Fluidos

Carlos Toledo Rizzini

  1. Fluido é a designação genérica de líquidos e gases. Dentro do Espiritismo, porém, a palavra ganhou um sentido especial, designando vários tipos de matéria mais rarefeita do que um gás. Ensinam os Espíritos, e admitem alguns cientistas (como Ernst Haeckel), que existe um princípio elementar, uma substância primária, no Universo, de cujas modificações e transformações procedem todos os corpos que conhecemos; é a matéria cósmica ou fluido cósmico universal (FCU), de Kardec. O fluido universal apresenta dois estados extremos: um estado de eterização, no qual ele se mostra como os vários tipos de energia que conhecemos (raio X, luz, eletricidade, etc.) e um estado de condensação, no qual vem a ser a nossa matéria densa, tangível. Vimos anteriormente que matéria e energia são estados relativos da substância, podendo-se passar de uma à outra; já não é só a unidade da matéria, mas a unidade da substância. Entre os dois extremos, há numerosos estados intermediários – que correspondem aos chamados fluidos; conquanto imponderáveis e etéreos, são tidos como formas rarefeitas de matéria, com outro padrão vibratório. É justamente dessa matéria que o perispírito é composto, tendo ele a propriedade de irradiá-la à certa distância. Para nós, são inconsistentes ou inexistentes; para os videntes, são feixes luminosos que escapam do corpo; para os espíritos, são tão compactos como a madeira é para nós e, por isso, é o material que usam em suas manipulações. Os fluidos mais próximos da matéria por sua constituição formam a atmosfera espiritual da Terra, que é, deste modo, pesada e sufocante, dizem os mentores; resulta esta das emanações da mente encarnada, sempre cheia de negras preocupações e intenções nem sempre dignas.

Impondo o pensamento por meio da vontade, os espíritos atuam sobre os fluidos. Orientam-nos, modificam-nos, dão-lhes formas, cores, mudam suas propriedades químicas, etc. Operando, assim, produzem aparências, roupas, objetos, que podem exibir aos homens, muitas vezes assustando-os com produções fluídicas terrificantes dadas como alucinações; por outro lado, os espíritos superiores empregam produções do mesmo tipo para o efeito oposto. Eles criam objetos de que gostam ou desejam, mesmo inconscientemente. Um espírito, por exemplo, que se julga vivo na Terra, pode gerar um ambiente fluídico se o seu pensamento permaneceu fortemente concentrado na vida que tinha antes de morrer: ele continua “doente” em sua cama e cuidando dos seus objetos e serviços como se fossem realidades físicas e não imagens mentais materializadas por meios de fluidos. A instrutora Yvonne A. Pereira descreve um notável caso assim (Recordações da Mediunidade). Tais construções fluídicas interpenetram as construções materiais terrenas: coexistem, no mesmo local, uma bela casa de alvenaria e um mísero casebre mental, ambos igualmente sólidos para os respectivos habitantes. “A criação mental sólida” deriva, pois, da fixação no passado; o espírito, vê-se novamente, precisa renovar-se constantemente pelo estudo e prática do bem, necessita expandir-se na direção de seus semelhantes, senão cai na estagnação que acaba de ser relatada.

  1. Possui o Espírito, encarnado ou não, uma atmosfera fluídica que irradia em torno do corpo, dita aura. A transfiguração de Jesus foi uma irradiação perispirítica, com grande aumento da aura. O perispírito de uma pessoa pode emitir emanações fluídicas mais fortes e orientadas numa dada direção se ela o quiser, se aplicar sua vontade a isso. Dirigindo, com as mãos, sobre outrem seus fluidos, com a intenção de beneficiar, realiza o que se chama passe. As emanações perispirituais têm influência sobre os outros; se enviam fluidos bons, são salutares; se veiculam fluidos escuros, procedentes de mentes perturbadas e de intenções menos dignas, são perniciosas. As pessoas sensíveis sentem logo uma impressão penosa à aproximação de um espírito mal-intencionado ou desequilibrado. Os pensamentos elevados e as palavras limpas, aliados a um corpo sadio, são indispensáveis ao passista.

Os fluidos detêm apreciável poder curativo. A imposição das mãos é um método clássico de tratamento rápido. Vimos, antes, que o sábio médico Mesmer (2.6) introduziu tal método na época moderna, chamando de magnetismo animal a propriedade curativa do homem decorrente das suas emanações fluídicas aplicada a outros. Tanto o fluido do homem tem ação magnética e cura, quanto o fluido do Espírito; geralmente, porém, os espíritos espontaneamente cedem seus fluidos ao passista humano, combinando os dois tipos e reforçando a ação, que a prece intensifica mais ainda. Muitas vezes, o passe não objetiva uma cura que razões espirituais (ligadas a débitos) não permitiriam; serve, no comum dos casos, para descarregar fluidos deletérios que o sujeito absorveu ou fabricou no contato com os demais e para fortalecer disposições mentais e estruturas orgânicas menos firmes. Leiam-se André Luiz (Missionários da Luz e Nos Domínios da Mediunidade), A. e O. Worrall (O Dom de Curar, Ed. Pensamento), W. de Toledo (Passes e Curas Espirituais, Ed. Pensamento) e E. Armond (Passes e Radiações, Aliança E. Evangélica).

  1. Os fluidos humanos e animais atuam, também, sobre plantas. Busquemos entender como, a lógica do processo.

Sabemos, hoje, que os mecanismos da vida são precisamente os mesmos em todos os seres, sejam animais ou vegetais: constituição celular, princípios genéticos básicos, fatores e processos evolutivos, reprodução sexuada, síntese de proteínas e de enzimas, digestão, respiração e até o funcionamento nervoso na intimidade dos tecidos; atinge-se um nível no qual mesmo certos interferons (que são proteínas) humanos protegem células vegetais contra infecções de determinados vírus! Qualquer conjunto de células vegetais, sendo tocado exteriormente, ou seja, estimulado, recebe um pouco de energia e torna-se excitado – tal qual um tecido animal o faria. Semelhante excitação propagar-se-á para longe do ponto inicial e poderá ser detectada por meio de uma reação que o estímulo desencadeou; essa reação ou será motora (mediante órgãos móveis) ou elétrica (que ocorre em todos os tecidos e órgãos). Como as plantas, em geral, são imóveis, a verificação da excitação faz-se mediante a resposta elétrica, com um aparelho próprio e muito sensível (galvanômetro, que pode ser conectado a outros, fazendo-o inscrever sobre papel, por meio de uma agulha com tinta, a modificação que ele assinalar na intensidade elétrica).

Se examinarmos a resposta consistente no desdobramento de um pelo glandular (comuníssimo no reino vegetal), medindo os impulsos elétricos que descem ao longo dele quando tocado, veremos que o movimento do pelo decorre de súbitas alterações no potencial elétrico que atravessa as paredes celulares – alterações essas idênticas ao impulso nervoso que corre através de prolongamentos das células nervosas. O mecanismo, na intimidade, é semelhante nos dois tipos de seres vivos.

Agora, o outro lado da questão. Uma planta possui, também, um corpo fluídico. Ligada a um aparelho registrador (acima mencionado) suficientemente sensível, exibirá respostas (ou reações) a pensamentos, emoções e mesmo interações de um ser humano – e muito particularmente à morte de qualquer animal, por mais insignificante que seja (e até a células vivas isoladas, por exemplo, raspadas da face interna da boca). Vejam bem: respostas ou reações, pois ela é desprovida de sensações e de percepções por lhe faltarem os respectivos órgãos dos sentidos. Ainda assim, um vegetal mostra patente sensibilidade que é outra faculdade do corpo espiritual (ou organismo bioplasmático) – sensibilidade no sentido de capacidade de reagir a certos estímulos. O que não havia até uns 20 anos atrás era o aparelho adequado para revelá-la, mas Emmanuel, A. Luiz e A Grande Síntese (Ubaldi) já mencionavam tal propriedade, sem falar no cientista J. C. Bose, entre nós pouco conhecido. Cf. no jornal Desobsessão, RS, 388: 6 de dezembro de 1980, um extenso estudo sobre a questão aqui analisada, caso queira ampliar os horizontes intelectuais.

O que um homem e um animal enviam a uma planta são fluidos (matéria sutil emanada dos respectivos perispíritos). Estados mentais e emocionais mais intensos (uma crise de ódio, raiva, um sentimento mais afetuoso, um prazer forte, a morte violenta, etc.) fazem escapar cargas fluídicas mais energéticas ou mais densas ou mais leves, escuras, etc. Suponha um indivíduo que queira queimar uma folha ou que pretenda matar alguns peixes; tal disparará certa qualidade vibratória de fluidos, diferente das suas emissões habituais. O vegetal reage a tais fluxos fluídicos quando é atingido por eles; o seu psicossoma é primitivo, mas não inerte. É que o aparelho registra: a reação pela diferença de potencial elétrico; a planta não quedou indiferente – mas também não “viu” nem “sentiu” dor pelo que houve… A conclusão é que em a natureza tudo se encadeia, conforme afiança repetidas vezes O Livro dos Espíritos e que existe nela uma forma primária de comunicação instantânea entre todos os seres vivos.                   

André Luiz refere-se (Nosso Lar e Ação e Reação) a fluidos vegetais retirados de certas árvores por atendentes espirituais e aplicados em doentes como remédios eficazes, o que significa que podemos sentir-lhes os efeitos. Certas pessoas, dotadas de almas elevadas e poderes psíquicos igualmente avançados, denotam a capacidade de modificar o comportamento de suas plantas cultivadas tão só expressando os seus desejos de que cresçam melhor. Temos notícias de que Edgar Cayce conseguia isso no seu jardim, do qual gostava de cuidar pessoalmente. A eminente médium-vidente e curadora da igreja de Monte Washington (Estados Unidos), Olga Worrall, certa feita, querendo levar algumas cristas-de-galo imaturas a uma exposição de flores, pediu-lhes gentilmente que crescessem mais uns 2 cm até o dia seguinte. Ora, para espanto do esposo, ao nascer o novo dia as inflorescências estavam 25 mm maiores ela obteve o primeiro lugar… O pastor (também químico) Franklin Loehr, em numerosos testes usando grande número de seus audientes, empreendeu experiências sobre a ação da prece na aceleração da germinação de sementes, conseguindo 20% de ampliação do fenômeno. Eis o que comenta o ilustrado escritor Hermínio C. Miranda (Anuário Allan Kardec, 1970, pág. 15):

“Para nós, espíritas, as notáveis experiências do Dr. Loehr têm o significado de uma confirmação. A planta é um ser vivo que responde ao amor e às vibrações simpáticas emanadas de um espírito bem intencionado.”

Ainda pode praticar-se, com sucesso, a oração negativa, desejando que nada cresça.

Não deixa de ser importante transportar para aqui alguns dos vários resultados experimentais registrados na literatura e aceitos como cientificamente válidos. Eles demonstram que os fluidos humanos podem agir, deveras, sobre animais e plantas. Vejamos um exemplo típico de cada, configurando aquilo que a Parapsicologia, sob outro aspecto, chama de psicocinese, ou ação da mente sobre a matéria.

O Coronel Oskar Estebany, antigo oficial do exército húngaro, aos poucos desenvolveu a capacidade de curar pela imposição das mãos; começando com cavalos, foi ampliando o campo de ação para incluir outros animais e até o ser humano. Tornou-se conhecido graças à faculdade citada. Reformado, mudou-se para o Canadá. Acreditava veementemente em seus poderes e aceitou o convite para participar de experiências científicas, feito pelo Dr. Bernard Grad, bioquímico do Allan Memorial Institute of McGill University. O Dr. Grad queria comprovar, mediante testes seguros, em laboratório, se era possível influenciar seres vivos, sem contato.

Em 1960, tiveram início os experimentos com camundongos. Destes, pequeno retalho de pele era retirado do dorso. Foram, depois, distribuídos em três grupos: 1) animais sobre cuja gaiola o Coronel Estebany simplesmente colocava a mão espalmada por cima, do lado de fora; 2) animais tratados da mesma maneira por uma pessoa sem dotes curativos; 3) animais que não receberam nenhuma imposição de mão. Isso durante alguns dias apenas. Em duas séries de tais ensaios, evidenciou-se que os camundongos tratados pelo oficial curaram-se significativamente mais depressa.

Daí por diante, B. Grad passou a investigar o processo germinativo. Em numerosos testes, sementes de centeio embebidas em água cujas garrafas o Coronel segurara entre as mãos foram comparadas com outras tantas embebidas em água não tratada. As pessoas que realizaram as contagens e medições das plântulas ignoravam quais delas tinham recebido a água influenciada por O. Estebany. Os achados confirmaram as experiências mencionadas anteriormente: houve crescimento significativamente mais rápido das plantinhas germinadas na água fluidificada pelo referido curador militar (1965).

Muitos outros experimentos científicos foram levados a cabo com o mesmo, inclusive para acelerar reações químicas e aumentar a hemoglobina no sangue. Na França, um biólogo queria o contrário, retardar o crescimento de certo fungo cultivado no seu laboratório; três indivíduos deram conta do recado, cada um por sua conta (acima mencionei a oração negativa para vegetais). Na Islândia, o já citado Erlendur Haraldsson verificou que sensitivos podem apressar a multiplicação da levedura em tubo de ensaio…  

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 76-82)

Religião e cultos afro-brasileiros

Carlos Toledo Rizzini

  1. Aprendemos que o Espiritismo, como maneira de compreender a Vida, o Espírito, Deus, etc., é uma religião interior. Esse sentimento leva à submissão ao Poder Supremo extraterreno: Deus e seus delegados. Assim define Emmanuel (Roteiro): 

“A religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador.”

A fé é a confiança nesse poder; a prece é uma declaração de confiança e submissão consciente, pelo que estabelece contato entre criatura e Criador, discípulo e Mestre, donde gera um estado de receptividade ao auxílio do Alto.

O Espiritismo não pode ser institucionalizado sob a forma de religião convencional. O seu templo é interno, seu ensino é racional e analisável, seus ritos são a prática do bem e a conduta correta. Por isso, esclarece e alimenta qualquer religião formal que o queira adotar e amplia a compreensão de qualquer crente. Não prega moral autoritária – manda conduzir-se de acordo com os princípios do Evangelho.

  1. No Brasil há vários cultos populares, cuja evolução espontânea partiu das práticas mediúnicas primitivas, que os escravizados negros trouxeram da pátria africana. Particularmente importante, por sua difusão, é a chamada Umbanda, muito conhecida no Rio de Janeiro. Como vimos, a mediunidade, ou antes, mediunismo: em sua forma natural, segundo distinção de Emmanuel, existe por toda a parte desde o princípio dos tempos. Nossos irmãos escravizados praticavam-no pura e simplesmente, na sua pátria. Trazidos para cá, foram forçados a enquadrar seus rituais nos moldes impostos pelos senhores brancos, que tinham uma religião rica de imagens e ritos.

Não é difícil compreender a mistura das duas atividades ao longo do tempo – isto é, o sincretismo religioso: o negro absorveu a parte ajustável ao mediunismo e foi anexando, aos seus rituais, imagens e costumes tomados aos brancos, já que estes pretendiam substituir o mediunismo pelo catolicismo. Ora, esse trabalho de assimilação e fusão data já alguns séculos, sendo, portanto, um desenvolvimento espontâneo. Por isso, às práticas mediúnicas evidentes aliam-se altares e estatuetas de santos, cujos nomes civilizados foram trocados por nomes africanos. Não existe ali, como é natural, uma doutrina elaborada: há comunicação com vários tipos de entidades espirituais do nosso plano evolutivo, a maioria das quais deseja o bem, assim como os praticantes humanos; mas existem, também, nos dois planos, os trabalhadores do mal. Porém, em todos os casos, o caráter manifesto das crenças, manifestações e trabalhos é a materialidade, razão de tanto apelo a “despachos” contendo objetos pouco estimáveis. É claro que não cabe a crítica – e sim, a compreensão: aí, como em tudo o mais, a questão crucial é o nível evolutivo dos espíritos e pessoas. É lógico que um espírito superior nem bebe, nem fuma etc. O que Deus permite não deve ser objeto de crítica da criatura e terá uma razão de ser; procurem-na…

O Espiritismo nada tem a ver com os cultos afro-brasileiros. Mas veio reforçá-los e justificá-los em virtude da mediunidade. Essa relação fenomênica fez com que o nome “espiritismo” passasse a ser usado nos terreiros, sem que a doutrina influísse na melhoria do ambiente, e a confusão é a tal ponto completa que é impossível sequer tentar desfazê-la mediante explicações e argumentos racionais.

Tudo é “espiritismo” e está acabado! Em 1941, houve no Rio de Janeiro um “Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda”, expressão que se vulgarizou bastante.    

Estudamos antes a origem do Espiritismo: é a doutrina científica de consequências morais e religiosas que os Espíritos Superiores ensinam e Allan Kardec organizou metodologicamente.

A própria palavra Espiritismo foi cunhada por ele, o Codificador. Tem pouco mais de um século sua existência e surgiu em Paris. Não possui nenhuma prática ligada a objetos materiais. Seus trabalhos são todos realizados pela força do sentimento e do pensamento; não propicia espíritos com solenidades, cantos e dádivas, pois objetiva a melhoria deles e dos homens.

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 65-67)

O fenômeno no Novo Testamento

(Reprodução)

Precisamos, ainda, antes que o livro fique grande demais, dar uma espiada no Novo Testamento. Para isso, temos de ser econômicos em nossas citações, porque então seria necessário escrever outro volume. O relato dos Evangelhos sinóticos (os três primeiros, de Mateus, Marcos e Lucas, como sabe o Leitor) começam pelo nascimento de Jesus, precedido e seguido por manifestações mediúnicas. Seres espirituais apresentam-se à vidência de Maria ou conversam com José nas horas de repouso e desdobramento durante o sono.

O texto bíblico em geral (Antigo e Novo Testamentos) costuma chamar tais seres de anjo. É preciso lembrar, contudo, que o termo adquiriu, com o tempo, significado diferente do original, pois na língua grega – na qual foram traduzidos o Antigo e o Novo – a palavra quer dizer simplesmente mensageiro e não um ser espiritual semidivinizado. Da mesma forma daimon nada tinha a ver com demônio, e sim gênio ou espírito e só eventualmente tornou-se Demônio, no sentido de espírito do mal. Sócrates conversava habitualmente com o seu daimon, mas nada tinha de endemoninhado. Pelo contrário.

O ministério de Jesus é toda uma antologia de fenômenos insólitos – suas curas, o domínio sobre as forças da natureza, a transfiguração, materializações de espíritos, o retorno à vida de algumas pessoas, sua incrível capacidade de penetrar a mente das pessoas e, finalmente, o sepulcro vazio e a apoteose da ressurreição, seguida por várias aparições e até materializações de seu corpo perispiritual.

O regresso de Jesus às regiões superiores do mundo espiritual não significou, contudo, o abandono dos discípulos e amigos aqui deixados para dar continuidade ao trabalho por ele implantado. Os Atos dos Apóstolos e as diversas Estolas mantêm e até ampliam a tradição bíblica do intercâmbio com os seres invisíveis.    

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 50-51) 

Os profetas (médiuns) do Antigo Testamento

(Gustav Dore, O profeta Ezra orando)

Estaríamos forçando demais a paciência do leitor se fôssemos repassar aqui todos os episódios bíblicos em que o fenômeno mediúnico teve destacada e decisiva participação, desde as primeiras páginas da Gênese até às páginas finais do Antigo Testamento que reproduzem um texto declaradamente mediúnico, ou seja, um grupo de comunicações recebidas, provavelmente por psicofonia, pelo profeta Malaquias. Aliás, até o nome do profeta identifica-o como médium. Segundo no informa a Bíblia de Jerusalém, Malaquias (מַלְאָכִי) quer dizer ‘meu mensageiro’. O texto começa com estas palavras:

– Oráculo. Palavra de Javé a Israel por meio de Malaquias.

Malaquias, porém, não é o único profeta-médium de Israel. Está sendo lembrado de maneira especial aqui simplesmente porque as mensagens por ele recebidas são as últimas do Antigo Testamento. Na página seguinte da Bíblia, começa o Novo Testamento, no qual vamos encontrar nova safra de fenômenos mediúnicos.

Os chamados Livros Proféticos ocupam considerável espaço – cerca de um terço de todo o Antigo Testamento. Figuram ali, não apenas os profetas maiores, mas seus continuadores e sucessores, ainda que de menor influência e expressão. Entre aqueles, podemos mencionar Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, aos quais se seguem doze profetas menores, de Amós até Jonas, incluindo o já lembrado Malaquias.

Talvez nem compreendamos hoje a importância que tiveram (ainda têm) esses vigorosos documentos mediúnicos para o povo judeu, sua história, suas tradições, seus costumes, suas esperanças, em suma, sobre seu passado e seu futuro como nação.

São frequentes as referências de Jesus aos profetas e inequívoco o alto conceito em que os tinha e às falas mediúnicas que legaram ao povo de Israel. Por isso, diz ele, em Mateus 5:17:

– Não penseis que vim abolir a lei e os profetas. Não vim aboli-los, mas dar-lhes cumprimento.

Quando lhe perguntaram qual o maior mandamento da lei, Jesus responde com a citação do primeiro mandamento, como vimos há pouco e completa o ensino, dizendo:

– Este é o maior e o primeiro mandamento. O Segundo é semelhante a este: ‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo’.

E conclui:

– Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.

Como se observa, não apenas coloca as questões com extrema habilidade e profunda sabedoria, como ratifica com a sua autoridade, os ensinamentos espirituais obtidos no passado remoto através dos antigos profetas de Israel. Ele não diz que o seu mandamento do amor ao próximo é maior ou menor – diz que é semelhante.  

É certo que os textos proféticos não são modelos de perfeição e chegam a conter algumas impropriedades mais ou menos graves, seja porque os médiuns foram inadequados, seja porque os próprios textos foram adulterados, sob a pressão de interesses equivocados dos seres humanos incumbidos de zelar por eles. Sempre tive minhas dúvidas de que os Espíritos ordenassem matanças e crueldades, como consta em alguns textos.

O certo é que toda a estrutura religiosa, política e social de Israel foi montada em cima dos parceiros da Lei Mosaica e dos que ficaram preservados nos documentos proféticos. Nenhum texto mediúnico gozou de tanto prestígio e exerceu tão larga parcela de autoridade e respeito como as instruções espirituais transmitidas ao povo judeu por intermédio  dos profetas de Israel. Durante muitos séculos os guias espirituais acompanharam a nação judaica, passo a passo, no dia-a-dia da vida, na formação da sua moral, costumes, práticas religiosas, estrutura política, social, econômica, de sua cultura, de sua nacionalidade, enfim.

Por ocasião da grande tragédia da Diáspora, quando os judeus, batidos implacavelmente, em sua terra natal, espalharam-se pelo mundo afora, o sólido vínculo da tradição bíblica é que conseguiu produzir o milagre da sobrevivência do povo, sem perder sua identidade. Seria injusto e inaceitável minimizar, na feitura desse milagre, o importante papel desempenhado pelos vigorosos textos mediúnicos deixados pelos profetas em dramáticos momentos da existência do povo judeu.

Isso emprestava aos profetas uma autoridade que ultrapassava os limites habituais da hierarquia. Impulsionados pela autoridade dos espíritos que os controlavam, os profetas jamais hesitaram em condenar o erro, onde quer que ele se instalasse, até mesmo nas mais altas camadas do sacerdócio ou das lideranças políticas.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 38-41) 

Vacas gordas e magras

(Pixabay (Reprodução))

Coisa semelhante aconteceu a José, no Egito, uma das histórias mais conhecidas da Bíblia e que tem servido de tema para livros, poemas, filmes e peças de teatro.

José, menino rejeitado pelos seus próprios irmãos, chegou ao Egito como escravo. Quando servia na casa de Putifar, um dos grandes do império, foi assediado pela mulher de seu patrão que queria seduzi-lo. José resistiu com dignidade, mas acabou envolvido numa trama que ela armou para incriminá-lo, embora o rapaz fosse inocente. Condenado à prisão, José revelou entre os detentos seus dons mediúnicos, especialmente na difícil arte de interpretar sonhos.

Ora, certa noite o Faraó teve o famoso sonho das sete vacas gordas, que saíam do rio Nilo e depois eram devoradas por sete vacas magras. Acordou impressionado e, adormecer de novo, sonhou com sete espigas graúdas e sadias que eram consumidas por sete espigas raquíticas e míseras.

Ninguém conseguiu interpretar a contento o sonho do Faraó, até que alguém se lembrou de José, que cumpria pena por crime que não praticara. Mandaram chamá-lo e ele disse que, em realidade, o sonho era um só, isto é, ambos traziam a mesma mensagem: o Egito iria passar por sete anos de abundância nas colheitas – que sempre estiveram e ainda estão na dependência das enchentes do rio. Daí porque, no sonho, as vacas saíam do Nilo. Após sete anos de fartura, viriam sete de penúria e fome, simbolizados nas vacas magras e nas espigas secas e mirradas que devoravam as maiores.

Bastava, portanto, acrescentou José, plantar e colher tudo quanto pudessem os trabalhadores do campo e armazenar a colheita cuidadosamente, durante os sete anos fartos e esperar tranquilamente a escassez. Se a administração desse plano fosse entregue a alguém de confiança e competência, não haveria como errar.

Prontamente, o Faraó convidou José para assumir o posto de primeiro ministro e confiou-lhe a execução do plano, que deu certo, como previsto.

Pode o leitor desconfiado ou descrente achar que a interpretação era óbvia por si mesma, sem necessidade de nenhuma faculdade e, consequentemente, de nenhum fenômeno. Será? Tenho minhas dúvidas. Imagine-se o leitor perante a situação. Teria acertado com tamanha precisão com a mensagem contida no sonho do Faraó, depois que tantas e eminentes personalidades habituadas a este tipo de trabalho fracassaram na sua interpretação?

Ficamos ainda com mais uma alternativa: a de que José decifrou o enigma por mero exercício de intuição. É possível. O certo é que, segundo nos ensinam os instrutores espirituais, intuição é uma das modalidades mais sutis e aperfeiçoadas de mediunidade. Já as de efeito físico são de natureza mais grosseira, porque exigem um componente físico, uma participação da matéria contida no ectoplasma, substância produzida pelos médiuns especializados nesse fenômeno e sem o qual é praticamente impossível aos espíritos mostrarem-se à visão normal das pessoas não dotadas de vidência.

Qualquer que seja a nossa opinião, o certo é que José saiu diretamente da prisão para o mais alto cargo de confiança na hierarquia política do Egito, país no qual ainda era considerado um ex-escravo estangeiro.

Exerceu o poder com reconhecida competência e eficácia. Acabou entrando para a história, que, afinal de contas, ajudou a fazer.

Num dos seus fascinantes livros, O Chanceler de Ferro, J. W. Rochester (Espírito) conta, por psicografia da Sra. Wera Krijanowski, a história de José, que o autor espiritual caracteriza como pessoa iniciada em profundos segredos da magia e, consequentemente, da mediunidade, tal como era então conhecida e praticada. Se o leitor ainda não teve oportunidade de ler esse livro, faça-o. Terá muito em que pensar. A despeito da glamourização que lhe empresta o texto bíblico, José não era um sujeito muito fácil, segundo nos assegura Rochester.

Enfim, tudo isso que estamos aqui a comentar está ligado ao exercício de muitas mediunidades atribuídas aos seres humanos e, por conseguinte, às muitas maneiras de sob as quais se apresenta o fenômeno mediúnico que constitui objeto de nossa conversa.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 36-38) 

Guias espirituais do povo judeu

(Festim de Baltazar, séc. XV/XVI, autor desconhecido)

Qualquer que seja a postura de quem a lê, a Bíblia é um conjunto de livros pontilhados de fenômenos mediúnicos da mais variada natureza, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Se há um povo que foi instruído, orientado, conduzido e estruturado ostensivamente pelos guias espirituais, esse povo é o judeu. Toda a sua história é um suceder contínuo de pregação mediúnica através de seus muitos videntes e profetas, desde que, movido por uma experiência mediúnica, o patriarca Abraão partiu de Ur rumo ao que para ele, era uma aventura no desconhecido, mas não para os Espíritos que supervisionavam a sua missão histórica. Parece que é ali que começa a desdobrar-se o projeto de criação de um povo destinado a acolher o conceito de um Deus único.

São inúmeras as passagens nas quais a interferência do fenômeno mediúnico é óbvia no rumo de relevantes acontecimentos e há evidência de que as faculdades responsáveis pela ocorrência do fenômeno são, usualmente, as principais características pessoais que protegem seus portadores e os põem como criaturas respeitáveis e dignas de serem ouvidas.

No já mencionado episódio de Baltasar (Daniel 5:1-31), o jovem médium judeu Daniel foi chamado a desvendar o enigma das palavras escritas na parede do palácio durante o festim. Corajosamente, anunciou o que significavam: o fim de Baltasar, cujos dias estavam contados e que nada tinha realizado de espiritualmente proveitoso, uma vez que fora pesado na balança e achado muito leve. Seu reino seria dividido e entregue aos medos e aos persas. Era o que queriam dizer as misteriosas palavras produzidas por escrita direta.  

Anos antes, contudo, Daniel, ainda jovem, estava sendo criado no palácio do rei com outros jovens judeus, lançara-se como figura destacada da corte ao interpretar corretamente um sonho de Nabucodonosor, pai de Baltasar e que antecedeu ao filho no trono.

A princípio, Daniel não entendeu a mensagem mediúnica do sonho. Pediu prazo ao rei, recolheu-se e orou, pedindo ajuda espiritual para acertar, com o sentido exato do sonho do rei, já que este decretara a morte de todos os profetas e adivinhos do reino que não haviam conseguido interpretá-lo.

– Então – diz a Bíblia, em Daniel 2:19 – o mistério foi revelado a Daniel em uma visão noturna. 

Tão satisfeito ficou o rei, que designou Daniel para um elevado cargo na hierarquia de seu governo e deu-lhe inúmeros e valiosos presentes.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 34-36) 

O enigma do urim

(Pixabay (Reprodução))

Para entendermos bem o que quer dizer isso, torna-se necessário fazer uma pausa para explicar o que é urim (אוּרִים). Recorri, para isso, à Enciclopédia Britânica, sempre segura no que diz e que não se arrisca a dizer o que não sabe, pois até as enciclopédias ignoram, às vezes, certas coisas. Em verdade, ela não me respondeu do modo direto o que eu esperava, mas proporcionou-me elementos preciosos que nos permitem decifrar essa enigmática palavra.

Confessa a Britânica honestamente que ‘tanto a identidade (do urim) quanto seu uso são obscuros’. A explicação mais comum é a de que se trata de um conjunto de pedras ou discos sagrados. Sabe-se, porém, que era usado nos processos de comunicação divina’, o que quer dizer, nas práticas mediúnicas, na obtenção de fenômenos mediúnicos, ou mais claramente ainda, na comunicação com os espíritos, embora a Enciclopédia não utilize de tais termos. É certo ainda que nas práticas com o urim estavam sempre envolvidos os profetas, que sabemos serem os médiuns da época.

Há outras especulações sobre essa misteriosa instrumentação, mas a chave do enigma não é difícil de encontrar para quem disponha de alguma experiência com o exercício da mediunidade. A Britânica explora algumas dessas alternativas, mas nenhuma delas a satisfaz. (E nem a mim). O texto prossegue declarando ser ‘provável … que a solução esteja alhures’, isto é, em nada daquilo que até hoje se supôs. E sem querer, nem saber, proporciona, a seguir, as condições para a explicação correta.

É que a palavra urim vem usualmente ligada a outra, tumim (תֻּמִּים). Portanto, urim e tumim formam juntos um instrumento destinado ao exercício de alguma forma de mediunidade, cuja característica se perdeu. Informa a Britânica, contudo, que a letra inicial da palestra urim é o aleph (א), primeira letra do alfabeto hebraico e que a primeira letra do termo tumim é tav ((ת)), última letra do mesmo alfabeto. Não é preciso ser nenhum gênio para concluir que o conjunto urim/tumim é um dispositivo sobre o qual foram escritas as letras do alfabeto hebraico. A Britânica acha que as letras teriam valores numéricos. E talvez por isso, a Bíblia de Jerusalém resolveu traduzir o texto há pouco citado de I Samuel assim: ‘… nem  por sonho, nem pela sorte, nem pelos profetas’. Mas não é isso. Ao que se depreende, as letras eram dispostas de tal maneira que um indicador ou um pequeno objeto leve pudesse apontá-las sucessivamente, formando palavras e frases. Em suma: o urim/turim era um tabuleiro mediúnico, que os povos de língua inglesa conhecem pela expressão mista de ‘ouija board’. Oui, como sabe o leitor, é a palavra francesa para SIM e ja, termo alemão com o mesmo sentido (SIM). Como esclarece o competente Dicionário americano de Webster, OUIJA ‘é a marca comercial de um tabuleiro inscrito com o alfabeto e vários sinais, destinado ao uso como prancheta na obtenção de mensagens mediúnicas’ (Destaque do autor).

O que nos confirma na conclusão de que urim/turim é uma prancheta mediúnica é a informação – ainda na Britânica – de que ‘as letras eram colocadas no ‘breastplate of judgement’ e movimentada pelo ‘shekinah’ do sacerdote’. 

A medida que as letras iam sendo identificadas – a Britânica diz que eram retiradas – iam sendo anotadas ‘para formar as palavras’.

Falta explicar ainda a presença e o sentido dos termos entre aspas.

O ‘breastplate’ – literalmente ‘placa do peito’, – ou peitoral – era uma placa metálica com doze pedras preciosas incrustadas, uma para cada tribo de Israel. O Sumo Sacerdote usava-a sobre o peito, como o nome indica.

Shekinah é um termo hebraico que significa ‘presença terrena (ou morada) de Deus’. Na teologia judaica, shekinah caracteriza a manifestação divina, por meio da qual a presença de Deus é percebida pelo homem, segundo nos esclarece o mesmo Dicionário de Webster, já citado. Ora, já vimos diversas vezes que a comunicação mediúnica era considerada uma conversa com o próprio Deus, na sua presença, ou por outra, verdadeira manifestação divina.

Disso tudo, portanto, podemos concluir que as letras do urim/tumim eram dispostas sobre a placa metálica sagrada que o Sacerdote usava sobre o peito e que através do shekinah do aludido sacerdote, ou seja, de sua faculdade de ‘perceber a presença de Deus’, ou melhor ainda, de sua mediunidade, movimentava-se o instrumento que ia indicando, letra por letra, as palavras que, por sua vez, formavam as frases da mensagem. Nada, portanto, de sorteio ou numerologia, e sim um claro fenômeno mediúnico de efeitos físicos utilizado pelos espíritos manifestantes, tal como ainda hoje o fazem com a prancheta ou com um copinho que deslisa dentro de um círculo de letras.

Eis aí, a meu ver, o mistério do urim/turim.           

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 23-26) 

O Rei Saul vai a uma sessão mediúnica

(Gustav Dore (Reprodução))

 

O primeiro livro de Samuel narra um episódio antológico em termos de fenômeno mediúnico. Vamos resumi-lo.

Aconselhado pelo profeta (leia-se médium) Samuel, o povo judeu resolveu dar aos seus dirigentes máximos o título e a condição de rei, numa tentativa de acabar com os desmandos e os conflitos de autoridade e a consequente desarmonia política e social.

O próprio Samuel consagrou Saul, que fora consultá-lo, por saber da sua reputação de médium seguro e respeitável. A Bíblia não faz segredo aqui, nem usa de meias palavras. Chegado à cidade onde residia Samuel, Saul perguntou a umas moças que se dirigiam à fonte para apanhar água, onde morava o vidente. Esclarece o versículo seguinte (I Samuel 9:9) que:

– Antigamente em Israel toda pessoa que ia consultar a Deus (אֱלֹהִים, Espíritos) dizia assim: Vinde e vamos ao vidente. Porque aquele que hoje se chama profeta, chamava-se vidente.

Poderíamos acrescentar, em nova atualização, que aquele que se chamava vidente e mais tarde se chamou profeta, chama-se agora médium, mas o trabalho que realizam é o mesmo – o fenômeno mediúnico, pois todos eles servem de elemento de ligação entre ‘vivos’ e  ‘mortos’.

Vemos, assim, que Saul foi indicado rei de Israel mediunicamente e por Samuel foi ungido, sendo com base na autoridade desse médium que o povo o aceitou como rei.

O historiador americano Will Durant informa em sua autorizada obra (Our oriental heritage) que Saul proporcionou ao seu povo ‘instrutivamente, bens e males: lutou com bravura em suas batalhas, viveu com simplicidade em sua propriedade em Gilead, perseguiu Davi (seu sucessor) com intenções assassinas e foi decapitado quando fugia dos filisteus’. (O que, aliás, não é bem isso, como veremos).

Após a morte de Samuel, seu protetor e conselheiro, Saul determinou a expulsão de todos os médiuns do país. A Bíblia chama-os aqui de nigromantes e adivinhos. (A grafia preferida para a primeira dessas palavras hoje é necromante, que o Dicionário do Prof. Aurélio define como ‘pessoa que pratica a necromancia. Pessoa que invoca os mortos’. Logo, um médium.).

Acontece que novamente se viu Saul ante a inevitável contingência de ter de lutar contra os filisteus, adversários tradicionais dos judeus. O exército inimigo acampou num lugar chamado Sunem. Saul reuniu seus soldados em Gelboé, de onde via o acampamento dos filisteus. Sem meias palavras, aqui também, a Bíblia diz logo que ele ‘teve medo’ (Sam, 28:5).

Sua primeira providência foi consultar Javé (יהוה), Deus de Israel. É a maneira de dizer que orou a Deus, pedindo socorro e inspiração, como se diria hoje. Mas não conseguiu nada.

– … Javé não lhe respondeu nem por sonhos, nem pelo urim (אוּרִים), nem pelos profetas. (I Sam, 28: 6).  

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 22-23) 

Como surgiu o Decálogo

(Pixabay (Reprodução))

 

Todos nós sabemos da importância do Decálogo, mais conhecido como Os Dez Mandamentos. É um dos códigos de moral mais antigos, mais respeitados e difundidos do mundo. As normas de procedimento nele contidas continuam válidas hoje e continuarão no futuro. Quando o Cristo disse que não veio revogar a lei, mas cumpri-la, referia-se aos preceitos do Decálogo, documento básico de toda a estrutura religiosa, política e social do povo judeu.

Em Lucas (Capítulo 10), um doutor da lei pergunta a Jesus o que deve fazer para ganhar a vida eterna e Jesus responde com outra pergunta: ‘O que está escrito na Lei?’ ‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com toda a tua mente’ – responde o doutor. Jesus limitou-se a comentar: ‘Bem respondido. Faze isso e viverás.’

A versão de Marcos (Capítulo 12) é ainda mais explícita e direta. Um escriba aproxima-se do Cristo e lhe pergunta qual, na sua opinião, seria o mandamento mais importante. Jesus respondeu-lhe citando o primeiro mandamento: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor, e amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças’.

– O segundo (mandamento) – prossegue Jesus – é ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Não há maiores mandamentos do que estes. 

Nessas e em outras passagens, Jesus deixou bem claro o testemunho do seu respeito e acatamento pelo Decálogo, que, acima de divergências doutrinárias desta ou daquela religião, é um roteiro seguro de bom procedimento entre os seres humanos. Nem todos, porém, sabem ou admitem que o Decálogo resulta de um fenômeno mediúnico, como se pode ver nos textos bíblicos, em Deuteronômio, Capítulo 5 e Êxodo, Capítulos 20 e 34.

Em resumo, a história passou-se da seguinte maneira: dispunha Moisés de faculdades que hoje chamaríamos de mediúnicas, como se pode comprovar de uma simples leitura dos primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco, que falam dele. Certa vez, Javé mandou que ele fosse sozinho ao Monte Sinai. Lá, diz o texto (Êxodo 31:18) ‘Depois de falar com Moisés no Monte Sinai, (Javé) lhe deu as duas tábuas do Testemunho, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus.

Essa é a maneira da época para informar que as palavras escritas na pedra (seriam ardósias?) foram recebidas mediunicamente, de um Espírito Superior que atuava como guia do povo judeu, pelo qual era considerado um ser divino. Ante a sumária informação contida no texto não poderíamos hoje determinar com precisão como foram grafadas as palavras nas duas placas de pedra; supomos, contudo, que haja ocorrido um fenômeno mediúnico de efeitos físicos, provavelmente com a materialização das mãos do Espírito manifestante, uma vez que o texto diz que as pedras foram ‘escritas pelo dedo de Deus’, e não com os de Moisés. Neste último caso, teria sido um fenômeno de psicografia, audiência, vidência ou inspiração, todos de natureza intelectual. 

Seja como for, o texto não era de autoria de Moisés, por uma razão muito simples de apurar. É que, ao descer do monte, com as tábuas nas mãos, depois de passar lá em cima quarenta dias e quarenta noites, Moisés foi encontrar o povo de volta aos cultos da idolatria. Seu próprio irmão Aarão havia concordado em fundir um bezerro de ouro para que o povo tivesse um ídolo visível que servisse de deus e aceitasse os sacrifícios e oferendas e os rituais que Moisés havia proibido desde que haviam saído do Egito. Suponho que esse bezerro fosse uma representação do boi Apis, importante divindade egípcia.

Moisés ficou de tal maneira transtornado que, num ímpeto de cólera, atirou as placas de pedra no chão, quebrando-as em pedacinhos. Só depois lhe teria ocorrido que não seria capaz de reconstituir pessoalmente, com seus recursos, o texto que elas continham. Por isso, recorreu novamente a Javé, que lhe transmitiu a seguinte ordem:

– Prepara outras duas pedras como as primeiras, sobe para onde estou eu e eu escreverei nelas as palavras que haviam nas primeiras que você quebrou.

Assim foi feito, repetindo-se o fenômeno mediúnico já narrado.   

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 18-20) 

O fenômeno mediúnico na Bíblia

(Pixabay (Reprodução))

A Bíblia conta no capítulo 5º de Daniel que, num banquete dado por Baltasar, rei da Babilônia, materializou-se a mão de um homem, que escreveu numa parede três palavras desconhecidas. (Xenografia?)

– Então o rei mudou de cor, seus pensamentos se turbaram, as juntas dos seus membros se relaxaram e seus joelhos puseram-se a bater um contra o outro.

O que é uma forma elegante de dizer que o rei ficou apavorado, sem ofender a dignidade de Sua Majestade.

Esse fenômeno mediúnico de efeito físico está longe de ser o primeiro e único na Bíblia, que dá testemunho de inúmeros deles, desde Moisés até às últimas páginas do Novo Testamento.

E que já estamos falando disto, vamos aproveitar a oportunidade para lembrar outros fenômenos bíblicos não menos interessantes ou dramáticos.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, p. 17)