Destino

Rino Curti

A noção básica do Espiritismo, como já o dissemos em Espiritismo e Evolução, é a de que o Espírito evolui através das reencarnações, evolução que, na fase humana, lhe é entregue ao livre-arbítrio, passando a constituir-se em sua responsabilidade.

Kardec estuda em O Livro dos Espíritos, Cap. IX, do Livro 3º, sob o título “Lei de Igualdade”, esta questão.

Em primeiro lugar, estabelece uma noção de responsabilidade relativa ao grau de desenvolvimento de cada um: somos o resultado de nossas idealizações. A ideação, em cada um, é fruto de seu estágio evolutivo, de sua compreensão, suas concepções, seus sentimentos, desejos, do seu nível de aprendizado. Cada um se move dentro das dimensões que lhe são próprias. Pelas ideias que cultivamos, criamos os motivos que nos alegram ou entristecem, que nos animam ou deprimem, que nos trazem satisfação ou desalento e que, por sua vez, determinam as forças que nos levam à vitória ou ao fracasso, ao crescimento ou ao estacionamento.

Diz Emmanuel em Pensamento e Vida, Cap. 10:

“Todos somos compulsoriamente envolvidos na onda mental que emitimos de nós.

Categorizamo-nos bons ou maus, conforme o uso de nossos sentimentos e pensamentos…

Quando coléricos e irritadiços, agressivos e ásperos para com os outros, criamos por atividade reflexa o desalento e a intemperança, a crueldade e a secura para nós mesmos e, quando generosos e compreensíveis, prestimosos e úteis para com aqueles que nos cercam, criamos, consequentemente, a alegria e a tranquilidade, a segurança e o bom ânimo para nós próprios.

Responde-nos a vida em todas as coisas e em todas as criaturas segundo a natureza de nosso chamamento…”

À pergunta 851, O Livro dos Espíritos, Livro 3º, Cap. X: – Há uma fatalidade nos acontecimentos da vida…? – é dada a seguinte resposta: 

“A fatalidade não existe senão para a escolha feita pelo Espírito, ao se encarnar, de sofrer esta ou aquela prova: … no tocante às provas morais e às tentações, o Espírito… é sempre senhor de ceder ou resistir.”

Diz Kardec, em comentário, após a pergunta 852: – “As ideias justas ou falsas que fazemos das coisas nos fazem vencer ou fracassar segundo o nosso caráter e a nossa posição social.”   

Diz Emmanuel em Roteiro, nº 5,

“… somos o que decidimos, possuímos o que desejamos, estamos onde preferimos e encontramos a vitória, a derrota ou a estagnação conforme imaginamos… Os acontecimentos obedecem às nossas intenções e provocações manifestas ou ocultas.

Encontramos o que merecemos, porque merecemos o que buscamos.

A existência, pois, para nós, em qualquer parte, será invariavelmente segundo pensamos.”

Diz ainda em Roteiro, nº 25, que a criatura, diante do destino e da dor, deve consagrar-se à apreciação do pensamento, da vida mental, assim como o fazemos diante do corpo, cuja investigação mobiliza verdadeiras legiões de cientistas.

Em Roteiro, nº 26, afirma: – “Em forma de impulsos e estímulos, a alma recolhe, nos pensamentos que atrai, as forças de sustentação que lhe garantem as tarefas no lugar em que se coloca… De modo imperceptível, “ingerimos pensamentos”, a cada instante, projetando, em torno de nossa individualidade, as forças que acalentamos em nós mesmos.”  

(CURTI, Rino. Mediunato. São Paulo: LAKE, 2ª ed., 1997, p. 19)

Corpo e Perispírito

Carlos Toledo Rizzini

  1. O corpo é o instrumento que o Espírito usa para atuar nos mundos materiais. Precisa, portanto, atender às necessidades dele, aos objetivos que ele traz ao encarnar. O corpo é considerado um produto ideoplástico do espírito; logo após a fecundação, o espírito reencarnante une-se, por um cordão fluídico, ao ovo e, por meio dele, influencia automaticamente a formação do embrião e do feto; por isso, o estado de perturbação ou embotamento da consciência não impede que o espírito imprima suas características básicas em o novo ser. Consequentemente, o organismo reflete o estado daquele. As doenças físicas, em suma, não passam de distúrbios do perispírito (veja abaixo) transpostos para a carne, que promove o tratamento das imperfeições do espírito em si. Daí deriva a importante função das moléstias na vida do Espírito eterno, assunto estudado posteriormente.

Merece, em vista disso, o corpo material o nosso cuidado. Ele é uma concessão da Bondade Divina, em vista de dificilmente o nosso comportamento torná-lo um direito, por méritos adquiridos. Assim, recebemo-lo ajustado às nossas necessidades evolutivas, porquanto, os mentores da Esfera Superior produzem nele (atuando sobre os cromossomas do ovo) as alterações indicadas para nossa futura melhoria: aqui, uma lesão numa válvula do coração, ali um diabete, acolá um intestino preso ou uma perna curta, etc. De sorte que, além das inferioridades que cada um impõe ao seu corpo por pertencerem ao espírito, pode haver defeitos impostos por necessidades expiatórias.

  1. Nos mundos espirituais, o espírito usa, como veículo de manifestação, um corpo especial que, no Espiritismo, chama-se perispírito (também dito: corpo astral ou fluídico). No encarnado, ele funciona como intermediário entre o espírito e o organismo, governando a formação e o funcionamento deste – conforme apreciamos acima e, em parte, no nº 6, onde vimos, também, as provas materiais de sua existência; apreciamos, por exemplo, que nas culturas de tecido (um fragmento de músculo ou de raiz) as células dividem-se sem parar, mantendo-se a vida vegetativa devido ao princípio vital, mas sem orientação por faltar o diretor do crescimento – o perispírito; na regeneração dos animais inferiores, ao contrário, persiste o órgão perispiritual no local amputado e, por isso, a vida orgânica refaz-se. No corpo humano, processa-se a renovação constante da matéria admitida no metabolismo, sem que a individualidade sofra alteração; é ele quem mantém a unidade das formas e das funções. Provas espirituais de sua realidade são: o desdobramento, pelo qual o indivíduo percebe a si mesmo afastado do corpo, que se acha entorpecido, e pode se manifestar à distância (sob o nome de bicorporeidade ou bilocação); e as aparições, de variada natureza: o que foi visto pelo inglês Sir Arthur Grimble (funcionário do governo britânico, serviu alguns anos nas ilhas Gilbert e Ellice, situadas em ponto remoto do oceano Pacífico. Cf. Seleções II-1953)? O corpo fluídico do nativo morto há pouco. Quando o espírito desliga-se do corpo e o perispírito torna-se visível, costuma receber o nome de duplo ou duplo fluídico; nesse estado, pode conversar, escrever e realizar trabalhos vários (há uma mediunidade de desdobramento).

O perispírito é constituído de matéria, porém, caracterizada por outro estado vibratório. Varia de mundo para mundo. É indestrutível, mas poderá ser lesado e mesmo mutilado, com amplas perdas de substância, em face da persistência na prática do mal; em certos casos, chega a assumir formas animalescas (serpente, lobo e gr.) – pois é fato notório ser ele sensível (e reagir) ao estado moral do espírito. Se cometermos suicídio com um tiro no peito, o perispírito ficará ferido e ensanguentado por longo tempo; se tomarmos um cáustico, terá uma lesão na faringe; se nos apossarmos do alheio, as mãos ficarão como garras; e assim por diante. Purifica-se e torna-se etéreo conforme o espírito vai progredindo em moralidade.

Pensamentos e sentimentos reagem constantemente sobre o corpo fluídico, tornando-o mais denso e sombrio se forem maléficos ou mais leve e luminoso se forem benéficos. Ele emite radiações que variam de natureza e intensidade conforme o estado mental do seu portador; tais emissões são formadas de fluidos. Em síntese, é um verdadeiro arquivo de tudo quanto o sujeito aprendeu, experimentou e assimilou: recordações, conhecimentos acumulados, vidas passadas, etc., têm nele seu registro. É o agente de todas as manifestações da vida – tanto na terrena, para o homem, quanto na espiritual, para o espírito. Os chamados “concomitantes orgânicos” das emoções, como ansiedade, ódio e medo, são sintomas físicos de desarranjos funcionais provenientes de estados de espírito que atingem o corpo através do perispírito; uma pessoa ansiosa pode precisar ir ao banheiro frequentemente, comer demais, etc. Sua matéria deixa-se modelar pela força do pensamento e, assim, os espíritos podem mudar a aparência se o quiserem, sem alterar, é claro, a natureza íntima, pois ninguém consegue negar sua posição evolutiva.

Por outras palavras: é o agente da evolução orgânica e espiritual.

Já há uns 50 anos, a existência de um corpo fluídico nos seres vivos recebeu inesperada confirmação da ciência materialista. O técnico em eletricidade Semyon Kirlian, coadjuvado por sua esposa Valentina, na Rússia, construiu uma câmara elétrica de alta frequência na qual se podem obter fotografias coloridas, de grande beleza, de uma parte imaterial nos animais e plantas. Nesse longo lapso de tempo, físicos e biólogos estudaram profundamente o fenômeno Kirlian que, bem mais tarde, vulgarizou-se no Ocidente. Grande número de curiosos criaram suas próprias máquinas para tirar tais fotos que se caracterizam por uma halo luminoso magnífico, composto de miríades de cintilações de variada nuança. Ora, mesmo uma moeda inerte gera um (fraco) halo luminoso em torno de si. Daí, partiu-se para a identificação do fenômeno kirliano com o bem conhecido efeito corona – que é um halo luminoso azulado que se forma em torno dos condutores elétricos expostos ao ar, preocupante para as companhias de eletricidade porque representa certa perda de energia ao longo dos cabos de alta tensão durante o trajeto, que chega a medir centenas de quilômetros.

Entre as fotos de tecidos vivos e as fotos de objetos inanimados há uma diferença acentuada, como acaba de assinalar-se: naquelas, a luz é tremeluzente, mais extensa e de cores diversas; nestas, ela é estreita, uniforme e imóvel. Mais ainda, a vida introduz variações apreciáveis na irradiação; esta diverge conforme o estado de sanidade dos tecidos e até o estado emocional da pessoa. Pensou-se que a diferença relativa a vivo e inerte, bem como as variações de cintilação no primeiro caso, fossem devidas a distintos teores de água nos tecidos orgânicos, mas a ideia não teve curso.

Os próprios físicos russos deram àquela parte revelada pelas fotos kirlianas a designação de corpo de energia, corpo energético ou corpo bioplasmático, que teve mais difusão. Tal energia, afirmam os cientistas, é de natureza desconhecida. Mas, sensata e honestamente, proclamaram: “O homem não é uma simples máquina”, contra as concepções básicas do seu governo, a respeito da vida e do mundo. Aí está o nosso antigo e modesto perispírito…

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 72-76)   

A Ciência

Carlos Toledo Rizzini

1.São numerosos os que não compreendem as relações de origem existentes entre Ciência e Espiritismo. Disso decorre o desagrado que manifestam em face da atitude negativista de muitos cientistas e diante de certas doutrinas científicas, como a Psicanálise.

No entanto, é injustificável a crítica ao trabalho científico e ao direito de descrer dos cientistas. O Espiritismo é o produto do clima de liberdade intelectual que a Ciência instaurou e que promanou do método experimental, que ela desenvolveu desde o século XVII, com Galileu. “Por isso é que a revelação tomou um caráter científico”, esclarece Leon Denis. Não fossem as circunstâncias da atividade científica e não teríamos a Doutrina Espírita; o tipo mesmo de verdade que o Espiritismo reconhece e difunde é a verdade científica: parcial e progressiva, de aquisição gradativa.

Gebriel Delanne e Gustave Geley afirmaram que o Espiritismo concorda perfeitamente com o método e o conteúdo da Ciência. O presente autor, pesquisador profissional, pode reafirmar isso em 1973. É fundamental observar que Allan Kardec foi o primeiro a acentuar a importância dessa concordância. Ele insistiu muito nas relações entre as duas atividades mentais. Dizia que Ciência e Espiritismo se completam e necessitam um do outro… “O Espiritismo e a Ciência completam-se reciprocamente” e asseverou: “a Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana”; a doutrina dos Espíritos “admite todas as conclusões racionais da Ciência” e repudiar a Ciência é “renegar a obra de Deus”. Um século depois, Ralph Waldo Emerson diria a seus colegas protestantes exatamente a mesma coisa – “porque Deus é a verdade”; e Emmanuel (Roteiro) esclareceria: “os laboratórios são templos em que a inteligência é conectada ao serviço de Deus…”; e André Luiz afirmaria: “O laborioso esforço da Ciência é tão sagrado quanto o heroísmo da fé” (Nos Domínios da Mediunidade). Bem, assim foram postas as coisas.

Kardec mesmo delimitava os dois campos de atividade: a Ciência investiga os objetos e fenômenos da matéria e o Espiritismo, os seres e fenômenos espirituais; por isso, isolados, são incompletos. Semelhante concepção era lógica porque Kardec declarou (Revista Espírita, Julho, 1864, pág. 202, e Novembro, 1868, pág. 351 a 360) que as leis naturais, científicas, fazem parte da Lei de Deus – “as leis morais e as leis da Ciência são leis divinas”. E ao realizar semelhante fusão, preenchendo a velha lacuna entre razão e fé, entre Ciência e Religião, deu ao Espiritismo o cunho de verdadeira síntese do conhecimento, conforme reconheceu Herculano Pires.

  1. Examinemos um pouco mais detidamente as relações da doutrina com a Biologia, a Física e a Psicologia, no âmbito da pesquisa científica.

Para Gustave Geley, o Espiritismo integra-se à perfeição na História Natural. Já fizemos notar que o conhecimento da evolução orgânica iniciou-se junto com o Espiritismo e que, baseado nela, Delanne estuda a evolução espiritual. A teoria da evolução é o mais importante elo entre Ciência e Religião ou Biologia e Espiritismo.

Essa teoria informa-nos de que seres vivos e objetos mudam ou podem mudar conforme o tempo passa. Nada é imutável, fixo ou perfeito neste mundo, antes tudo caminha para crescente aperfeiçoamento – logo, para Deus, que é a perfeição. Assim como para a ciência, a espécie é uma fase do curso da evolução espiritual. Quando o meio se modifica, diz a Ciência, os seres vivos ou evoluem ou desaparecem; e a vida só pode manter-se com o auxílio do meio onde transcorre; portanto, o ajustamento (adaptação) é indispensável e isto significa mudar. Como é evidente que o mundo onde o ser humano vive tem mudado muitíssimo, a mente do homem não poderia escapar à lei universal e, pois, modifica-se constantemente. A renovação regular é uma necessidade imperiosa para manter o poder criador do Espírito. Pretender permanecer escravizado a velhas fórmulas ou a posições superadas pode ser compreensível como hábito espiritual, mas inevitavelmente acarreta estagnação, atraso, atrofia ou endurecimento.

Que o perispírito desempenha papel primordial em toda a Biologia, se demonstra, em primeiro lugar, pela necessidade de um órgão capaz de registrar as experiências vividas e assimiladas e de arquivar os progressos realizados pelos seres vivos no curso da evolução orgânica; é ele que, de uma vida para outra, conserva as aquisições e transfere-as para os novos corpos físicos, razão por que dois animais criados juntos podem diferir sensivelmente. Em segundo lugar, pela histólise e histogênese na metamorfose dos insetos; a larva não raro se reduz a um maciço celular na pupa e tais células deverão, a pouco e pouco, organizar um inseto adulto completamente diverso de sua larva; é o perispírito que orientará a modelagem da forma adulta, dirigindo a diferenciação celular. Em terceiro lugar, ele ajuda a refazer patas e caudas nos animais inferiores capazes de regeneração dessas partes quando elas são decepadas (auto e heterotomia). Por fim, a cultura de tecidos animais e vegetais, em laboratório, mostra a falta do órgão controlador das dimensões e orientador da diferenciação porque as células in vitro multiplicam-se indefinidamente e muitas vezes permanecem com caracteres embrionários; não só o perispírito põe limites ao crescimento (e à divisão celular) como conduz à diversificação estrutural (e ao amadurecimento celular). A Biologia do futuro próximo enriquecer-se-á com mais esse fator.

  1. No campo da Física, convém lembrar que Kardec ensinava ser a solidez da matéria apenas um estado transitório do fluido universal, o qual “pode voltar ao estado primitivo”. Temos aí os fundamentos da teoria da unidade da substância, que a Física moderna demonstrou. Matéria e energia são duas condições conversíveis uma na outra. Matéria é energia contida, em movimento circular; energia é matéria em movimento livre. É o movimento fechado, muito rápido, das partículas que mantêm a tangibilidade e a impenetrabilidade da matéria; pela radioatividade, ou seja, desintegração espontânea de certas formas dela, a matéria volta a ser energia, o que o homem já pode fazer artificialmente de modo limitado.
  1. A Psicologia, que investiga a mente ou o conjunto de funções imateriais do cérebro, mantém relações íntimas com o Espiritismo. Kardec colocou como subtítulo da sua Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos, unindo as duas disciplinas científicas. A diferença principal é que o segundo encara o ser humano como um espírito imortal encarnado e sua mente como produto de experiências e conhecimentos adquiridos no passado – logo, sujeita à evolução segundo leis bem definidas. A primeira, ao contrário, dá a mente humana como derivada sobretudo das experiências vividas na infância atual, o que a nós parece muito pouco para explicar um acervo tão grande ali arquivado. Mas, isto é questão de orientação teórica e gosto pessoal… até que a evidência vital force o sujeito na direção certa.

Detêm hoje magna importância as escolas psicanalíticas que põem toda ênfase no conhecimento das forças inconscientes (impulsos), as quais comandariam a atividade consciente e o comportamento das pessoas. Na verdade, Espiritismo e Psicanálise tiveram estreitas relações em seus primórdios. No fim do século XIX, enquanto o Espiritismo crescia, impunha-se a ideia de inconsciente – do qual Delanne fala bastante em suas obras e mesmo Denis. Chega a afirmar aquele: “a vida intelectual inconsciente constitui a base do nosso espírito” e que o estudo do Espírito tem de ser levado a cabo sob dois aspectos: 1) o da parte inconsciente, “o almoxarifado espiritual”; 2) o da parte pensante e sensível. Declara ele que as recordações de vidas anteriores constituem o próprio fundamento da individualidade, como material inconsciente. A Psicanálise surgiu justamente para elucidar seus processos e conteúdos; pondo de lado os imensos exageros que Freud e seguidores introduziram, ela contribuiu apreciavelmente ao conhecimento do espírito encarnado. E é justo recordar que Freud estudou em Paris com Charcot, aprendendo as práticas hipnóticas, das quais partiu para a elaboração da sua teoria psicológica. Ora, hipnotismo é mera variante do velho magnetismo de Mesmer, já citado, com o qual o Espiritismo tem relações conforme dizia Kardec, pois lhe absorveu a técnica e o conhecimento dos fluidos.

Além disso, o Espiritismo lança mão da noção de inconsciente, sobretudo nas obras de André Luiz em nosso dias, noção essa esplanada em A Grande Síntese. Geley deu, também, magna relevância ao conceito de inconsciente (como subconsciência) em seus trabalhos sobre evolução do princípio espiritual. 

  1. Pelo supra-exposto, julgamos ter ficado patente que as relações entre Espiritismo e Ciência são mais do que amistosas: são naturais e necessárias. 

Para defender o primeiro, basta segui-lo corretamente dando o exemplo de melhoria íntima; a crítica e a polêmica são atitudes antievangélicas e, logo, antiespíritas: que sentimento de fraternidade será esse que leva à oposição pública contra alguém?

Nem sempre os intelectuais usam o seu direito de serem “do contra”. Eis um exemplo notável. Robert Bloom foi um dos mais famosos paleontólogos, tendo realizado notáveis descobertas de fósseis ligados à evolução humana na África. Em 3 de julho de 1933, perante a Associação de Cientistas da África do Sul, leu um discurso depois publicado sob o título Evolução – há inteligência por trás dela? Nessa época, completava 40 anos de pesquisas sobre restos de animais deixados nas rochas. Começou dizendo que o homem descendia de um “macaco antropoide” e pergunta se a evolução deu-se por acaso ou foi dirigida por alguma mente. Depois analisa as várias explicações científicas possíveis e proclama-as insuficientes ou parciais. E vai sugerindo que se “é forçado a concluir que houve inteligência” por trás dela. Após inúmeros detalhes técnicos, Broom declara que a evolução orgânica “está praticamente terminada” e que, não tendo havido acaso, “somos compelidos a admitir algum agente inteligente ou espiritual”; trata-se de agente espiritual “com poder e visão limitados”. Mas, além deste (que equivale ao perispírito tratado acima).

Broom reconhece que houve, no curso da evolução, intervenção de forças espirituais mais elevadas – a mesma conclusão do grande biólogo Alfred Russel Wallace, velho estudioso dos fenômenos espíritas que Broom cita: “… uma inteligência superior dirigiu o desenvolvimento do homem numa direção definida e para um objetivo especial”. Termina Broom, ao notar que o homem “é um resultado muito desapontador” da evolução: “Mentalmente e moralmente parece possível que ele evolua quase em um novo ser.”

Caro leitor, tratemos do nosso caso e deixemos os outros em paz…              

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 60-65)

Religião e cultos afro-brasileiros

Carlos Toledo Rizzini

  1. Aprendemos que o Espiritismo, como maneira de compreender a Vida, o Espírito, Deus, etc., é uma religião interior. Esse sentimento leva à submissão ao Poder Supremo extraterreno: Deus e seus delegados. Assim define Emmanuel (Roteiro): 

“A religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador.”

A fé é a confiança nesse poder; a prece é uma declaração de confiança e submissão consciente, pelo que estabelece contato entre criatura e Criador, discípulo e Mestre, donde gera um estado de receptividade ao auxílio do Alto.

O Espiritismo não pode ser institucionalizado sob a forma de religião convencional. O seu templo é interno, seu ensino é racional e analisável, seus ritos são a prática do bem e a conduta correta. Por isso, esclarece e alimenta qualquer religião formal que o queira adotar e amplia a compreensão de qualquer crente. Não prega moral autoritária – manda conduzir-se de acordo com os princípios do Evangelho.

  1. No Brasil há vários cultos populares, cuja evolução espontânea partiu das práticas mediúnicas primitivas, que os escravizados negros trouxeram da pátria africana. Particularmente importante, por sua difusão, é a chamada Umbanda, muito conhecida no Rio de Janeiro. Como vimos, a mediunidade, ou antes, mediunismo: em sua forma natural, segundo distinção de Emmanuel, existe por toda a parte desde o princípio dos tempos. Nossos irmãos escravizados praticavam-no pura e simplesmente, na sua pátria. Trazidos para cá, foram forçados a enquadrar seus rituais nos moldes impostos pelos senhores brancos, que tinham uma religião rica de imagens e ritos.

Não é difícil compreender a mistura das duas atividades ao longo do tempo – isto é, o sincretismo religioso: o negro absorveu a parte ajustável ao mediunismo e foi anexando, aos seus rituais, imagens e costumes tomados aos brancos, já que estes pretendiam substituir o mediunismo pelo catolicismo. Ora, esse trabalho de assimilação e fusão data já alguns séculos, sendo, portanto, um desenvolvimento espontâneo. Por isso, às práticas mediúnicas evidentes aliam-se altares e estatuetas de santos, cujos nomes civilizados foram trocados por nomes africanos. Não existe ali, como é natural, uma doutrina elaborada: há comunicação com vários tipos de entidades espirituais do nosso plano evolutivo, a maioria das quais deseja o bem, assim como os praticantes humanos; mas existem, também, nos dois planos, os trabalhadores do mal. Porém, em todos os casos, o caráter manifesto das crenças, manifestações e trabalhos é a materialidade, razão de tanto apelo a “despachos” contendo objetos pouco estimáveis. É claro que não cabe a crítica – e sim, a compreensão: aí, como em tudo o mais, a questão crucial é o nível evolutivo dos espíritos e pessoas. É lógico que um espírito superior nem bebe, nem fuma etc. O que Deus permite não deve ser objeto de crítica da criatura e terá uma razão de ser; procurem-na…

O Espiritismo nada tem a ver com os cultos afro-brasileiros. Mas veio reforçá-los e justificá-los em virtude da mediunidade. Essa relação fenomênica fez com que o nome “espiritismo” passasse a ser usado nos terreiros, sem que a doutrina influísse na melhoria do ambiente, e a confusão é a tal ponto completa que é impossível sequer tentar desfazê-la mediante explicações e argumentos racionais.

Tudo é “espiritismo” e está acabado! Em 1941, houve no Rio de Janeiro um “Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda”, expressão que se vulgarizou bastante.    

Estudamos antes a origem do Espiritismo: é a doutrina científica de consequências morais e religiosas que os Espíritos Superiores ensinam e Allan Kardec organizou metodologicamente.

A própria palavra Espiritismo foi cunhada por ele, o Codificador. Tem pouco mais de um século sua existência e surgiu em Paris. Não possui nenhuma prática ligada a objetos materiais. Seus trabalhos são todos realizados pela força do sentimento e do pensamento; não propicia espíritos com solenidades, cantos e dádivas, pois objetiva a melhoria deles e dos homens.

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 65-67)

Origem do Espiritismo: As 3 revelações: caracteres e definições

Carlos Toledo Rizzini

  1. O Evangelho e o Espiritismo não são códigos de orientação da vida humana que tenham surgido abrupta ou isoladamente na face do Planeta. O segundo foi antecedido pelo primeiro e ambos tiveram, como precursores conspícuos, as instruções de Moisés e de Sócrates.

Moisés preparou o povo judeu para receber, 15 séculos depois dele, o Cristianismo. Tal povo estava escravizado no Egito, sob condições de vida as mais penosas. Moisés, um judeu criado na corte egípcia como príncipe, certo dia, movido por incoercível força interior, rompe com seus pares e empreende longa e árdua luta para libertar seu povo do jugo egípcio. Consegue-o, após peripécias sem conta, e encaminha-se, à frente dele, deserto adentro. Perambula nas areias ardente durante 40 anos, período em que os mais velhos vão morrendo; ele próprio falece quando os judeus alcançaram certa região, na qual estabeleceriam a chamada “Terra Prometida”, que o guia do povo não chegou a ver.

Durante a permanência no deserto, Moisés sobe ao Monte Sinai e aí processa-se a primeira revelação: por via mediúnica, ele recebe o Decálogo – um dos primeiros códigos morais da Humanidade e que representa um conciso resumo dos artigos essenciais da Lei de Deus. Lê-se, em Êxodo 31:18 e 32:16, que Moisés desceu do monte trazendo duas lajes “escritas pelo dedo de Deus” e contendo os mandamentos da Lei (Ex, 24:12). O nosso Chico Xavier declarou, em entrevista, que o querido Emmanuel fazia observar que o primeiro livro recebido pela Humanidade, “um livro de pedra”, procedeu do mundo espiritual… foi psicografado. Completa o vigoroso missionário, enunciado numerosas leis suas de natureza sanitária, penal, religiosa e social. Era severo o legislador humano; a pena de talião não foi objeto de economia. Nessas ordenações, Moisés proibiu a consulta aos mortos para coibir os abusos já então cometidos. Tal proibição foi várias vezes repetida: Êxodo 22:18; Deuteronômio 18:10-11; Levítico 19:31; finalmente, em Levítico 20:6 e 27, condena à morte pelo apedrejamento os infratores. Todavia, Moisés deixa escapar que não se tratava de um engodo, mas de uma realidade, ao declarar não admitir haja alguém que “indague dos mortos a verdade” (Deuteronômio 18:11) – a comunicabilidade dos espíritos já era reconhecida, há 35 séculos, como verdadeira.

  1. O Decálogo consta dos chamados Dez Mandamentos, cuja redação e ordenação são um tanto variáveis porque na Bíblia estão expostos algo extensamente, levando os interessados a resumi-los segundo suas ideias e fins. Eis a relação exata tirada da tradução do Padre Antônio P. de Figueiredo (1896), conforme estão em Êxodo 20 e Deuteronômio 5.          

1) Não terás deuses estrangeiros (i.e., outros deuses).

2) Não farás nem adorarás imagens e ídolos.

3) Não tomarás em vão o nome de Deus.

4) Não trabalharás no sábado, bem como teu servo e animal.

5) Honrarás a teu pai e mãe.

6) Não matarás.

7) Não fornicarás (cometerás adultério).

8) Não furtarás.

9) Não prestarás falso testemunho contra o próximo.

10) Não cobiçarás a mulher nem qualquer coisa do próximo.

Tais preceitos conduzem ao amor de Deus e dos semelhantes. Segue-se que Moisés e sua lei impuseram e fixaram, definitivamente, o monoteísmo, a crença num Deus único e, ao demais, imaterial, noção que o povo custou a absorver, mas que se manteve para sempre. Depois de Moisés, de vez em quando um profeta vinha relembrar, reforçar ou ampliar “a palavra de Deus”; assim consideravam esses médiuns o que traziam do Alto para manter a fidelidade dos judeus segura.

  1. Foi assim preparado o caminho para a revelação muito maior do Evangelho – a segunda revelação. Há 2.000 anos, o povo judeu apresentava-se aparentemente muito religioso, observando os preceitos da lei de Moisés e os ensinos dos profetas com extremo rigor. A verdade, porém, era bem outra: tratava-se no conjunto, de um povo orgulhoso e endurecido, dado à hipocrisia. A par disso, a inteligência, a capacidade de entender as coisas e manobrar o mundo externo, estava bastante desenvolvida.

Em tal meio desceu Jesus, o Cristo, o Espírito puro que governa a evolução da Terra. Leem-se nos evangelhos as pesadas lutas que foi forçado a sustentar a fim de conseguir desempenhar sua tarefa: ensinar novos conceitos ao atrasado ser humano da época, revelar-lhe quem é Deus e o que devem ser os homens uns para os outros, demonstrar praticamente os poderes do Espírito, etc. Não derruba a lei de Moisés, antes completa-a e modifica-a. Este impõe-se pela força; Jesus aconselha com amor. Pela primeira vez chega ao ser humano a noção de paternidade, misericórdia e providência divinas; manda o Mestre amar a Deus e ao próximo como meio de libertação e evolução espirituais. Fala, portanto, uma linguagem radicalmente distinta daquela que Moisés empregou para os seus bárbaros patrícios.

  1. A seguinte tabela permite comparar os principais ensinamentos de Moisés e de Jesus, havendo cerca de 1.500 anos de intervalo, no longo processo de desenvolvimento espiritual da Humanidade. 

Não devemos, apreciando estas divergências tão marcantes, esquecer a época e a circunstância nas quais atuou Moisés, para evitar pronunciamentos injustos. Se a grandeza espiritual de Jesus é incomparavelmente maior – a época e a circunstância exigiam a força e a firmeza de Moisés. Ele desempenhou a sua tarefa e o seu nome é imperecível.

MOISÉS

CRISTO

1. Deus antropomórfico: um homem em ponto grande.

2. Deus como ditador ciumento e vingativo, zeloso.

3. Judeus: povo “eleito”; os outros, gentios.

4. Ensina a temer a Deus.

5. Só cuida da vida terrena.

6. Impõe fé cega. Castiga.

7. Usa a pena de talião.

8. Autoridade absoluta.

9. Proíbe a comunicação com os espíritos, que pune com a morte.

10. Determina guerras de conquista que continuam ainda.

1. Deus é a perfeição suprema.

2. Deus como Pai misericordioso.

3. Todos são irmãos.

4. Ensina a amar a Deus.

5. Trata da vida espiritual.

6. Prescreve a fé racional. Não castiga.

7. Misericórdia, fraternidade.

8. Autoridade racional.

9. Fala com os espíritos e manifesta-se como tal.

10. Nada pedir de volta ao próximo. 

Tudo o que quiserdes que vos façam… 

  1. Durante longos séculos o Cristianismo foi trabalhado pelos homens. Já na época dos apóstolos começou a ser perseguido pelas autoridades romanas, as quais, de 64 a 325, pouco descanso concederam aos seguidores de Jesus, que então formavam a seita dita “Caminho” (gr. ὁδός, hodós). Pode-se afirmar que a doutrina de amor pregada pelo Cristo foi instaurada na Terra à custa do suor e do sangue, generosa e pacificamente vestidos em face de terríveis algozes latinos. Durante dois séculos e meio, os primitivos cristãos viveram em função do momento de testemunhar sua adesão ao Cristianismo.

Em hordas tranquilas, deixavam-se matar… e, assim, com o sacrifício de muitos, implantou-se o Evangelho. Nesse período, em que o martírio era o fim previsível de um cristão, vários escritores ilustres empreendem a defesa e a análise dos ensinamentos cristãos. Dos mais afamados foi Orígenes – “distinto sábio” e “o maior luzeiro do século III” (Monsenhor Cauly) – que escreveu o célebre Livro dos Princípios, no qual declara Jesus criado por Deus, o Espírito preexistente do corpo e as penas infernais passíveis de atenuação. Vê-se, por aí, o quanto ele era lúcido e bem informado, numa época tão recuada, quando hoje muitos pretendem o contrário seja a verdade. Orígenes morreu em 254, após dois anos de tormentos num calabouço.

  1. Em 313, o Imperador Constantino lançou o Édito de Milão, proclamando a liberdade de consciência no Império Romano. Cessaram de vez as perseguições, nos anos subsequentes. Os homens tomaram o Cristianismo e transformaram-no numa religião formal, que o Estado adotou. Por séculos e séculos houve grandes lutas intestinas (heresias e cismas), pois, durante a Idade Média, o homem caracterizou-se por espessa ignorância. Ao alvorecer a época moderna, surge a Ciência e a ignorância começa a desfazer-se. As condições de vida entram também a melhorar.
  1. Em plena Era Científica desponta a terceira revelação, que recebeu o nome de Espiritismo, dado pelo seu codificador, Allan Kardec, que o lança em 1857, em O Livro dos Espíritos. Já não se trata de um ensino pessoal, como os dois anteriores. É uma revelação científica, porque se baseia na experimentação para demonstrar a realidade espiritual e coletiva, porquanto reúne ensinamentos de fontes variadas. Instrutores do Mundo Espiritual vieram em massa comunicar tais ensinamentos por meio de pessoas dotadas da faculdade dita mediunidade. Kardec foi, sobretudo, o organizador, selecionador e analista do amplo material de evidências e dados que ele próprio obteve e que outros lhe entregaram. Nada criou – transmitiu, o que, aliás, Jesus afirmou ter feito em relação a Deus. Tinha uma visão muito nítida das coisas e grande habilidade para lidar com assuntos espirituais, cuja essência logo apreendia.

Pode-se afirmar que o Espiritismo é o Cristianismo ajustado à mentalidade moderna. Tem ele a missão de pôr à disposição do homem atual uma demonstração da base e uma explicação da doutrina do Evangelho. Nele, Deus é o Pai, Jesus é o Mestre e os homens são irmãos: o homem é um espírito encarnado num mundo material, objetivando a evolução para níveis mais altos, até Deus. 

Apresenta-se o Espiritismo como uma fé racional, isto é, dotada de conteúdo intelectual: deseja exame daquilo que ensina e não tem interesse na fé sem discernimento. Sua autoridade é racional e impõe-se espontaneamente, pelo valor que possui, em infundir nos adeptos a necessidade de renovar-se interiormente.

  1. Muitos são os caminhos para a transformação do espírito.  Contudo, dentro de cada um deles estão os princípios evangélicos ou o caminho não conduzirá a Deus. O Espiritismo é apenas a via adequada ao homem culto de hoje, quando nele eclodiu o desejo de progredir além do plano terreno grosseiro.

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 19-24)

Lei de causa e efeito

Carlos Toledo Rizzini

  1. Acabamos de notar que a liberdade de escolha existe na fase inicial dos nossos atos, isto é, na fase de causa; feita a escolha e posta em ação, entramos no domínio dos efeitos e, aí, vigora o determinismo. Vê-se que a liberdade é interior e expande-se de dentro para fora, e que o bem e o mal estão dentro de nós; o mal torna-se um inimigo oculto dentro de cada homem e do qual não é possível fugir em um momento dado (só mediante esforço prolongado). As forças que movimentamos no passado, com as nossas ações, tendem a continuar na mesma direção, impelindo-nos para onde,  hoje, não queremos ir, mas quisemos ontem. Nossas obras acompanham-nos; o passado revive no presente. Conforme exprime-se André Luiz, o espírito é constrangido a viver no centro de suas criações. Em conclusão: há um encadeamento casual lógico e a longo prazo – o presente derivou do passado e o futuro promanará do presente. A nossa vida atual não foi improvisada; o acaso é ingenuidade. Nada surge do nada. Tudo, na Obra Divina, está inter-relacionado pelo princípio de causalidade ou causa e efeito, que afirma a relação da causa com o efeito; originam-se as coisas por derivação causal. Como vemos, o conceito é próximo e ligado ao de determinismo, sendo difícil separá-los, mas não igual.
  1. No mundo físico, semelhante doutrina foi formulada sob o nome de 3ª lei de Newton, na Mecânica, que declara: “toda força impulsionada numa dada direção origina outra força, de igual intensidade, mas de sentido contrário”. Costuma ser designada como lei de ação e reação e governa também relações espirituais. Ora, pensamento, vontade e atos são forças que lançamos, as quais devem dar origem a forças em sentido contrário, isto é, ao choque de retorno. Este recairá sobre aquele que gerou a perturbação no ambiente com sua atuação desatinada; ou virão de volta alegria e paz, se o bem partiu dele. André Luiz (Ação e Reação) enuncia tal princípio assim: “Toda ação ou movimento deriva de causa ou impulsos anteriores.”

Jesus faz várias referências à lei de causa e efeito no código evangélico, acentuando a importância dela para a redenção do espírito humano. Afirma o Mestre: “Não julgueis para não serdes julgados” (Mt, 7:1); “Com a medida com que medirdes sereis medidos” (Mt, 7:2); “Todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo, 8:34); “Todos os que tomarem espada, morrerão à espada” (Mt, 26:52); “Se perdoarmos as ofensas recebidas, Deus igualmente perdoará nossos pecados” (Mt, 6:14-15). Em suma: “E o que quereis que vos façam os homens, isso mesmo fazei vós a eles” (Lc, 6:31). São várias formulações equivalentes.

Ao pensar e agir, portanto, o homem liberta forças e fica sujeito ao retorno delas, nesta ou noutra vida; provará o fel ou o mel que fez outro beber… Todavia, a aplicação da lei no nível espiritual é relativa porque a mesma vontade pode, noutra ocasião, agir em sentido contrário e atenuar o choque mediante a libertação de novas forças, agora positivas. Não temos o poder de extinguir os efeitos da volta sobre nós, mas podemos modificá-los se mudarmos de rumo, se atuarmos noutra direção com esse intuito.

  1. Sm o conhecimento da reencarnação, teríamos uma noção completamente nula das relações de causa e efeito. É ela que permite encadear as ações de uma vida para outra, fazendo que sofra o indivíduo o que fez outro sofrer antes. Tal é a base da justiça divina, do equilíbrio e do progresso espiritual. Logo, ação e reação, além de importante lei física, é relevante lei moral – rege as relações inter-humanas e ensina ao Espírito como atuar e progredir. Regula ainda o livre-arbítrio: a liberdade existe antes de agirmos; após o lançamento do ato, ficamos sujeitos às consequências. Mas, é bom notar, ela admite certa elasticidade ou tolerância. Para progredir, foi permitido ao espírito humano violar a Lei e promover a desordem ao redor dos seus próprios passos, de modo a conhecer as consequências do erro e a afastar-se dele. Deus dispôs, portanto, que, durante certo tempo, lhe fosse possível abusar e errar para aprender, pagando o preço do sofrimento. Assim, as leis da vida superior cedem até certo ponto e, atingindo o limite, começam a empurrar o sujeito de volta para a situação de equilíbrio; desta maneira, a evolução produz um ser consciente do bem e do mal, e não um autômato. É a dor o fator que traz o homem de volta ao regaço divino, depois que se desviou do rumo traçado pela Lei.

Vimos que somos produtos de nossos esforços, secundados pelo amparo de cima. Nossas vidas são misturas de alegrias e sofrimentos em proporções muitíssimos variadas. “A cada um, segundo suas obras” proclamou o Cristo. É, ainda, o mesmo princípio. Quem foi insaciável provará a miséria; quem muito cuidou de si, passará solidão; quem violou, será violado; se alguém perdeu um braço por nossa causa, perderemos um braço também; se caluniam, lidaremos com a calúnia. Expressa-se Ubaldi a respeito, declarando que a cada abuso corresponde uma carência inversa; por isso tantos sofrem falta de coisas tão abundantes. Diz ele que todas as deficiências morais (crime, vício, pobreza, imbecilidade, predisposições mórbidas, etc.) são carências derivadas de abusos antigos. “O panorama da Terra parece poder-se resumir nestas duas palavras: abuso e carência.” E qual será a causa disto? O que move o abuso, origem das privações? É o egoísmo, respondemos. O egoísmo é o estado mental que leva o ser humano a todas as desgraças. O abuso sacia, porém gera a fraqueza e promove a doença. Mas, a Lei de Deus oferece oportunidade de redenção para todos, corrigindo o destino infeliz e preparando um futuro feliz.

  1. O mal é a ausência do bem. Não dar um prato de comida ao pobre faminto que o pede é deixar de fazer o bem e, logo, fazer o mal; falar dos erros alheios é propagá-los e, daí, fazer o mal. Importa muito a intenção nessas questões; doar sangue é nobre, ajudar no serviço é meritório, dar de comer é excelente e emprestar dinheiro é benéfico – mas poderão ser realizados com intenção malévola; doar sangue doente, trabalhar para furtar a casa, dar comida estragada ou inadequada e emprestar a juros altos. O mal depende da intenção de prejudicar o próximo, a despeito das aparências favoráveis, dos disfarces.

Não devemos nos deter nunca no mal, salvo num único caso, quando se trata de corrigi-lo. Fora disto, ele não merece qualquer consideração, ensina André Luiz, citando elevados mentores. É preciso evitar que o mal chegue ao coração sob a forma de sentimento. Se tal não for possível, cuidemos de impedi-lo de subir ao cérebro como pensamento. Todavia, se tivermos de pensar em algum mal, não permitamos que ele se exteriorize pela palavra, que outros receberão como sugestão e tratarão de pôr em prática – tornando-nos responsáveis pelas consequências de atos que não queríamos emitir.

A prática do mal é proporcional ao grau de inferioridade dos espíritos que habitam certo ambiente; define, pois, o nível de evolução ali observado. Ao demais, é condição de progresso daquele ambiente, porque, nada sendo inútil na Obra Divina, o mal pune o mal e ajuda a promover o Bem – que é o desígnio do Criador! Isto é natural: o sujeito que provou em si o mal que antes fizera a outro, fica propenso a realizar, no futuro, o bem correspondente.

Vamos, em suma, concentrar nossos sentimentos, pensamentos, palavras e ações na prática do bem, ou seja, em tudo quanto concorde com a Lei de Deus e sirva ao próximo com esquecimento de interesses pessoais e do mal porventura recebido! É o que a Lei quer e o Evangelho sugere.

  1. As dívidas com a Lei podem ser atenuadas pelo bom procedimento e os resgates reduzidos, de modo que o interessado não fique apenas submetido à cobrança, mas tenha, também, oportunidade de adquirir méritos pelo trabalho ativo no bem e pelo sofrimento valorosamente suportado. O indivíduo que matou outro para auferir vantagem estará em situação adequada para ser morto, noutra vida. Se, porém, modificou-se intimamente e provou sua nova condição interior através da assistência a sofredores, virá ao mundo resgatar o seu crime por meio de uma lesão valvular no coração, que o fará sofrer e, finalmente, desencarnar. Mudado o criminoso, não se faz necessário o episódio sangrento. Dá-se o mesmo com aquele que deve perder um braço numa máquina fabril; tendo sido ativo na prática do bem, servindo ao próximo sem previsão de vantagem, a máquina arrancar-lhe-á um dedo apenas ou o ferirá simplesmente. A Misericórdia Divina quer a transformação moral do pecador e não o seu sacrifício sem o motivo consistente.

Um débito poderá ser classificado, segundo André Luiz, em: 1) estacionário, quando as vidas passam sem mudança de atitude íntima; a pessoa carrega um fardo de dívidas de uma existência para outra até… que a Lei tome providências drásticas, como nascer paralítico, cego, sem braços, etc.; 2) resgate interrompido, quando o sujeito abandona a situação em que está e mete-se em nova complicação, como abandonar a família legal e formar outra; 3) aliviado, se ação positiva for encetada na liquidação da dívida; 4) dívida expirante, se o indivíduo liquida o erro sem cometer novos; ficando tuberculoso ou canceroso, arrasta pacientemente o sofrimento sem ferir a ninguém; 5) dívida agravada, quando o interessado repete o erro anterior, geralmente ampliando-o, na vida atual, dobrando o débito; 6) resgate coletivo, em grupo, todos com a mesma dívida.                    

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 153-157)          

Determinismo e livre-arbítrio

Carlos Toledo Rizzini

  1. Determinismo é a doutrina que afirma serem todos os acontecimentos – inclusive vontades e escolhas humanas – causados por acontecimentos anteriores. Segue-se que o ser humano será destituído de liberdade de decidir e de influir nos fenômenos em que toma parte. O indivíduo faz exatamente aquilo que tinha de fazer e não poderia fazer outra coisa; a determinação de seus atos pertence à força de certas causas, externas e internas. É a principal base do conhecimento científico da Natureza, porque afirma a existência de relações fixas e necessárias entre os seres e fenômenos naturais: o que acontece não poderia deixar de acontecer porque está ligado a causas anteriores. A chuva e o raio não surgem por acaso; a semente não germina sem razão, etc.; há sempre acontecimentos prévios que preparam outros: chove, porque houve primeiro evaporação, depois resfriamento e condensação do vapor, e assim por diante. Os mundos físico e biológico são, pois, regidos pelo determinismo – no nível macroscópico. Em o nível mental, também vigora o mesmo princípio, pois os pensamentos têm uma causa, assim como as nossas ações, deles decorrentes; pensamentos e atos estão relacionados aos impulsos, traços de caráter e experiências caracterizam a personalidade.

A doutrina oposta é a do livre-arbítrio, que declara a vontade humana livre para tomar decisões e determinar suas ações. Diante de várias opções oferecidas por uma situação real, o homem poderá escolher uma racionalmente e agir livremente de acordo com a escolha feita (ou não agir se o quisesse). Exige, portanto, capacidade de discernir e liberdade interior. O animal e o selvagem veem as coisas em função de sua utilidade imediata na satisfação de instintos e impulsos primários; um pedaço de carne desperta interesse havendo fome para acalmar e só para esse fim. O civilizado, porém, percebe as coisas sob múltiplos aspectos; a carne poderia servir para alimentar a criação, ser examinada ao microscópio, fabricar ácidos aminados para a medicina usar, inspirar um drama ou poema, etc. Tem ele, consequentemente, de tomar uma decisão sobre a escolha a fazer. Podemos supô-lo livre para tanto, reconhecendo, contudo, que frequentemente a condição mental do sujeito impõe restrições ao livre-arbítrio: irreflexão (impulsividade), hábitos fixos, inércia, imitação, moda, etc. Todavia, essas limitações não chegam a cassar a liberdade por completo nem eliminam a responsabilidade dos atos. Por ter de dormir três horas todas as tardes ou beber; ele sofrerá diminuição da liberdade de decisão e ação, mas é o dono desses hábitos e, daí, o responsável pelas consequências do que fizer.    

  1. O aspecto essencial da questão consiste em saber se o sujeito, ao praticar  a ação, era livre ou não para praticá-la. Se há liberdade de escolha diante de várias possibilidades oferecidas por uma situação – ou se ele só poderia ter feito precisamente o que fez. Ser livre não significa agir ao acaso, desordenadamente; vimos, acima, que as nossas ações têm uma causa, que não elimina nosso poder de determinação.

Para abordar tal questão, faremos, primeiro, observar que ninguém parece se conduzir como autômato e as atividades usuais desempenhadas pelas pessoas levam a pressupor a existência de vontade própria. Elas estudam, compram, discutem, vão à igreja, respeitam a lei ou a desrespeitam, constroem pontes etc. Alguém pode tomar uma decisão semanas antes e a mantê-la até o fim ou mudar a direção dela. Depois, perguntaremos: 1) no mundo físico infra-atômico e no reino vivo intracelular vigoram as mesmas relações, absolutamente constantes, da escala microscópica? 2) o determinismo psíquico está sujeito à mesma rigidez do determinismo físico mencionado?

A Ciência responde fornecendo elementos sugestivos. Na verdade, o determinismo férreo do mundo inanimado vigora para os grandes corpos considerados em pequeno número; daí o sucesso das leis de Newton na previsão do movimento dos corpos celestes, da trajetória de um projétil etc. É diferente em se tratando de corpos mínimos e em grande número, tal é o caso das partículas elementares da matéria; entra em jogo a possibilidade, isto é, leis estatísticas. De fato, as partículas subatômicas, como os elétrons, não admitem previsão exata como aceitam os planetas e cometas, e.g. Corpos muitíssimos pequenos têm um comportamento diverso do de corpos visíveis. Não é possível estabelecer, ao mesmo tempo, a velocidade e a posição de uma daquelas partículas – e sem conhecer os dois valores não há previsão de movimento. Logo, existe nesse nível indeterminação, como se cada corpúsculo material pudesse realizar uma escolha entre várias possibilidades. Também a radioatividade ou desintegração espontânea do rádio (metal) mostra isso. Uma quantidade qualquer do rádio leva 1.590 anos para reduzir-se à metade sozinha; é a vida média. Isso é calculável com exatidão, mas quando um átomo se desintegrar ninguém consegue determinar; tanto ele fragmentar-se-á no próximo segundo, daqui a uma hora ou dentro de 1.000 anos… Tudo acontece como se ele tivesse liberdade para decidir acerca do momento de desintegrar-se, sem que nenhuma força externa possa alterar isso.

Entre os seres vivos, os genes exibem um comportamento semelhante. Genes são grandes moléculas de ácido nucleico encarregadas da transmissão das características de um organismo para os que descendem dele. De suas combinações e alterações surgem as modificações observadas nos animais e nas plantas. O fato importante aqui é que essas alterações, ditas mutações, não se podem antecipar; elas surgem de modo descontínuo.

Esses dados  experimentais dão novo aspecto ao problema do livre-arbítrio. A matéria, viva ou inanimada, rege-se pelo determinismo completo no conjunto, considerando o que é grande e visível. Na intimidade, porém, considerando o que é infinitamente pequeno, vigora o indeterminismo que só admite o cálculo de probabilidade. São dois níveis distintos de estrutura e comportamento, regulados por leis diferentes.

No mundo mental, emerge um novo fator, cujo desempenho é bastante imprevisível, chamado consciência ou faculdade de conhecer a si mesmo. Pelo visto, não é demais supor que o ser humano seja dotado, igualmente, de vontade livre em maior ou menor escala.        

  1. Em 8 e 14, determinismo e livre-arbítrio foram explicados sumariamente. O que ali foi dito concorda com os aspectos fundamentais da questão segundo O Livro dos Espíritos e O Problema do Ser, do Destino e da Dor, questão que Ubaldi e Monteiro de Barros explanam sabiamente. Vamos agora distender um pouco mais as noções referentes a esse assunto relevante.

Percebemos que, no homem, existem os dois princípios de ação. Como entender isso? Apelando para um princípio superior a eles.

Ora, vimos que o princípio central da Lei de Deus é a evolução. Nos reinos animal e humano inferior prevalece o determinismo; o instinto dá o melhor sem o perigo da escolha malfeita e o selvagem age movido por impulsos semelhantes. O livre-arbítrio é progressivo e relativo, evoluindo do determinismo físico à medida que a consciência (razão) se desenvolve. Crescendo a razão, aumenta a liberdade de decidir; os padrões fixos de comportamento cedem lugar à opção inteligente. Em suma, o livre-arbítrio é uma conquista evolutiva. E, com ele, desponta um novo fator moral – responsabilidade ou necessidade de enfrentar as consequências dos atos praticados, que a Lei impõe a todos.  Vimos acima que há restrições internas ao desempenho da liberdade. Convém observar que há também restrições externas no campo da atuação; o determinismo do mundo material interfere com a liberdade dos atos; ninguém pode impedir a neve de cair ou o vento de soprar, prendendo-o em casa e alterando programas traçados. Além disso, o apego às coisas materiais reduz a independência da ação do espírito.

  1. Mas, em que sentido é livre o espírito humano? Percebemos nitidamente que, sob vários aspectos, não o é; que há inúmeros acontecimentos inevitáveis, razão do conceito de fatalidade, que devemos reformar.    

A liberdade de decidir e agir existe antes da ação ser executada. Posta em movimento o agente prende-se aos efeitos das causas que gerou. Entra em cena a lei de causa e efeito ou de ação e reação, estudada a seguir e da qual não é possível separar nitidamente as questões em pauta. Segue-se daí que a liberdade é condicionada, conforme conceitua Bozzano e que o livre-arbítrio é relativo – pois dependem do que se fez antes.

Todos gozamos, em graus diversos, de livre vontade e estamos presos ao determinismo. A liberdade reside no presente; podemos agir com independência por meio da faixa de consciente atual, que atende às necessidades da vida presente. A determinação promana do passado culposo. As causas que geramos no passado pelas próprias ações constituem a área de determinismo, conservada em estado inconsciente. Temos de reabsorver as consequências das más ações, o que a liberdade do presente garante porque, com ela, podemos emitir novos impulsos que venham corrigir os precedentes. Originando novas causas com o bem, hoje, é possível neutralizar as causas pretéritas do mal e reconquistar o equilíbrio. Muitas situações são armadas contra a nossa vontade: as ações passadas constituem a faixa determinada do destino, da qual não há fuga. Mesmo nas piores condições, esclarece André Luiz (Ação e Reação), como uma prisão em cela, ainda vigora certa dose de liberdade de decidir, que poderá ser empregada para melhorar ou piorar a própria situação conforme o comportamento adotado; podemos sempre, na expiação, agravar ou atenuar nossa posição perante a Lei.

O livre-arbítrio do próximo não pode ser violado mediante a imposição de atitudes que ele deve assumir espontaneamente, por convicção própria. Onde há duas pessoas, há direitos a respeitar. A liberdade de um termina onde começa a de outro. Semelhante violação significa débito a pagar.

Funciona melhor o livre-arbítrio no Espaço. O espírito tem conhecimento do que lhe cumpre passar e realizar na Terra e concordou com isso. A chamada “fatalidade” é a escolha feita, antes da encarnação, de uma expiação ou prova. Foi exercida a liberdade nessa ocasião. Depois, é como se o espírito houvesse traçado para si mesmo uma sorte de destino infalível. É uma escolha ou ajuste de interesse para a evolução moral e terá de cumprir-se inexoravelmente. Mas, nem tudo o que nos acontece deriva do passado. Queimar a mão poderá ser simplesmente imprudência; ter uma indigestão é sinal de excesso praticado.

A seguir, no tratamento da lei de causa e efeito, haverá forçosamente alguma repetição em vista das íntimas relações dela com o problema da liberdade de decisão e ação.

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 148-153)          

O dirigente espírita

Alexandre Lima

(Pixabay)(Reprodução)

 

A Doutrina Espírita está assentada na moral cristã, na ciência dos fenômenos do espírito e na religião descrita e norteada pela obra de Allan Kardec.

A religião espírita tem como lumiar a Codificação kardequiana, conjunto de obras inspiradas nos Evangelhos e que trazem as premissas de moral, de ciência e de religião que cumpre às Casas Espíritas preservar e divulgar.

Como se tratam de lugares erguidos para uma religião baseada na simplicidade, em que não existem sacerdotes, rituais, sacramentos ou dogmas, as Casas Espíritas têm como papel  propagar a Codificação, o que preconiza exercer atividades de esclarecimento e de doação caritativa, em que o maior de seus valores é imitar Jesus em suas ações de amor ao próximo, de perdão e de consolo aos que sofrem. 

O ponto comum entre as Casas Espíritas não é o mobiliário, nem o uso de tecnologias, nem a estrutura pedagógica de seus cursos, ou ainda a ausência de altares e de ídolos, mas a permanente busca pela capacidade de acolher os simples, consolar os humildes, atendendo os que têm sede de justiça, de verdade, de adiantamento moral e de progresso. Neste sentido, as pessoas que têm papel de liderança nas Casas Espíritas precisam exercer seu trabalho com amor, desprendimento, clareza e simplicidade na transmissão do espiritismo e da verdade espiritual.

O dirigente espírita é uma pessoa comum, a quem cabe uma parcela de responsabilidade dentro da Casa Espírita. Em geral, trata-se de alguém com um pouco mais de esclarecimento doutrinário que os frenquentadores, o que nunca pode ser confundido com uma autoridade religiosa ou sacerdote. Como é uma pessoa encarnada em um mundo ainda de provas e de expiações, trata-se de alguém suscetível a falhas e erros, em aprendizado, apenas acumulando uma posição de temporária liderança, e que deverá prestar contas por seus desacertos e equívocos.

Os esforços dos dirigentes não devem ser para demonstrar sua cultura e erudição, mas antes para acolher os que sofrem, contribuindo para que eles possam seguir com perseverança rumo à fraternidade e ao amor de Deus.

O papel do dirigente espírita é propagar a Codificação, divulgando-a e buscando aplicar suas lições ao dia-a-dia, através de atitudes cristãs, ensinando muito mais através de sua conduta, de bons exemplos, do que pela qualidade de seu discurso ou pelo rótulo de seu cargo.

A responsabilidade do dirigente espírita lhe impõe maior disciplina, em que o cediço do orgulho e da vaidade não podem encontrar espaço em sua conduta.

Todo aquele que lidera em uma Casa Espírita se assenta em posição de maior evidência, que não deve alimentar mazelas morais, como o narcisismo e o culto a sua pessoa em prejuízo dos valores elevados que a Doutrina Espírita deve perpetuar. O dirigente não pode ser confundido com um messias.

É indispensável o aprendizado dos princípios do Evangelho, bem como do estudo da Codificação, construindo um olhar ponderado quanto a todos aqueles a quem cabe chefiar e liderar as tarefas na Casa Espírita, sempre em prol da divulgação da espiritualidade e da evolução moral, nunca nos esquecendo as lições de Jesus, que em suas atitudes demonstrava não estar no mundo para ser servido, mas para servir.

A política à luz da lei de sociedade

(Reprodução)

 

Aristóteles define a política como a ciência do exercício da ética e da busca da felicidade coletiva da pólis. O filósofo grego reconhece que nas comunidades, como nas famílias, as pessoas têm diferentes papéis, mas suas relações devem coexistir de forma harmônica. O legado de Aristóteles reverbera no espiritismo.

O Livro dos Espíritos (1857), obra seminal de Allan Kardec, nas questões de número 766 a 775, aborda a chamada Lei de Sociedade. No breve capítulo, o codificador apresenta as considerações dos espíritos, que afirmam ser imprescindível para a evolução espiritual a vida em sociedade, legado divino para a evolução moral tanto individual quanto coletiva, em que os relacionamentos humanos se contrapõem aos estilos de vida de isolamento, de silêncio e de ociosidade. Aprender a se relacionar com o outro é um traço incontornável da evolução social e espiritual.

Quando refletimos sobre as três revelações, as grandes premissas morais da humanidade, notamos paralelo com o processo de evolução das sociedades. Importa lembrar que o primeiro ordenamento moral para a Doutrina Espírita vem do Decálogo de Moisés, apresentando princípios de relacionamento entre o homem e Deus, e entre o homem e seus iguais, esclarecendo sobre a necessidade de se nortear a vida pelo respeito a Deus e suas leis, e à sanidade moral nas relações em família e em sociedade. Honrar os pais, não matar, não roubar são alguns dos princípios tão importantes como nutrir o amor divino. As lições de Jesus deram novo olhar aos princípios mosaicos, sintetizados no amor a Deus e ao próximo, que, em lugar de restringir, ampliam a acepção do amor para níveis mais universais. A Codificação veio reforçar as bases mosaicas e cristãs, trazendo atualidade às palavras de Jesus, afirmando a potência de seu discurso para a humanidade despertar para a consistência da vida moral, lições  expostas em suas mensagens, como da vida ultrapassando a limitação da experiência material. Os relatos dos espíritos, irmãos nossos em outra esfera de existência, traduzem os efeitos de suas experiências na vida corpórea, muitas  vezes submetidas a dores ante seus equívocos e desatinos morais. 

Não é possível conceber o exercício do amor ao próximo sem a abertura humana à construção de relacionamentos de qualidade com o outro e com a sociedade. Amar ao próximo não se limita em nutrirmos afeição aos nossos familiares ou aos nossos iguais, mas nos exige crescimento para adotarmos a tolerância com todos, inclusive com os que divergem de nossas opiniões.

É uma necessidade humana aprender a amar e viver coletivamente, seja em família, em comunidade, em sociedade, em uma nação ou em um planeta, e esse modo coletivo de vida é fortalecido pelo exercício saudável de princípios éticos e de trabalho consistente pelo bem comum. A vida amadurecida em comunidade exige ultrapassar a separação por bandeiras ou ideologias. Utilizar os princípios mosaicos, cristãos ou espíritas para justificar preconceitos e ações violentas contra os que pensam diferente é se diminuir moralmente e se omitir diante da premissa maior do necessário exercício do amor apregoado pelas principais religiões do planeta. Moisés sofreu por seu povo no Egito, Jesus padeceu ante o império romano, Kardec amargou o antagonismo de seus detratores. A história ensina que as crenças frágeis e seus agentes perecem, como os falsos ídolos, que sempre ruíram ao longo das gerações, mas prevalecem os defensores da verdade das leis divinas, que são incontestáveis e perenes.

As relações sociais estão transpassadas pela política, não as simples denominações partidárias, mas o trato ético entre os cidadãos, em bases legais e republicanas, em que o bem comum deve nortear o estado, suas ações e instituições.

A intolerância é o veneno dos relacionamentos pessoais e sociais, chaga que gera a violência e mina a evolução moral individual e coletiva, retardando a transformação planetária e prestando serviço apenas aos que se nutrem do atraso em suas mais diferentes máscaras.