a lembrança ao despertar, não obstante empalidecidas. Futuramente o fato será realizado objetivamente e aí está o aviso…

       De outro modo, seguindo a corrente espiritual das ações de uma pessoa encarnada, por deduções um amigo da espiritualidade se cientificará de um acontecimento que mais tarde se efetivará com precisão. Ele poderá comunicar o acontecimento ao seu amigo terreno e o fará de modo sutil, em sonho ou pressentimento. O es­tudo da lei de causa e efeito é matemática, infalível; concreta, para a observação das entidades espirituais de ordem elevada, e, assim sendo, ele se comunicará com o seu pupilo terreno através da intuição, do pressenti­mento, da premonição, do sonho, etc. O estudo da ma­temática de causa e efeito é mesmo indispensável, como que obrigatório, às entidades prepostas à carreira trans­cendente de guardiães, ou guias espirituais.

       Estudo pro­fundo, científico, que se ampliará até prever o futuro remoto da própria Humanidade e dos acontecimentos a se realizarem no globo terráqueo, como hecatombes físi­cas ou morais, guerras, fatos célebres, etc., daí então advindo a possibilidade das profecias quando o sensitivo, altamente dotado de poderes supra-normais, comportar o peso da transmissão fiel aos seus contemporâneos. Ë um dos estudos, portanto, que requerem um curso completo de especialização. Outrossim, acresce a impor­tante circunstância de que todos esses acontecimentos de um modo geral se prendem ao lastro da evolução do planeta como do indivíduo, e o sábio instrutor deste, como os auxiliares do governo do planeta, estão aptos a perceber o que sucederá daqui a um ano, um século ou um milênio, pelo estudo e deduções científicas sobre o programa da evolução da Criação, pois o tempo é inexis­tente nas esferas da espiritualidade e a entidade sábia facilmente deduzirá, e com certeza matemática, os su­cessos em geral, subordinados ao trabalho da evolução, como se se tratasse do momento presente.

O individuo que sofrerá esta ou aquela provação ou o que terá de apresentar testemunhos de valor moral pela expiação, jamais o ignora no seu estado espiritual de semiliberdade através do sono ou do transe mediúnico (pode-se cair em transe mediúnico sem ser espírita, mor­mente quando se dorme), visto que consentiu em experi­mentar todas essas lições reparadoras. Mas, se não conserva intuições a tal respeito no estado normal humano, almas amigas e piedosas poderão relembrá-las em sonhos ilustrados, assim preparando-o e auxiliando-o a adquirir forças e serenidade para o embate supremo. Casos há em que o aviso virá por outrem ligado ao paciente, mais acessível às infiltrações espirituais premonitórias. Agra­decei a Deus as advertências que vos são concedidas às vésperas das provações. Elas indicam que não sofrereis sozinhos, que amigos desvelados permanecem ao vosso lado dispostos a enxugar as vossas lágrimas com os bálsamos do santo amor espiritual inspirado pelo amor de Deus».

Com essas pequenas indicações e estudando tão in­teressantes fenômenos, cremos que chegaremos a vis­lumbrar algo sobre o mecanismo dos avisos transcen­dentes que tantos de nós temos recebido do mundo in­visível às vésperas de acontecimentos importantes de nossas vidas.

A seguir o leitor encontrará pequena série de adver­tências dessa natureza, concedida a nós e a pessoas do nosso conhecimento, e que não será destituída de inte­resse para os estudos transcendentais. Certamente que nos seria possível organizar um volume com o noticiário completo que a respeito nos tem vindo às mãos, além daqueles fatos ocorridos conosco. Julgamos, porém, que para o testemunho que a Doutrina Espírita de nós exige, para mais essa face da verdade que tivemos a felici­dade de poder comprovar, serão suficientes os que aqui registramos.

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       — “Eu era, como ainda sou, médium de premonições. Qualquer acontecimento grave, feliz ou desditoso, que me diga respeito ou à família e, menos frequente­mente, em que se refira a amigos e à coletividade, é-me descrito em sonhos através de quadros encenados ou parábolas, muito antes que aconteça, exatamente como o processo pelo qual obtenho os livros românticos, me­diúnicos.

No ano de 1940, por exemplo, quando Benito Mussolini, poderoso primeiro ministro do Rei da Itália, se encontrava no auge do poder, durante um sonho (transe onírico, ou mediunidade pelo sonho, a que a Bíblia tanto se refere) foi-me revelado o seu trágico desaparecimento, tal como se verificou, até mesmo o seu cadáver profanado, suspenso de um poste, e os seus pobres olhos esbugalhados de horror, fora das órbitas, como mais tarde os clichês da imprensa e os filmes cinematográficos reproduziram, ao relatarem os aconteci­mentos de Milão, em 1945. No dia seguinte a esse sonho, referi o fato às pessoas da família como se tra­tando de uma previsão, mas não fui acreditada, pois não havia, efetivamente, nenhuma razão para eu ser in­formada, espiritualmente, do futuro que esperava o po­deroso «Duce», como era chamada aquela personagem. Ao demais, como poderia ele decair tanto do seu pres­tígio de verdadeiro César?

Os anos se passaram, porém, e, ao findar a segunda guerra mundial, os fatos se realizaram como eu a eles assistira em sonho, mesmo nos seus detalhes.

Mas porque tal aviso a mim? Teria eu, porventura, assistido a alguma aula do curso de «Causa e Efeito», no Espaço, e retido aqueles acontecimentos na lembran­ça? Ou que estranha corrente me levara à percepção de acontecimentos implicando essa personagem? Seria uma profecia? Mas com que finalidade se eu, absolutamente, não a levaria à publicidade? Seria porventura a existência de correntes favoráveis ao fato, que me animavam os pensamentos, visto que, meditando frequentemente naquela figura de estadista, nela eu supunha entrever a reencarnação de certo Imperador Romano, cujas ca­racterísticas muito se coadunavam com as do altivo «Duce»?

São indagações para as quais não encontro solução… Um ano antes desse estranho acontecimento impli­cando o Sr. Benito Mussolini, ou seja, pelo mês de Ja­neiro de 1939, e residindo eu então em Minas Gerais, entrei a sonhar frequentemente com um cortejo fúnebre muito concorrido e com todas as características da reali­dade. A frente do mesmo seguia um homem carregando linda coroa de flores naturais. Eu acompanhava o fére­tro logo após o esquife mortuário, banhada em lágrimas e sentindo o coração se me despedaçar de angústia, mas ignorando a identidade do morto. Durante cerca de seis meses a mesma visão prosseguiu, em sonhos, sistemàtica­mente, incomodativa, irritante. Também durante os des­dobramentos em corpo astral eu via o mesmo féretro, acompanhava-o e chorava angustiosamente. Charles apa­recia então e me falava, de certo palavras consoladoras, mas das quais jamais recordava ao despertar. Uma noite, no entanto, ao acompanhar o cortejo, que persistia nos sonhos, vi que os acompanhantes pararam. Trouxeram uma banqueta e o caixão mortuário foi descansado sobre ela. Reconheci o local da cena: certa rua da cidade de Barra do Piraí, no Estado do Rio de Janeiro, à margem da linha férrea da Central do Brasil, a qual se enca­minha para o cemitério local, e onde residia minha mãe.

Aproximei-me do esquife, como que movida por irresis­tível automatismo. Suspenderam a tampa do caixão sem que eu percebesse quem o fizera, e vi um cadáver co­berto de flores. Retirei o lenço que velava o rosto do morto e então reconheci minha mãe.

Com efeito, pelo mês de Setembro daquele mesmo ano minha mãe adoeceu gravemente. A 1 de Outubro, pela manhã, eu procurava repousar algumas horas, de­pois de uma noite insone velando a querida doente. Adormeci levemente e logo um sonho muito lúcido mos­trou-me meu pai, falecido quatro anos antes, aproximan­do-se de meu leito para dizer com satisfação e viva­cidade:

— Esperamos sua mãe aqui no dia 17… Faremos uma recepção a ela, que bem a merece… Está tudo bem…

A 18 de Outubro ela expirava sob nossas preces resignadas, porque durante todo o dia 17 apenas vivera da vida orgânica, sob a ação de óleo canforado. E os detalhes entrevistos durante a série de sonhos, com que eu fora informada dos acontecimentos a se realizarem, lá estavam: O cadáver de minha mãe foi rodeado de lin­das flores, oferecidas por suas amigas, e o cortejo idên­tico ao dos sonhos, mesmo com o homem à frente car­regando linda coroa de flores naturais, como de uso na localidade pela época, e o trânsito, a pé, pela mesma rua, a caminho do cemitério.

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       Várias são as formas pelas quais os nossos amigos do mundo espiritual nos participam os grandes aconteci­mentos de nossa vida. Também a morte de meu pai foi descrita antes que ocorresse, mas através de suave pará­bola criada pelo Espírito Dr. Adolfo Bezerra de Menezes.

       Conforme se verá mais abaixo, a visão pelo sonho nem foi tão forte nem tão dramática como o foi a relativa à morte de minha mãe, embora encerrasse o mesmo aviso premonitório. Ao que parece, o caráter dos instru­tores espirituais muito influi na forma pela qual criam as visões ou advertências que nos concedem, nessas ou em outras circunstâncias, assinalando-as com a própria personalidade. O Espírito Charles, embora a sua eleva­ção moral-espiritual e inequívoco amor que consagra ao meu espírito, caracteriza-se pelo modo enérgico de agir, e, se relata fatos, se adverte, imprime o próprio tom positivo na forma de proceder. Como já tive oportuni­dade de relatar nestas páginas, no que me diz respeito ele exige o máximo das minhas forças mediúnicas, e, quanto às provações por que tenho passado, chegou francamente a declarar que não me pouparia nenhuma delas porque me são necessárias à reeducação do cará­ter, apenas prometendo sofrê-las comigo e ajudar-me a bem suportá-las. Os dois livros por ele a mim concedidos mediunicamente — Amor e Ódio e Nas Voragens do Pecado — se revelam como obras fortes, vigorosas na dramaticidade exposta, capazes de levarem a emoção à alma do leitor. O sonho premonitório anunciando a desencarnação de minha mãe caracterizou-se por cenas do mesmo tipo dramático, emocionantes pelo realismo e também pela persistência, visto que durante cerca de seis meses as visões me perseguiram de modo constante. Adolfo Bezerra de Menezes, porém, caráter doce e como que receoso de molestar o próximo, refere-se a assuntos igualmente dramáticos suavizando o enredamento com expressões mais delicadas. Assim são os seus livros mediúnicos a mim concedidos, assim também o anúncio do trespasse de meu pai para o mundo espiritual, anún­cio que dulcificou com a própria presença, como que a inspirar confiança e sugerir proteção. Assim foi que, um mês antes da morte de meu pai, ocorrida em Janeiro de 1935, eu me vi, durante um sonho, ao lado do mesmo excelente mentor espiritual e diante de uma tela que se diria cinematográfica. Meu pai adoecera havia já um ano, mas, por aquela ocasião, melhorara considerável-mente e ninguém esperava o seu desenlace tão cedo.

Eu me sentava diante da referida tela, junto de meu pai, enquanto Bezerra de Menezes, em plano mais elevado, se mantinha de pé, apontando para a tela, criando-a, certamente, com um pequeno bastão de ala­bastro. E disse:

— Verás agora o que sucederá a teu pai dentro de bem poucos dias… Esses fatos são naturais na vida de um Espírito e não devemos lamentá-los…

Apresentou-se então, na tela, um prédio, tipo de pequena mansão antiga, que possuía a sua beleza clás­sica, mas em ruínas. A cada momento o predio osci­lava ameaçando desmoronar. As paredes se mostravam fendidas, os vidros das janelas quebrados, a pintura enegrecida, enquanto ratos iam e vinham por dentro e fora da casa, vorazes, roendo as paredes e o madeira­mento e tudo perfurando. Súbitamente o prédio desmo­ronou com estrondo. Ouvi o ruído das paredes desabando até aos alicerces, vi a poeira levantar-se e o montão de escombros jazendo por terra.

Mas em seu lugar outro prédio ficara, o mesmo tipo de mansão, grandioso e belo, de linhas clássicas, porém, novo, leve, gracioso, como construído em doces neblinas cintilantes. Compreendi o significado da cena e pus-me a chorar. Mas o meu próprio pai, que se achava presente, em espírito, abraçou-me carinhosamente, ao mesmo tempo que exclamava, sorridente:

— Então, que é isso, minha filha? Pois não és espírita? Porque choras?..

Um mês depois meu pai morria repentinamente, vi­timado por um edema pulmonar agudo, que se rompera, sufocando-o no sangue. E eu, com efeito, muito sofri e chorei depois da sua morte, pois, dentre todos os filhos, eu, justamente, fui a que mais padeceu com a sua au­sência. Por sua vez, ele próprio, meu pai, ao adoecer, um ano antes, fora avisado de que dentro de um ano seria chamado à pátria espiritual e que, por isso mesmo, se preparasse para o inevitável evento.

Atendendo, or­ganizou papéis de família, pondo tudo em ordem e assim evitando preocupações da mesma após o seu decesso. O aviso, porém, viera através da vidência em vigília, durante a hemorragia nasal que tivera a duração de dezessete horas e que marcara o início da sua enfermi­dade. Tratava-se, portanto, de manifestação espírita, com o aviso premonitório. E os amigos espirituais que então o visitaram foram sua mãe e Charles, a quem ele chamava «Dr. Carlos».

Deduz-se que, com mais frequência, somos adverti­dos dos fatos dolorosos, pois muito mais raras são as notícias que temos de um feliz futuro.

O  fato que a seguir apresentamos, rodeia-se da dramaticidade observada naquele referente à desencar­nação de minha mãe. Dir-se-ia que o guia espiritual informante possuía o mesmo caráter enérgico e positivo de Charles. Todavia, suas particularidades apresentam certa dose de romantismo e beleza — pois existe beleza em tudo isso — de que não desejamos privar o leitor.

*

— Uma amiga de minha família, cujo poético nome era Rosa Amélia S. G., residente em antiga cidade flu­minense, estava para casar-se e encomendara o vestido, para a cerimônia do dia do casamento, a antiga casa de modas «Parc-Royal», do Rio de Janeiro. Faltavam apenas quinze dias para o auspicioso evento quando a feliz noiva, que contava apenas dezoito primaveras, em certa noite sonhou que recebera pelo Correio o volume esperado, com o enxoval. Muito satisfeita, levou-o para o interior da casa, vendo-se rodeada das pessoas da fa­milha, que acorreram, curiosas. Mas, ao abrir a caixa e retirar as peças, o que ela encontrara fora um traje completo para viúva, com o véu negro denominado «cho­rão, como de uso na época para as viúvas recentes. A jovem soltou um grito de horror, fechou a caixa violentamente e despertou em gritos, chorando convul­sivamente. Conservou-se consternada durante uns dois ou três dias. Mas a perspectiva feliz do próximo enlace, os preparativos para os festejos, a presença amável do noivo, que desfrutava boa saúde e se rira muito das preocupações e do nervosismo da prometida, que receava perdê-lo, a tranquilizaram em seguida, fazendo-a esque­cer o (pesadelo). Na semana do casamento, efetivamen­te, chegara o volume pelo Correio, e ela própria o rece­bera, tal como sonhara, não mais se recordando do sonho que tivera e constatando, encantada, a beleza do seu vestido de bodas, que era em cetim branco e todo ornado de flores de laranjeira, e o véu de tule vaporoso e lindo, e a grinalda simbólica. Realizou-se, finalmente, o casamento no sábado seguinte. Dois meses depois, no entanto, o jovem esposo, tendo necessidade de visitar o Rio de Janeiro, adquiriu ali uma infecção tífica, re­gressando a casa, já em estado grave, e morrendo alguns dias depois. E sômente quando já na missa do sétimo dia, foi que a jovem viúva se lembrou do sonho que tivera às vésperas das próprias núpcias, pois que se reconheceu trajada exatamente como o sonho pro­fetizara.

Não fui informada se os trajes da viuvez chegaram pelo Correio, como os do noivado, expedidos pela mesma casa. O de que estou bem certa é que a jovem Rosa Amélia se conservou viúva durante vinte anos. Mas, por essa época, quando a conheci pessoalmente, encontrou aquele que deveria ser o seu verdadeiro esposo, pro­vindo da Europa, pois tratava-se de um estrangeiro, o qual como que era realmente a outra metade do seu coração e que permanecera ausente até àquela data. Casou-se com ele e viveu felicíssima outros tantos vinte anos, talvez mais, e, apesar do romantismo da sua vida, esta foi a expressão de uma realidade que em parte eu mesma presenciei, dela própria ouvindo a descrição do que aqui relato.

*

Dir-se-ia que a técnica espiritual para tais casos permite que se repitam os caracteres dos avisos, pois muitos deles se parecem uns com os outros, como os dois seguintes, que se assemelham, um com o citado pelo escritor espírita Léon Denis, relativo ao anúncio da morte do Presidente Abraão Lincoln, dos Estados Unidos da América do Norte, e o outro com o ocorrido a meu pai durante a noite em que adoecera, implicando não própria-mente um sonho, mas a manifestação espírita através da vidência, com a particularidade de ser uma partici­pação do desenlace já ocorrido:

— A boníssima Senhora B. C. M., residente em certa localidade fluminense, a duas horas de viagem do Rio de Janeiro, era mãe de nove filhos e esperava o décimo para dentro de um mês, aproximadamente. Nada fazia supor, no estado da dita Senhora, uma possibilidade fatal, pois a mesma se sentia bem, encontrava-se sob assistência médica e fora felicíssima em seus partos anteriores. Cerca de um mês antes do décimo sucesso, no entanto, ela sonhou que se encontrava no interior da casa e percebia um movimento desusado na mesma, choro continuado dos seus filhos e irmãos, pessoas tra­jadas de negro entravam na casa e dela saíam, silen­ciosas e consternadas.

Muito admirada, dirigiu-se ao salão de visitas a fim de se inteirar do que se passava, pois o fato insólito enervava-a. Ao chegar àquele com­partimento viu uma eça erguida e sobre ela um caixão mortuário, roxo, rodeado de velas; as paredes cobertas de coroas fúnebres, visitas chorosas e os próprios filhos dela rodeando a eça, desfeitos em pranto. Interrogou então a uma das visitas, mais admirada ainda:

— Que é isso? Quem morreu aqui em casa?

— Olha e vê! — respondeu a visita.

Ela chegou-se à eça, retirou o lenço que velava o rosto do morto e reconheceu-se a si mesma.

Um mês depois a Senhora B dava à luz o seu décimo filho, mas uma circunstância imprevista fê-la abandonar o fardo carnal para atingir as consoladoras estâncias espirituais. Ora, o movimento em sua residência, no dia dos seus funerais, mostrou-se exatamente como o entrevisto du­rante o sonho, consoante descrições dela própria à fa­mília e aos amigos, antes de morrer.

O  outro caso, não menos dramático e real, mostra-se, entretanto, inteiramente diverso, passando-se da se­guinte forma:

— A Senhora N. O. residia em famosa cidade mi­neira, mas fora ao Rio de Janeiro a fim de se submeter a melindrosa operação cirúrgica. Seu filho mais moço, jovem de quinze anos de idade, era aluno de conceituado colégio religioso da cidade, e, deixando-o ali interno, sob os cuidados dos mestres, a Senhora N. O. hospitali­zara-se naquela cidade, então capital da República, sub­metendo-se à necessária operação. Três dias havia que fora operada quando todo o colégio, onde internara o filho, aproveitando uma bela manhã de domingo, visi­tara a represa de água potável, que supria a cidade. Temeràriamente, os cento e vinte jovens, acompanhados dos mestres, pretenderam atravessar, em massa, a frágil ponte de madeira, para uso dos funcionários, a qual se estendia de uma margem à outra da represa. Mas a ponte não resistiu ao peso, ruiu ao meio, atirando às águas numerosos jovens, dentre os quais o jovem Ale­xandre, filho da enferma, que pereceu afogado com mais quatro rapazes. Temerosos de participarem à mãe en­ferma o trágico decesso do seu caçula, os familiares silenciaram, esperando pelo seu restabelecimento. Mas cinco dias depois do desastre, pela madrugada, a enfer­ma, ainda no quarto do hospital, em penumbra, confessa ter distinguido a formação de uma como que «cerração», que inundou o quarto. Ela própria era que narrava:

— Tive a impressão — dizia — de que a cerração se elevava do leito de um grande rio. Meu filho foi-se elevando lentamente, como surgindo do fundo das águas. Reconheci-o e ele me disse:

— Mamãe, venho participar à Senhora que no do­mingo, pela manhã, morri afogado na represa de…

E os familiares nada mais tiveram a fazer senão confirmar o acontecimento à pobre mãe, a qual, ao que parece, mereceu demência dos Céus, pois suportou com heroismo a grande provação.

*

Por minha vez, manifestação do mesmo gênero, mas com perspectivas diferentes, acaba de se apresentar em minha vida de médium praticante, com impressionante realismo:

— Meu irmão Paulo Aníbal, funcionário da Cia. Si­derúrgica Nacional, na cidade de Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro, adoecera gravemente em De­zembro de 1964. Tratava-se de antigo caso de nefrite que se agravara, tomando-o hipertenso com frequentes ameaças de edemas pulmonares e dispnéias muito dolo­rosas. Em Maio de 1965, seu estado se agravara de tal forma que tememos o desenlace imediato. Era ele o irmão caçula dentre uma prole de sete, o mais amado pelos seis irmãos que o viram nascer, e nossa tristeza se acentuava a cada dia que se passava, pois, conquanto a Doutrina Espírita seja consoladora, tornando o adepto compreensivo aos ditames das leis naturais, resignado ante as provações de cada dia, a morte na Terra ainda constitui provação para aqueles que vêem partir seus entes amados para o outro plano da vida, e nenhum de nós ficará, certamente, indiferente ante a perspectiva do inevitável fato.

Eu acompanhava o querido enfermo na sua perma­nência num leito de hospital, onde se viu retido durante treze meses, e a 25 do mês de Maio, pela madrugada, um tanto fatigada pelas inquietações da noite, insone, reclinei-me junto ao leito do enfermo e ligeira sono­lência sobreveio, verificando-se o estado de semitranse, tão próprio ao bom intercâmbio com o Invisível. vi então que minha mãe, falecida havia vinte e seis anos, se aproximava de nós, olhava atentamente o doente e depois se voltava para mim, dizendo com naturalidade:

— Fica descansada e pode repousar. Ele só mor­rerá em Janeiro de 1966.

E meu irmão Paulo Aníbal, com efeito, veio a fale­cer a 18 de Janeiro de 1966.

*

Mas outros avisos existem que trazem felicidade, os quais parecem antes revelações protetoras, encer­rando mesmo caridade para com aquele que os recebe e ainda provando as simpatias que uma pessoa possa inspirar aos seres desencarnados, não obstante ser en­carnada.

Alguns desses avisos, tal o que em seguida aqui relataremos, dir-se-iam como que intrigas, ou male­dicência, mas, se analisarmos o fato na sua verdadeira estrutura, constataremos que, em vez de intrigas, eles demonstram antes o espírito de justiça e de proteção ao ser mais fraco. Um exemplo bastará para meditar­mos todos, não só sobre a necessidade de nos dedicarmos ao cultivo do verdadeiro Espiritismo, cheio de vigor e sutis belezas, a fim de o praticarmos nobremente, tal como deve ser, como também sobre a cautela que nos cumpre observar ao decidirmos dar certos passos graves em nossa vida de relação, pois, conforme ficou dito, nem todas as provações que experimentamos na Terra foram programadas como necessidade irremovível da nossa jornada.

Muitas aflições, desgostos e sofrimentos são antes o fruto das inconsequências do momento, a displicência dos nossos atos sob a ação da nossa exclu­siva vontade livre, na presente existência.

— Uma jovem espírita do meu conhecimento, resi­dente em Minas Gerais, era médium e possuidora de grande espírito de caridade para com os Espíritos sofredores desencarnados. Sua ternura afetiva para com os obsessores, os suicidas, os endurecidos do mundo invisível, era comovente e digna de ser imitada. Ela os cercava de proteção e amor, orando por eles diàriamente, em súplicas veementes; lia trechos da Doutrina Espírita e do Evangelho, convidando-os a ouvi-la, com­partilhando da sua comunhão com o Alto; oferecia dá­divas aos órfãos, aos velhos e aos enfermos em home­nagem a eles mesmos, enfim, era coração sentimental e romântico, até na prática da Doutrina dos Espíritos, pois que lhes oferecia flores colhidas do seu jardim, assim como cultivava com as próprias mãos canteiros de margaridas, de rosas e de violetas, que lhes oferecia em prece afetuosa, dizendo-lhes em pensamento, enquan­to revolvia a terra ou espargia água sobre os arbustos:

— Vinde, meus queridos irmãozinhos, e vêde: Estas flores são vossas, cultivo-as para vós.

Vêde como Deus é bom e generoso, que, valendo-se de um pequeno es­forço nosso, permite que do seio misterioso da terra despontem estas lindas dádivas para o encantamento da nossa vida.

Tudo é belo, bom e generoso dentro da Natureza e ao nosso derredor, desde o Sol, que nos alumia e aquece, protegendo-nos a vida, até a terra, que nos presenteia com os frutos da sua fecundidade. Porque somente nós havemos de ser maus? Pratiquemos antes de tudo o que for belo e agradável, saibamos cultivar o amor em nossos corações para com todas as coisas, e veremos que tudo sorrirá em volta de nós, tornando-nos alegres e felizes, com horizontes novos em nossos des­tinos para conquistas sempre maiores e melhores.»

Ora, assim como os nossos maus pensamentos rea­gem em nosso próprio desfavor, infelicitando-nos, por atraírem correntes espirituais negativas, assim também os pensamentos bons, um sentimento suave, uma atitude afável reagirão benevolamente, atraindo correntes amo­rosas que nos suavizarão as peripécias de cada dia. E assim como as nossas más ações são vistas pelos desencarnados, atraindo os de ordem inferior para o nosso convívio diário, até, por vezes, ao extremo de uma obsessão, assim também as nossas atitudes boas igual­mente os alcançarão, atraindo os bons para o nosso convívio diário e reagindo sobre os inferiores por lhes tolher as tentativas menos boas contra nós, e reedu­cando-os com os nossos exemplos. A jovem em questão tornou-se, certamente, benquista no Além-Túmulo, mes­mo nas regiões menos felizes, em vista da dedicação demonstrada para com os sofredores, os quais passaram a estimá-la, nela reconhecendo uma amiga, uma abne­gada protetora. Graças à sua bondade, tomou ascen­dência sobre aqueles infelizes que se encontravam no seu raio de atividades mediúnicas, os quais gostariam de um dia lhe poderem demonstrar igualmente amizade e gratidão. O certo foi que essa jovem, cujo nome era Márcia, enamorou-se de um varão, o Sr. R.S.M., ao qual, no entanto, conhecia superficialmente, e tornou-se sua prometida quando foi por ele pedida em casamento. Dadas as circunstâncias prementes da sua vida, pois a jovem Márcia era órfã e sofria a angústia da própria situação social, visto não poder contar com sólida pro­teção de qualquer membro da família, entendeu ela que o matrimônio solveria todos os problemas que a afligiam, e que aquele homem, que tão dedicado se mostrava, seria, com efeito, o amigo dileto que o Céu lhe enviava para seu protetor na Terra, bênção que a consolaria de todos os desgostos por que vinha passando na sua qualidade de órfã pobre. Era sincera e agia certa de que o noivo também o era, sentimental e romântica, mes­clando todos os atos da própria vida com os delicados matizes do próprio caráter. Cerca de quinze dias após a oficialização do compromisso, no entanto, entrou a sonhar que um grupo de Espíritos de humilde categoria do Espaço, ou antes, de categoria moral sofrível, me­díocre, avisava-a contra as intenções do prometido e da espécie negativa do seu caráter, como das próprias ações da sua vida particular.

— É um hipócrita! — exclamavam em conjunto, indignados, apontando para o pretendente, que durante os sonhos aparecia a seu lado. — um hipócrita, capaz de todas as vilezas! Supõe-te herdeira de uma fortuna e é o interesse, ünicamente, que o move… Ele não te ama, pois é caráter incapaz de amar ninguém… e se insistires nesse compromisso grandes desordens afli­girão a tua vida sem razão de ser…

E passavam a enumerar as más qualidades do Sr. R.S.M. e a série de deslizes por ele já praticados.

Das primeiras vezes que tal sonho adveio, a jovem Márcia atribuiu-o às suas próprias preocupações e até a mistificações de Espíritos perturbadores, que deseja­riam prejudicá-la. Mas porque o mesmo se repetisse com insistência, impressionou-se de tal forma que providen­ciou melhores averiguações em torno do individuo a quem confiaria a própria vida, constatando então a jus­tiça dos avisos contidos nos sonhos que tivera, avisos que só poderiam partir de corações sensatos e amigos. O compromisso foi rompido… e a jovem espírita con­tinuou na sua doce tarefa de aconselhar os necessitados do mundo astral com as manifestações da sua ternura toda espiritual e evangelizadora…

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 Finalmente, concluindo a exposição, que já vai longa, o mais interessante de quantos sonhos premoni­tórios me advertiram, ocorrido em minha juventude, quando já eu adotara convictamente os compromissos com a Doutrina Espírita e os dezoito anos floresciam repletos de sonhos e aspirações ternas e lindas. Trata-se de uma parábola por mim vivida sob as sugestões da entidade espiritual designada para a advertência que me deveria fortalecer para renúncias muito dolorosas e difíceis, a tempo de maiores dissabores não infelicita­rem ainda mais os dias de minha existência.

Como ve­remos, a técnica usada pelos instrutores espirituais, a fim de me profetizarem as lutas e os sofrimentos por que eu deveria passar, foi semelhante às das demais premonições e também idênticas às encenações vividas para o recebimento dos livros românticos que me foram concedidos através da psicografia. É de notar que esse sonho, lúcido por excelência, mostrava cenários tão reais e cenas tão vivas que eu afirmaria que tudo era sólido, material», e não fruto de uma sugestão forte, durante a qual fora criado, pelo poder da vontade mental, O cer­to foi que eu me vi, pelos meus dezoito anos de idade, diante de uma grande ponte em ruínas, que eu deveria atravessar para galgar a margem oposta. Em baixo rolava em turbilhões um rio tenebroso, de águas en­cachoeiradas e revoltas, rugindo e sacudindo a ponte a cada novo embate das águas convulsionadas, que pa­reciam ocasionadas por uma grande enchente. Eu me via lindamente trajada com vestes vaporosas, como de gaze imaculada, que voejavam ao soprar dos ventos que subiam do leito das águas, cabelos soltos e coroada de rosas brancas. A noite, aclarada pelo plenilúnio, era bela e sugestiva, deixando ver o azul do céu e as estre­las que brilhavam, límpidas. Á meu lado percebi uma entidade elevada, que reconheci como sendo Bittencourt Sampaio, envolta em túnica romana vaporosa e luci­lante, e coroada de louros, como os antigos intelectuais romanos e gregos.

E ele dizia:

— «Será necessário que atravesses… É o único re­curso que tens… Serás auxiliada…»

Pus-me a chorar, desencorajada, pois. se ensaiava entrar na ponte, esta oscilava com o meu peso. Ele, então, Bittencourt Sampaio, tomou do meu braço, am­parando-me, e repetiu:

— «Vamos, sem temor! Tudo consegue. aquele que quer! Não sabes que «a fé transporta montanhas»? Serás ajudada, confia! »

Assim amparada, atravessei a ponte, timidamente, desfeita em lágrimas, enquanto as águas rugiam em baixo, ameaçando tragá-la e também a mim. A cada passo novas oscilações da ponte, cujo soalho em ruínas me deixava entrever o abismo que corria sob meus pés. Em chegando ao lado oposto, lembro-me ainda de que o grande amigo repetiu o aviso do futuro que me es­perava, o que não constituía novidade para mim, por­que outras profecias já eu tivera sobre o assunto:

— «É o único recurso que terás para poder vencer:

       Dedicar-se ao Evangelho do Cristo de Deus, à Doutrina dos Espíritos. Nada esperes do mundo, porque o mundo nada terá para te conceder. És espírito culpado, a quem a demência do Céu estende a mão para se poder reer­guer do opróbrio do pretérito. Não conhecerás o matrimônio, não possuirás um lar, e espinhos e lutas se acumularão sob teus passos… Mas, unida a Jesus e à Verdade, obterás forças e tranquilidade para tudo su­portar e vencer…»

Com efeito, a premonição realizou-se integralmente, dia a dia, minuto a minuto: minha existência há sido travessia constante sobre um caudal de dores que o Consolador amparou e fortaleceu.

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        Muitos outros exemplos poderíamos citar. Esse ca­bedal copioso, que todas as criaturas colhem do círculo das próprias relações de amizade ou da observação, po­deria resultar em um ou mais volumes interessantes, para deleite dos estudiosos dos fatos supranormais. Mas os que aqui foram colecionados, apesar de não oferece­rem novidades, pois esses fatos são comuns, bastam para lembrar a todos nós que, acima de tudo, eles nos oferecem grandes demonstrações da verdade eterna, que não convém desprezarmos, manifestações do mundo es­piritual, o qual se entrechoca e se relaciona conosco, tomando parte em todos os sucessos de nossa vida. Provam, ao demais, a existência da alma além da morte, suas complexas possibilidades, sua individualidade mar­cante após o desprendimento dos liames carnais, os di­reitos que lhe são concedidos, pela lei da Criação, de se entender com os homens, com estes mantendo rela­ções afetivas ou protetoras; seu humanitário interesse pelos mesmos, os novos poderes por ela adquiridos de­pois da morte; o amparo que nos dispensam aqueles caridosos seres que, com seus avisos às vésperas das nossas provações ou dos grandes acontecimentos que nos surpreendem, nos preparam para os embates inevitáveis da existência, prontos a suavizarem quanto pos­sível as dores dos nossos testemunhos. E de tudo tam­bém ressalta que uma Doutrina assim completa, como o é o Espiritismo, assim perfeita, que se rodeia de beleza nos mínimos detalhes examinados, realmente merece do nosso coração muita renúncia e devoção para que seja bem estudada, compreendida e praticada, pois o certo é que não será licito a nenhum de nós encarar com indiferença o alto padrão dessa Ciência Celeste que em hora feliz adotAmos para, sob suas diretrizes, atingirmos a finalidade gloriosa a que a Criação Suprema nos destina.

(Yvonne do Amaral Pereira, médium, Bezerra de Menezes, Espírito. Recordações da Mediunidade, c.9)