Destino

Rino Curti

A noção básica do Espiritismo, como já o dissemos em Espiritismo e Evolução, é a de que o Espírito evolui através das reencarnações, evolução que, na fase humana, lhe é entregue ao livre-arbítrio, passando a constituir-se em sua responsabilidade.

Kardec estuda em O Livro dos Espíritos, Cap. IX, do Livro 3º, sob o título “Lei de Igualdade”, esta questão.

Em primeiro lugar, estabelece uma noção de responsabilidade relativa ao grau de desenvolvimento de cada um: somos o resultado de nossas idealizações. A ideação, em cada um, é fruto de seu estágio evolutivo, de sua compreensão, suas concepções, seus sentimentos, desejos, do seu nível de aprendizado. Cada um se move dentro das dimensões que lhe são próprias. Pelas ideias que cultivamos, criamos os motivos que nos alegram ou entristecem, que nos animam ou deprimem, que nos trazem satisfação ou desalento e que, por sua vez, determinam as forças que nos levam à vitória ou ao fracasso, ao crescimento ou ao estacionamento.

Diz Emmanuel em Pensamento e Vida, Cap. 10:

“Todos somos compulsoriamente envolvidos na onda mental que emitimos de nós.

Categorizamo-nos bons ou maus, conforme o uso de nossos sentimentos e pensamentos…

Quando coléricos e irritadiços, agressivos e ásperos para com os outros, criamos por atividade reflexa o desalento e a intemperança, a crueldade e a secura para nós mesmos e, quando generosos e compreensíveis, prestimosos e úteis para com aqueles que nos cercam, criamos, consequentemente, a alegria e a tranquilidade, a segurança e o bom ânimo para nós próprios.

Responde-nos a vida em todas as coisas e em todas as criaturas segundo a natureza de nosso chamamento…”

À pergunta 851, O Livro dos Espíritos, Livro 3º, Cap. X: – Há uma fatalidade nos acontecimentos da vida…? – é dada a seguinte resposta: 

“A fatalidade não existe senão para a escolha feita pelo Espírito, ao se encarnar, de sofrer esta ou aquela prova: … no tocante às provas morais e às tentações, o Espírito… é sempre senhor de ceder ou resistir.”

Diz Kardec, em comentário, após a pergunta 852: – “As ideias justas ou falsas que fazemos das coisas nos fazem vencer ou fracassar segundo o nosso caráter e a nossa posição social.”   

Diz Emmanuel em Roteiro, nº 5,

“… somos o que decidimos, possuímos o que desejamos, estamos onde preferimos e encontramos a vitória, a derrota ou a estagnação conforme imaginamos… Os acontecimentos obedecem às nossas intenções e provocações manifestas ou ocultas.

Encontramos o que merecemos, porque merecemos o que buscamos.

A existência, pois, para nós, em qualquer parte, será invariavelmente segundo pensamos.”

Diz ainda em Roteiro, nº 25, que a criatura, diante do destino e da dor, deve consagrar-se à apreciação do pensamento, da vida mental, assim como o fazemos diante do corpo, cuja investigação mobiliza verdadeiras legiões de cientistas.

Em Roteiro, nº 26, afirma: – “Em forma de impulsos e estímulos, a alma recolhe, nos pensamentos que atrai, as forças de sustentação que lhe garantem as tarefas no lugar em que se coloca… De modo imperceptível, “ingerimos pensamentos”, a cada instante, projetando, em torno de nossa individualidade, as forças que acalentamos em nós mesmos.”  

(CURTI, Rino. Mediunato. São Paulo: LAKE, 2ª ed., 1997, p. 19)

Fluidos

Carlos Toledo Rizzini

  1. Fluido é a designação genérica de líquidos e gases. Dentro do Espiritismo, porém, a palavra ganhou um sentido especial, designando vários tipos de matéria mais rarefeita do que um gás. Ensinam os Espíritos, e admitem alguns cientistas (como Ernst Haeckel), que existe um princípio elementar, uma substância primária, no Universo, de cujas modificações e transformações procedem todos os corpos que conhecemos; é a matéria cósmica ou fluido cósmico universal (FCU), de Kardec. O fluido universal apresenta dois estados extremos: um estado de eterização, no qual ele se mostra como os vários tipos de energia que conhecemos (raio X, luz, eletricidade, etc.) e um estado de condensação, no qual vem a ser a nossa matéria densa, tangível. Vimos anteriormente que matéria e energia são estados relativos da substância, podendo-se passar de uma à outra; já não é só a unidade da matéria, mas a unidade da substância. Entre os dois extremos, há numerosos estados intermediários – que correspondem aos chamados fluidos; conquanto imponderáveis e etéreos, são tidos como formas rarefeitas de matéria, com outro padrão vibratório. É justamente dessa matéria que o perispírito é composto, tendo ele a propriedade de irradiá-la à certa distância. Para nós, são inconsistentes ou inexistentes; para os videntes, são feixes luminosos que escapam do corpo; para os espíritos, são tão compactos como a madeira é para nós e, por isso, é o material que usam em suas manipulações. Os fluidos mais próximos da matéria por sua constituição formam a atmosfera espiritual da Terra, que é, deste modo, pesada e sufocante, dizem os mentores; resulta esta das emanações da mente encarnada, sempre cheia de negras preocupações e intenções nem sempre dignas.

Impondo o pensamento por meio da vontade, os espíritos atuam sobre os fluidos. Orientam-nos, modificam-nos, dão-lhes formas, cores, mudam suas propriedades químicas, etc. Operando, assim, produzem aparências, roupas, objetos, que podem exibir aos homens, muitas vezes assustando-os com produções fluídicas terrificantes dadas como alucinações; por outro lado, os espíritos superiores empregam produções do mesmo tipo para o efeito oposto. Eles criam objetos de que gostam ou desejam, mesmo inconscientemente. Um espírito, por exemplo, que se julga vivo na Terra, pode gerar um ambiente fluídico se o seu pensamento permaneceu fortemente concentrado na vida que tinha antes de morrer: ele continua “doente” em sua cama e cuidando dos seus objetos e serviços como se fossem realidades físicas e não imagens mentais materializadas por meios de fluidos. A instrutora Yvonne A. Pereira descreve um notável caso assim (Recordações da Mediunidade). Tais construções fluídicas interpenetram as construções materiais terrenas: coexistem, no mesmo local, uma bela casa de alvenaria e um mísero casebre mental, ambos igualmente sólidos para os respectivos habitantes. “A criação mental sólida” deriva, pois, da fixação no passado; o espírito, vê-se novamente, precisa renovar-se constantemente pelo estudo e prática do bem, necessita expandir-se na direção de seus semelhantes, senão cai na estagnação que acaba de ser relatada.

  1. Possui o Espírito, encarnado ou não, uma atmosfera fluídica que irradia em torno do corpo, dita aura. A transfiguração de Jesus foi uma irradiação perispirítica, com grande aumento da aura. O perispírito de uma pessoa pode emitir emanações fluídicas mais fortes e orientadas numa dada direção se ela o quiser, se aplicar sua vontade a isso. Dirigindo, com as mãos, sobre outrem seus fluidos, com a intenção de beneficiar, realiza o que se chama passe. As emanações perispirituais têm influência sobre os outros; se enviam fluidos bons, são salutares; se veiculam fluidos escuros, procedentes de mentes perturbadas e de intenções menos dignas, são perniciosas. As pessoas sensíveis sentem logo uma impressão penosa à aproximação de um espírito mal-intencionado ou desequilibrado. Os pensamentos elevados e as palavras limpas, aliados a um corpo sadio, são indispensáveis ao passista.

Os fluidos detêm apreciável poder curativo. A imposição das mãos é um método clássico de tratamento rápido. Vimos, antes, que o sábio médico Mesmer (2.6) introduziu tal método na época moderna, chamando de magnetismo animal a propriedade curativa do homem decorrente das suas emanações fluídicas aplicada a outros. Tanto o fluido do homem tem ação magnética e cura, quanto o fluido do Espírito; geralmente, porém, os espíritos espontaneamente cedem seus fluidos ao passista humano, combinando os dois tipos e reforçando a ação, que a prece intensifica mais ainda. Muitas vezes, o passe não objetiva uma cura que razões espirituais (ligadas a débitos) não permitiriam; serve, no comum dos casos, para descarregar fluidos deletérios que o sujeito absorveu ou fabricou no contato com os demais e para fortalecer disposições mentais e estruturas orgânicas menos firmes. Leiam-se André Luiz (Missionários da Luz e Nos Domínios da Mediunidade), A. e O. Worrall (O Dom de Curar, Ed. Pensamento), W. de Toledo (Passes e Curas Espirituais, Ed. Pensamento) e E. Armond (Passes e Radiações, Aliança E. Evangélica).

  1. Os fluidos humanos e animais atuam, também, sobre plantas. Busquemos entender como, a lógica do processo.

Sabemos, hoje, que os mecanismos da vida são precisamente os mesmos em todos os seres, sejam animais ou vegetais: constituição celular, princípios genéticos básicos, fatores e processos evolutivos, reprodução sexuada, síntese de proteínas e de enzimas, digestão, respiração e até o funcionamento nervoso na intimidade dos tecidos; atinge-se um nível no qual mesmo certos interferons (que são proteínas) humanos protegem células vegetais contra infecções de determinados vírus! Qualquer conjunto de células vegetais, sendo tocado exteriormente, ou seja, estimulado, recebe um pouco de energia e torna-se excitado – tal qual um tecido animal o faria. Semelhante excitação propagar-se-á para longe do ponto inicial e poderá ser detectada por meio de uma reação que o estímulo desencadeou; essa reação ou será motora (mediante órgãos móveis) ou elétrica (que ocorre em todos os tecidos e órgãos). Como as plantas, em geral, são imóveis, a verificação da excitação faz-se mediante a resposta elétrica, com um aparelho próprio e muito sensível (galvanômetro, que pode ser conectado a outros, fazendo-o inscrever sobre papel, por meio de uma agulha com tinta, a modificação que ele assinalar na intensidade elétrica).

Se examinarmos a resposta consistente no desdobramento de um pelo glandular (comuníssimo no reino vegetal), medindo os impulsos elétricos que descem ao longo dele quando tocado, veremos que o movimento do pelo decorre de súbitas alterações no potencial elétrico que atravessa as paredes celulares – alterações essas idênticas ao impulso nervoso que corre através de prolongamentos das células nervosas. O mecanismo, na intimidade, é semelhante nos dois tipos de seres vivos.

Agora, o outro lado da questão. Uma planta possui, também, um corpo fluídico. Ligada a um aparelho registrador (acima mencionado) suficientemente sensível, exibirá respostas (ou reações) a pensamentos, emoções e mesmo interações de um ser humano – e muito particularmente à morte de qualquer animal, por mais insignificante que seja (e até a células vivas isoladas, por exemplo, raspadas da face interna da boca). Vejam bem: respostas ou reações, pois ela é desprovida de sensações e de percepções por lhe faltarem os respectivos órgãos dos sentidos. Ainda assim, um vegetal mostra patente sensibilidade que é outra faculdade do corpo espiritual (ou organismo bioplasmático) – sensibilidade no sentido de capacidade de reagir a certos estímulos. O que não havia até uns 20 anos atrás era o aparelho adequado para revelá-la, mas Emmanuel, A. Luiz e A Grande Síntese (Ubaldi) já mencionavam tal propriedade, sem falar no cientista J. C. Bose, entre nós pouco conhecido. Cf. no jornal Desobsessão, RS, 388: 6 de dezembro de 1980, um extenso estudo sobre a questão aqui analisada, caso queira ampliar os horizontes intelectuais.

O que um homem e um animal enviam a uma planta são fluidos (matéria sutil emanada dos respectivos perispíritos). Estados mentais e emocionais mais intensos (uma crise de ódio, raiva, um sentimento mais afetuoso, um prazer forte, a morte violenta, etc.) fazem escapar cargas fluídicas mais energéticas ou mais densas ou mais leves, escuras, etc. Suponha um indivíduo que queira queimar uma folha ou que pretenda matar alguns peixes; tal disparará certa qualidade vibratória de fluidos, diferente das suas emissões habituais. O vegetal reage a tais fluxos fluídicos quando é atingido por eles; o seu psicossoma é primitivo, mas não inerte. É que o aparelho registra: a reação pela diferença de potencial elétrico; a planta não quedou indiferente – mas também não “viu” nem “sentiu” dor pelo que houve… A conclusão é que em a natureza tudo se encadeia, conforme afiança repetidas vezes O Livro dos Espíritos e que existe nela uma forma primária de comunicação instantânea entre todos os seres vivos.                   

André Luiz refere-se (Nosso Lar e Ação e Reação) a fluidos vegetais retirados de certas árvores por atendentes espirituais e aplicados em doentes como remédios eficazes, o que significa que podemos sentir-lhes os efeitos. Certas pessoas, dotadas de almas elevadas e poderes psíquicos igualmente avançados, denotam a capacidade de modificar o comportamento de suas plantas cultivadas tão só expressando os seus desejos de que cresçam melhor. Temos notícias de que Edgar Cayce conseguia isso no seu jardim, do qual gostava de cuidar pessoalmente. A eminente médium-vidente e curadora da igreja de Monte Washington (Estados Unidos), Olga Worrall, certa feita, querendo levar algumas cristas-de-galo imaturas a uma exposição de flores, pediu-lhes gentilmente que crescessem mais uns 2 cm até o dia seguinte. Ora, para espanto do esposo, ao nascer o novo dia as inflorescências estavam 25 mm maiores ela obteve o primeiro lugar… O pastor (também químico) Franklin Loehr, em numerosos testes usando grande número de seus audientes, empreendeu experiências sobre a ação da prece na aceleração da germinação de sementes, conseguindo 20% de ampliação do fenômeno. Eis o que comenta o ilustrado escritor Hermínio C. Miranda (Anuário Allan Kardec, 1970, pág. 15):

“Para nós, espíritas, as notáveis experiências do Dr. Loehr têm o significado de uma confirmação. A planta é um ser vivo que responde ao amor e às vibrações simpáticas emanadas de um espírito bem intencionado.”

Ainda pode praticar-se, com sucesso, a oração negativa, desejando que nada cresça.

Não deixa de ser importante transportar para aqui alguns dos vários resultados experimentais registrados na literatura e aceitos como cientificamente válidos. Eles demonstram que os fluidos humanos podem agir, deveras, sobre animais e plantas. Vejamos um exemplo típico de cada, configurando aquilo que a Parapsicologia, sob outro aspecto, chama de psicocinese, ou ação da mente sobre a matéria.

O Coronel Oskar Estebany, antigo oficial do exército húngaro, aos poucos desenvolveu a capacidade de curar pela imposição das mãos; começando com cavalos, foi ampliando o campo de ação para incluir outros animais e até o ser humano. Tornou-se conhecido graças à faculdade citada. Reformado, mudou-se para o Canadá. Acreditava veementemente em seus poderes e aceitou o convite para participar de experiências científicas, feito pelo Dr. Bernard Grad, bioquímico do Allan Memorial Institute of McGill University. O Dr. Grad queria comprovar, mediante testes seguros, em laboratório, se era possível influenciar seres vivos, sem contato.

Em 1960, tiveram início os experimentos com camundongos. Destes, pequeno retalho de pele era retirado do dorso. Foram, depois, distribuídos em três grupos: 1) animais sobre cuja gaiola o Coronel Estebany simplesmente colocava a mão espalmada por cima, do lado de fora; 2) animais tratados da mesma maneira por uma pessoa sem dotes curativos; 3) animais que não receberam nenhuma imposição de mão. Isso durante alguns dias apenas. Em duas séries de tais ensaios, evidenciou-se que os camundongos tratados pelo oficial curaram-se significativamente mais depressa.

Daí por diante, B. Grad passou a investigar o processo germinativo. Em numerosos testes, sementes de centeio embebidas em água cujas garrafas o Coronel segurara entre as mãos foram comparadas com outras tantas embebidas em água não tratada. As pessoas que realizaram as contagens e medições das plântulas ignoravam quais delas tinham recebido a água influenciada por O. Estebany. Os achados confirmaram as experiências mencionadas anteriormente: houve crescimento significativamente mais rápido das plantinhas germinadas na água fluidificada pelo referido curador militar (1965).

Muitos outros experimentos científicos foram levados a cabo com o mesmo, inclusive para acelerar reações químicas e aumentar a hemoglobina no sangue. Na França, um biólogo queria o contrário, retardar o crescimento de certo fungo cultivado no seu laboratório; três indivíduos deram conta do recado, cada um por sua conta (acima mencionei a oração negativa para vegetais). Na Islândia, o já citado Erlendur Haraldsson verificou que sensitivos podem apressar a multiplicação da levedura em tubo de ensaio…  

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 76-82)

Religião e cultos afro-brasileiros

Carlos Toledo Rizzini

  1. Aprendemos que o Espiritismo, como maneira de compreender a Vida, o Espírito, Deus, etc., é uma religião interior. Esse sentimento leva à submissão ao Poder Supremo extraterreno: Deus e seus delegados. Assim define Emmanuel (Roteiro): 

“A religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador.”

A fé é a confiança nesse poder; a prece é uma declaração de confiança e submissão consciente, pelo que estabelece contato entre criatura e Criador, discípulo e Mestre, donde gera um estado de receptividade ao auxílio do Alto.

O Espiritismo não pode ser institucionalizado sob a forma de religião convencional. O seu templo é interno, seu ensino é racional e analisável, seus ritos são a prática do bem e a conduta correta. Por isso, esclarece e alimenta qualquer religião formal que o queira adotar e amplia a compreensão de qualquer crente. Não prega moral autoritária – manda conduzir-se de acordo com os princípios do Evangelho.

  1. No Brasil há vários cultos populares, cuja evolução espontânea partiu das práticas mediúnicas primitivas, que os escravizados negros trouxeram da pátria africana. Particularmente importante, por sua difusão, é a chamada Umbanda, muito conhecida no Rio de Janeiro. Como vimos, a mediunidade, ou antes, mediunismo: em sua forma natural, segundo distinção de Emmanuel, existe por toda a parte desde o princípio dos tempos. Nossos irmãos escravizados praticavam-no pura e simplesmente, na sua pátria. Trazidos para cá, foram forçados a enquadrar seus rituais nos moldes impostos pelos senhores brancos, que tinham uma religião rica de imagens e ritos.

Não é difícil compreender a mistura das duas atividades ao longo do tempo – isto é, o sincretismo religioso: o negro absorveu a parte ajustável ao mediunismo e foi anexando, aos seus rituais, imagens e costumes tomados aos brancos, já que estes pretendiam substituir o mediunismo pelo catolicismo. Ora, esse trabalho de assimilação e fusão data já alguns séculos, sendo, portanto, um desenvolvimento espontâneo. Por isso, às práticas mediúnicas evidentes aliam-se altares e estatuetas de santos, cujos nomes civilizados foram trocados por nomes africanos. Não existe ali, como é natural, uma doutrina elaborada: há comunicação com vários tipos de entidades espirituais do nosso plano evolutivo, a maioria das quais deseja o bem, assim como os praticantes humanos; mas existem, também, nos dois planos, os trabalhadores do mal. Porém, em todos os casos, o caráter manifesto das crenças, manifestações e trabalhos é a materialidade, razão de tanto apelo a “despachos” contendo objetos pouco estimáveis. É claro que não cabe a crítica – e sim, a compreensão: aí, como em tudo o mais, a questão crucial é o nível evolutivo dos espíritos e pessoas. É lógico que um espírito superior nem bebe, nem fuma etc. O que Deus permite não deve ser objeto de crítica da criatura e terá uma razão de ser; procurem-na…

O Espiritismo nada tem a ver com os cultos afro-brasileiros. Mas veio reforçá-los e justificá-los em virtude da mediunidade. Essa relação fenomênica fez com que o nome “espiritismo” passasse a ser usado nos terreiros, sem que a doutrina influísse na melhoria do ambiente, e a confusão é a tal ponto completa que é impossível sequer tentar desfazê-la mediante explicações e argumentos racionais.

Tudo é “espiritismo” e está acabado! Em 1941, houve no Rio de Janeiro um “Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda”, expressão que se vulgarizou bastante.    

Estudamos antes a origem do Espiritismo: é a doutrina científica de consequências morais e religiosas que os Espíritos Superiores ensinam e Allan Kardec organizou metodologicamente.

A própria palavra Espiritismo foi cunhada por ele, o Codificador. Tem pouco mais de um século sua existência e surgiu em Paris. Não possui nenhuma prática ligada a objetos materiais. Seus trabalhos são todos realizados pela força do sentimento e do pensamento; não propicia espíritos com solenidades, cantos e dádivas, pois objetiva a melhoria deles e dos homens.

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 65-67)

Origem do Espiritismo: As 3 revelações: caracteres e definições

Carlos Toledo Rizzini

  1. O Evangelho e o Espiritismo não são códigos de orientação da vida humana que tenham surgido abrupta ou isoladamente na face do Planeta. O segundo foi antecedido pelo primeiro e ambos tiveram, como precursores conspícuos, as instruções de Moisés e de Sócrates.

Moisés preparou o povo judeu para receber, 15 séculos depois dele, o Cristianismo. Tal povo estava escravizado no Egito, sob condições de vida as mais penosas. Moisés, um judeu criado na corte egípcia como príncipe, certo dia, movido por incoercível força interior, rompe com seus pares e empreende longa e árdua luta para libertar seu povo do jugo egípcio. Consegue-o, após peripécias sem conta, e encaminha-se, à frente dele, deserto adentro. Perambula nas areias ardente durante 40 anos, período em que os mais velhos vão morrendo; ele próprio falece quando os judeus alcançaram certa região, na qual estabeleceriam a chamada “Terra Prometida”, que o guia do povo não chegou a ver.

Durante a permanência no deserto, Moisés sobe ao Monte Sinai e aí processa-se a primeira revelação: por via mediúnica, ele recebe o Decálogo – um dos primeiros códigos morais da Humanidade e que representa um conciso resumo dos artigos essenciais da Lei de Deus. Lê-se, em Êxodo 31:18 e 32:16, que Moisés desceu do monte trazendo duas lajes “escritas pelo dedo de Deus” e contendo os mandamentos da Lei (Ex, 24:12). O nosso Chico Xavier declarou, em entrevista, que o querido Emmanuel fazia observar que o primeiro livro recebido pela Humanidade, “um livro de pedra”, procedeu do mundo espiritual… foi psicografado. Completa o vigoroso missionário, enunciado numerosas leis suas de natureza sanitária, penal, religiosa e social. Era severo o legislador humano; a pena de talião não foi objeto de economia. Nessas ordenações, Moisés proibiu a consulta aos mortos para coibir os abusos já então cometidos. Tal proibição foi várias vezes repetida: Êxodo 22:18; Deuteronômio 18:10-11; Levítico 19:31; finalmente, em Levítico 20:6 e 27, condena à morte pelo apedrejamento os infratores. Todavia, Moisés deixa escapar que não se tratava de um engodo, mas de uma realidade, ao declarar não admitir haja alguém que “indague dos mortos a verdade” (Deuteronômio 18:11) – a comunicabilidade dos espíritos já era reconhecida, há 35 séculos, como verdadeira.

  1. O Decálogo consta dos chamados Dez Mandamentos, cuja redação e ordenação são um tanto variáveis porque na Bíblia estão expostos algo extensamente, levando os interessados a resumi-los segundo suas ideias e fins. Eis a relação exata tirada da tradução do Padre Antônio P. de Figueiredo (1896), conforme estão em Êxodo 20 e Deuteronômio 5.          

1) Não terás deuses estrangeiros (i.e., outros deuses).

2) Não farás nem adorarás imagens e ídolos.

3) Não tomarás em vão o nome de Deus.

4) Não trabalharás no sábado, bem como teu servo e animal.

5) Honrarás a teu pai e mãe.

6) Não matarás.

7) Não fornicarás (cometerás adultério).

8) Não furtarás.

9) Não prestarás falso testemunho contra o próximo.

10) Não cobiçarás a mulher nem qualquer coisa do próximo.

Tais preceitos conduzem ao amor de Deus e dos semelhantes. Segue-se que Moisés e sua lei impuseram e fixaram, definitivamente, o monoteísmo, a crença num Deus único e, ao demais, imaterial, noção que o povo custou a absorver, mas que se manteve para sempre. Depois de Moisés, de vez em quando um profeta vinha relembrar, reforçar ou ampliar “a palavra de Deus”; assim consideravam esses médiuns o que traziam do Alto para manter a fidelidade dos judeus segura.

  1. Foi assim preparado o caminho para a revelação muito maior do Evangelho – a segunda revelação. Há 2.000 anos, o povo judeu apresentava-se aparentemente muito religioso, observando os preceitos da lei de Moisés e os ensinos dos profetas com extremo rigor. A verdade, porém, era bem outra: tratava-se no conjunto, de um povo orgulhoso e endurecido, dado à hipocrisia. A par disso, a inteligência, a capacidade de entender as coisas e manobrar o mundo externo, estava bastante desenvolvida.

Em tal meio desceu Jesus, o Cristo, o Espírito puro que governa a evolução da Terra. Leem-se nos evangelhos as pesadas lutas que foi forçado a sustentar a fim de conseguir desempenhar sua tarefa: ensinar novos conceitos ao atrasado ser humano da época, revelar-lhe quem é Deus e o que devem ser os homens uns para os outros, demonstrar praticamente os poderes do Espírito, etc. Não derruba a lei de Moisés, antes completa-a e modifica-a. Este impõe-se pela força; Jesus aconselha com amor. Pela primeira vez chega ao ser humano a noção de paternidade, misericórdia e providência divinas; manda o Mestre amar a Deus e ao próximo como meio de libertação e evolução espirituais. Fala, portanto, uma linguagem radicalmente distinta daquela que Moisés empregou para os seus bárbaros patrícios.

  1. A seguinte tabela permite comparar os principais ensinamentos de Moisés e de Jesus, havendo cerca de 1.500 anos de intervalo, no longo processo de desenvolvimento espiritual da Humanidade. 

Não devemos, apreciando estas divergências tão marcantes, esquecer a época e a circunstância nas quais atuou Moisés, para evitar pronunciamentos injustos. Se a grandeza espiritual de Jesus é incomparavelmente maior – a época e a circunstância exigiam a força e a firmeza de Moisés. Ele desempenhou a sua tarefa e o seu nome é imperecível.

MOISÉS

CRISTO

1. Deus antropomórfico: um homem em ponto grande.

2. Deus como ditador ciumento e vingativo, zeloso.

3. Judeus: povo “eleito”; os outros, gentios.

4. Ensina a temer a Deus.

5. Só cuida da vida terrena.

6. Impõe fé cega. Castiga.

7. Usa a pena de talião.

8. Autoridade absoluta.

9. Proíbe a comunicação com os espíritos, que pune com a morte.

10. Determina guerras de conquista que continuam ainda.

1. Deus é a perfeição suprema.

2. Deus como Pai misericordioso.

3. Todos são irmãos.

4. Ensina a amar a Deus.

5. Trata da vida espiritual.

6. Prescreve a fé racional. Não castiga.

7. Misericórdia, fraternidade.

8. Autoridade racional.

9. Fala com os espíritos e manifesta-se como tal.

10. Nada pedir de volta ao próximo. 

Tudo o que quiserdes que vos façam… 

  1. Durante longos séculos o Cristianismo foi trabalhado pelos homens. Já na época dos apóstolos começou a ser perseguido pelas autoridades romanas, as quais, de 64 a 325, pouco descanso concederam aos seguidores de Jesus, que então formavam a seita dita “Caminho” (gr. ὁδός, hodós). Pode-se afirmar que a doutrina de amor pregada pelo Cristo foi instaurada na Terra à custa do suor e do sangue, generosa e pacificamente vestidos em face de terríveis algozes latinos. Durante dois séculos e meio, os primitivos cristãos viveram em função do momento de testemunhar sua adesão ao Cristianismo.

Em hordas tranquilas, deixavam-se matar… e, assim, com o sacrifício de muitos, implantou-se o Evangelho. Nesse período, em que o martírio era o fim previsível de um cristão, vários escritores ilustres empreendem a defesa e a análise dos ensinamentos cristãos. Dos mais afamados foi Orígenes – “distinto sábio” e “o maior luzeiro do século III” (Monsenhor Cauly) – que escreveu o célebre Livro dos Princípios, no qual declara Jesus criado por Deus, o Espírito preexistente do corpo e as penas infernais passíveis de atenuação. Vê-se, por aí, o quanto ele era lúcido e bem informado, numa época tão recuada, quando hoje muitos pretendem o contrário seja a verdade. Orígenes morreu em 254, após dois anos de tormentos num calabouço.

  1. Em 313, o Imperador Constantino lançou o Édito de Milão, proclamando a liberdade de consciência no Império Romano. Cessaram de vez as perseguições, nos anos subsequentes. Os homens tomaram o Cristianismo e transformaram-no numa religião formal, que o Estado adotou. Por séculos e séculos houve grandes lutas intestinas (heresias e cismas), pois, durante a Idade Média, o homem caracterizou-se por espessa ignorância. Ao alvorecer a época moderna, surge a Ciência e a ignorância começa a desfazer-se. As condições de vida entram também a melhorar.
  1. Em plena Era Científica desponta a terceira revelação, que recebeu o nome de Espiritismo, dado pelo seu codificador, Allan Kardec, que o lança em 1857, em O Livro dos Espíritos. Já não se trata de um ensino pessoal, como os dois anteriores. É uma revelação científica, porque se baseia na experimentação para demonstrar a realidade espiritual e coletiva, porquanto reúne ensinamentos de fontes variadas. Instrutores do Mundo Espiritual vieram em massa comunicar tais ensinamentos por meio de pessoas dotadas da faculdade dita mediunidade. Kardec foi, sobretudo, o organizador, selecionador e analista do amplo material de evidências e dados que ele próprio obteve e que outros lhe entregaram. Nada criou – transmitiu, o que, aliás, Jesus afirmou ter feito em relação a Deus. Tinha uma visão muito nítida das coisas e grande habilidade para lidar com assuntos espirituais, cuja essência logo apreendia.

Pode-se afirmar que o Espiritismo é o Cristianismo ajustado à mentalidade moderna. Tem ele a missão de pôr à disposição do homem atual uma demonstração da base e uma explicação da doutrina do Evangelho. Nele, Deus é o Pai, Jesus é o Mestre e os homens são irmãos: o homem é um espírito encarnado num mundo material, objetivando a evolução para níveis mais altos, até Deus. 

Apresenta-se o Espiritismo como uma fé racional, isto é, dotada de conteúdo intelectual: deseja exame daquilo que ensina e não tem interesse na fé sem discernimento. Sua autoridade é racional e impõe-se espontaneamente, pelo valor que possui, em infundir nos adeptos a necessidade de renovar-se interiormente.

  1. Muitos são os caminhos para a transformação do espírito.  Contudo, dentro de cada um deles estão os princípios evangélicos ou o caminho não conduzirá a Deus. O Espiritismo é apenas a via adequada ao homem culto de hoje, quando nele eclodiu o desejo de progredir além do plano terreno grosseiro.

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 19-24)