Os Shakers e a Mediunidade

Shakers, “Batedores” ou “Sociedade Unida dos Crentes na Segunda Vinda de Cristo” 


(Reprodução)

Os cristãos Shakers ou “batedores” surgiram na Inglaterra em 1747, na casa da missionária Ann Lee (1736-1784). Ann Lee ou Mãe Ann já havia participado de um grupo religioso conhecido como Quaker, quando teve uma revelação para formar o Shaker. Tanto os Quakers como os Shakers acreditavam que todas as pessoas poderiam encontrar Deus dentro de si, ao invés de recorrer ao clero ou a rituais. Os Shakers mostravam tendência a ser bem emotivos e efusivos em sua adoração. Eles também acreditavam que a vida deveria ser dedicada à contínua busca da perfeição, confessando seus pecados e tentando não repeti-los.

O Século 17 apresentou grande tumulto religioso nos Estados Unidos e na Europa, por conta da luta constante entre protestantes e católicos. Conflitos religiosos levaram muitos a acreditar que os tempos eram chegados, e as manifestações de espíritos se tornaram comuns. No Século 18, registrava-se inúmeras ocorrências de diferentes tipos de manifestação, inclusive com visões, profecias e transes. Estes movimentos influenciaram uma parte dos novos grupos religiosos, com maior incidência no norte da Europa, entre o fim do Século 17 e cerca de 1740, afetando a Grã-Bretanha e também as colônias americanas. Meio século mais tarde, os Estados Unidos e Inglaterra viam o surgimento de muitas seitas religiosas, algumas mais radicais em seus costumes e preceitos doutrinários,   formando algumas sociedades messiânicas, outras utopistas, como as comunidades deOneida, Millerites, Rappites e, naturalmente, os Shakers.

A história dos Shakers registra dois momentos importantes. O primeiro, em 1706, trata-se da chegada a Londres de cinco “profetas franceses”, conhecidos em fontes históricas como os “camisards” das Montanhas de Cévennes, no Sul de França. Os “Camisards” eram os protestantes calvinistas franceses. Escolheram esta denominação para se identificar durante sua insurreição de cinco anos contra o Rei Luiz XIV, que tentava erradicar o protestantismo do país em favor de catolicismo. Os Camisards foram derrotados, sendo forçados a se juntar aos milhares de exilados Huguenotes, que viviam em territórios protestantes da França, Inglaterra, África do Sul, América do Norte e em outras partes do mundo. Os cinco profetas franceses provavelmente teriam sido alguns destes exilados.
O segundo momento relevante para os Shakers é 1747, quando a líder de sua crença, a matriarca Ann Lee, fez seu primeiro contato com James Wardley, um pregador que mantinha um pequeno grupo de comunicação espiritual remanescente dos profetas franceses.

Os Shakers construíram 19 sedes, que atraíram aproximadamente 20.000 seguidores até o século 19. Crentes no celibato extremo, os Shakers mantinham seus grupos através da conversão de fieis e da adoção de órfãos. Ainda assim sua renovação era muito alta, e o grupo alcançou o tamanho de aproximadamente 6.000 membros ativos em 1840. Em dezembro de 2009 contavam com diminuto número de membros.

As comunidades Shaker instalavam-se sobretudo em áreas rurais, aonde se dedicavam ao trabalho agrícola e uso em comum de seus recursos. Além da dedicação à agricultura, mostravam-se exímios marceneiros e também desenvolviam trabalhos em couro. Reuniam-se em “famílias”, dividindo grandes casas, com entradas separadas para homens e mulheres. Louvavam os hábitos do trabalho, limpeza, honestidade e frugalidade.

Acreditavam na natureza dual de Deus, pois a criação do homem como macho e fêmea “à sua imagem” decorreria da sexualidade dual do Criador, ao mesmo tempo contendo em si os princípios masculino e feminino. Deste modo, defendiam a igualdade entre homens e mulheres. Para os Shakers, enquanto Jesus era a manifestação masculina do princípio divino, a forma feminina era a de sua matriarca Ann Lee.
Sua crença se pautava na promessa da segunda vinda de Jesus à Terra e nas quatro virtudes: pureza virginal, comunismo cristão, confissão dos pecados e vida à parte das coisas mundanas.

Os Shakers tinham um tipo de espiritualidade intensa. O maior período de suas manifestações espirituais ocorreu entre 1837 e 1847. As cerimônias religiosas podiam ser em recintos fechados ou a céu aberto. Geralmente suas comunidades tinham um grande espaço para os que participavam do rito, bem como uma área para a assistência.
Inicialmente, homens e mulheres formavam suas fileiras. Dançavam ou marchavam, balançando os braços, avançando e parando. Logo giravam o corpo, olhando para a parede lateral, em seguida avançando e parando.
Podiam formar duas rodas, com as mulheres no círculo interno e os homens no externo. Começavam a se mover devagar, aumentando a velocidade. Cantavam, gritavam, alguns girando o corpo, outros mexiam-se intensamente, outros mantinham-se em uma dança pessoal.
Vários fieis entravam em transe, alguns passavam a falar rapidamente, muitos davam comunicações espirituais, e alguns até chegavam a falar em outros idiomas (xenoglossia).

 

Hino dos Shakers – “The gift to be simple”

‘Tis the gift to be simple, ‘Tis the gift to be free,
‘Tis the gift to come down where you ought to be,
And when we find ourselves in the place just right,
‘Twill be in the valley of love and delight.


When true simplicity is gained
To bow and to bend we shan’t be ashamed,
To turn, turn will be our delight,
‘Till by turning, turning we come round right.

Bibliografia:
Raymond Buckland, “The Spirit Book – The Encyclopedia of Clairvoyance, Channeling, and Spirit Communication”. Detroit: Visible Ink, 2005.

Aura Celeste

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Adelaide Augusta Câmara (“Aura Celeste”)
Nascida em Natal/RN em 11/1/1874, Adelaide Augusta Câmara teve formação protestante.
Aos 22, vai ao Rio de Janeiro, onde se torna professora no Colégio Ram Williams.
Por volta de 1898, se iniciam suas manifestações mediúnicas e passa a frequentar o Centro Espírita Ismael, por orientação de Bezerra de Menezes.
Sua mediunidade era ampla, envolvendo as modalidades audiente, vidente, psicógrafa e de cura.
Em sua lide de assistente, destaca-se o orientador espiritual Dr. Joaquim Murtinho.
Em 1924 volta-se à assistência, dedicando-se ao cuidado de órfãos e de idosos.
No bairro de Botafogo, funda em 1927 o Asilo Espírita “João Evangelista”, dedicado à educação juvenil.
Escreveu livros, alguns deles psicografados, como: “Vozes d’Alma” e “Sentimentais” (livros de versos); “Aspectos da Alma” (contos); “Palavras Espíritas” (palestras), “Rumo à Verdade”; e “Luz do Alto”.
Desencarnou no Rio de Janeiro, em 24/10/1944.

A Reunião Mediúnica

Van Gogh. Comedores de batatas, 1885.

A Casa Espírita, que reconhecemos aqui como lugar que se organiza em torno do estudo e da aplicação do Doutrina Espírita, à luz da Codificação trazida a nós por Allan Kardec, possui campo para diversas atividades.

Palestras públicas, grupos de estudos, assistência social, eventos comunitários etc. fazem parte do universo de iniciativas de um Centro Espírita. Quando tratamos de grande público, não devemos incluir ações especializadas, que precisem de rigor e prévio conhecimento doutrinário, nem assim exigir dos frequentadores. Se quisermos tratar de um estudo científico, por exemplo, será demais para o grande público acompanhar os raciocínios e elaborações dos palestrantes. Possível é, mas se adequa melhor a grupos de estudos especializados, já devidamente inseridos no campo de discussões avançadas.

Semelhante cautela podemos encontrar nas tarefas mediúnicas, porque há certos cuidados para garantir o êxito em sua execução, atendendo ao princípio da caridade, mas nunca abrindo mão das diretrizes da Codificação e da disciplina que deve cercar esse tipo de reunião.

As normas gerais para as reuniões mediúnicas são simples:
1-Privacidade;
2-Horário, duração e frequência definidos;
3-Preparo de seus participantes (doutrinário e evangélico);
4-Assiduidade da equipe.

A privacidade recomendada para a reunião mediúnica se refere a respeitar a seriedade das tarefas que propõe, porque o sofrimento não deve ser um espetáculo público, nem a dor dos frequentadores encarnados que ali acorrem, nem mesmo os quadros de pesar dos irmãos desencarnados que participam e às vezes dialogam com a equipe de orientadores.  O espírito merece ser acolhido em um ambiente de caridade e respeito, que ofereça escuta sem julgamentos prévios, mas com a determinação de esclarecer com amor, propondo renovação de pensamentos, sentimentos e vontades.

A disciplina é eixo fundamental das tarefas mediúnicas, envolvendo regularidade de  atividades, com horários, dias e equipes definidas. A reunião mediúnica pode ter duração fixa de uma hora, hora e meia e até de duas horas, em dias certos na semana. A reunião conta com o apoio da espiritualidade, que tem muito trabalho a fazer, assim não estará a disposição para prorrogações desnecessárias de atividades, nem para ações inúteis ou vazias de fins caritativos. Às vezes a disponibilidade e a vontade do trabalhador em auxiliar são grandes, mas podem ser compartilhadas com outras iniciativas da Casa Espírita, como doação de seu tempo para reuniões públicas de divulgação doutrinária, trabalhos de passe, grupos de assistência. Discussão de assuntos gerais, corriqueiros e administrativos da instituição devem ter espaço próprio, não se confundindo com os momentos de assistência amparados pela espiritualidade.

O preparo dos participantes envolve não somente a equipe de trabalhadores da reunião mediúnica, como dirigentes, orientadores, médiuns de comunicação, e de sustentação, como também a assistência. O público que ali assiste também participa da reunião mediúnica e não pode ser leigo e desinformado a respeito da Doutrina Espírita fundamentada na Codificação organizada por Kardec. Por quê? Porque a reunião mediúnica é um momento de partilha de sentimentos, pensamentos, fluidos e energias, um todo em que contribuem os que ali acorrem, desencarnados ou encarnados. Curiosidade, displicência ou ceticismo, por exemplo, são posturas que não contribuem para a evolução de uma reunião mediúnica séria e de objetivos elevados. Lembramos que o Centro Espírita deve propiciar diferentes oportunidades para o público em geral, como palestras públicas, cursos de introdução à Doutrina, grupos de Evangelização Infantil, mocidade, eventos sociais de cunho caritativo, não se pautando única e exclusivamente nos fenômenos medianímicos e nem deles se utilizando como mero chamariz ou espetáculo.

O item disciplina é importantíssimo para os que abraçam funções na reunião mediúnica, devendo se respeitar a frequência nos dias e horários determinados, atendo-se rigorosamente ao período de duração das reuniões, porque a espiritualidade não fica à disposição a todo momento. Tarefas específicas exigem trabalhadores adequadamente preparados, assim ocorre no plano terreno como no espiritual. O campo de proteção invisível também é um trabalho da espiritualidade, sustentado pelos obreiros terrenos, mesmo fora do alcance visual ou de compreensão de muitos, mas é fator de garantia de ambiente propício ao êxito da tarefa.

Some-se a essas instruções o processo de educação do Centro Espírita, que deve promover cursos regulares sobre as obras da Codificação, também grupos de estudos específicos, contemplando além de aspectos mediúnicos, filosóficos e científicos.
Não nos esqueçamos que a reunião mediúnica é um dos muitos trabalhos a serem desenvolvidos pelo Centro Espírita, devendo se somar a ações de caridade, que podem envolver lides específicas, tais como manter um casa de assistência ou asilo, como também efetuar atividades regulares de auxílio ao povo de rua, visitas a favelas, orfanatos, presídios, hospitais.
Para quem tiver interesse em se aprofundar sobre o estudo do tema, recomendo, além da leitura do Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, as obras: “Desobsessão”, de André Luiz, psicografia do nosso Chico Xavier; “O Centro Espírita” e “Mediunidade”, de J. Herculano Pires; e “Diretrizes de Segurança”, de Raul Teixeira e Divaldo P.  Franco.

Boa leitura e vibrações de luz para todos.

Princípio inteligente e consciência

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Individualidade, livre pensamento e livre consciência

O desenvolvimento da individualidade se inicia quando o princípio espiritual começa sua trajetória reencarnatória, ainda nos reinos mineral, vegetal e animal. Apesar de ainda não ter vida inteligente em completo, sua individualidade já começa a ser moldada.
A alma conserva a sua individualidade após a morte. Jamais a perde. Continua a ter fluido que lhe é próprio, haurido na atmosfera do seu planeta, e que guarda a aparência de sua última encarnação: seu perispírito. Nada leva consigo deste mundo, a não ser a lembrança e o desejo de ir para um mundo melhor, lembrança cheia de doçura ou de amargor, conforme o uso que ela fez da vida. Quanto mais pura for, melhor compreenderá a futilidade do que deixa na Terra. (L.E. 150)1
Após a morte, a alma dos animais (também) conserva a sua individualidade; quanto à consciência do eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente. (L.E. 598)1
Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus. (L.E. 597)1
A lei de Deus está escrita na consciência (L.E. 621)1 e, para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o espírito divino o animava. (L.E. 625)1
Será a liberdade de consciência uma consequência da de pensar? – A consciência é um pensamento íntimo, que pertence ao homem, como todos os outros pensamentos. (L.E. 835)1
Falece ao homem direito de pôr embaraços à liberdade de consciência, quanto com referência à liberdade de pensar, por isso que só a Deus cabe julgar a consciência. Assim como os homens, pelas suas leis, regulam as relações de homem para homem, Deus, pelas leis da natureza, regula as relações entre Ele e o homem. (L.E. 836)1
Que é o que resulta dos embaraços que se oponham à liberdade de consciência? – Constranger os homens a procederem em desacordo com o seu modo de pensar, fazê-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso. (L.E. 837)1
Será respeitável toda e qualquer crença, ainda quando notoriamente falsa? – Toda crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem. Condenáveis são as crenças que conduzam ao mal. (L.E. 838)1
Será repreensível aquele que escandalize com a sua crença um outro que não pensa como ele? – Isso é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensamento. (L.E. 839)1
Será atentar contra a liberdade de consciência pôr óbices a crenças capazes de causar perturbações à sociedade? – Podem reprimir-se os atos, mas a crença íntima é inacessível. Reprimir os atos exteriores de uma crença, quando acarretam qualquer prejuízo a terceiros, não é atentar contra a liberdade de consciência, pois que essa repressão em nada tira à crença a liberdade, que ela conserva integral. (L.E. 840)1
Se alguma coisa se pode impor, é o bem e a fraternidade. Mas não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja obrar com violência. A convicção não se impõe. (L.E. 841)1
Toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus não pode deixar de ser falsa e perniciosa. (L.E. 842)1
No contexto do livre pensamento e da livre consciência, o espírita é convidado a subordinar a crença à razão e libertar-se do jugo da fé cega. (R.E. 1867, pág. 33)2
O grande ensinamento que o Espiritismo nos traz é o desenvolvimento do senso crítico. Os pensamentos e a nossa individualidade são protegidos pelo direito do livre-arbítrio, mas é necessário ressaltar que a consciência sempre se constitui como nosso grande juiz.

Referências
1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.
2. ____. Revista Espírita.

(Jornal “O Clarim”, Outubro/2012)

Realeza

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(Caravaggio. Ecce Homo, 1605) (reprodução)

Ev. Cap. II – Item 4

(…) Tu o dizes: sou rei; não nasci e não vim a este mundo, senão para dar testemunho da verdade.

João, cap. XVIII, v.37.

A sombra coletiva sempre impõe aos homens e mulheres que lhe padecem as injunções, mediante aquela que lhes é própria, a disputa pela conquista dos lugares transitórios de proeminência e domínio no concerto social e na cultura de cada época, elevando os pigmeus atormentados que se notabilizam pelas excentricidades ou astúcias, perversidades ou heranças ancestrais para, deslumbrados e iludidos, exibirem o triunfo externo sobre as demais criaturas, embora, muitas vezes, sob os camartelos da frustração, do vazio existencial, das tormentosas ambições desmedidas.

Ser rei significava, no passado, a conquista de uma condição que se atribuía como divina, conforme os parâmetros da loucura, apresentando-se superior aos outros, que lhe deviam prestar subserviência, como se a sua fragilidade orgânica estivesse indene à presença do sofrimento, da solidão, da amargura, da velhice, da doença e da morte.

A exaltação do ego exacerbava-lhe os interesses e anestesiava-lhe o discernimento que, bloqueado, deixava a personalidade conduzir-se como se tudo à sua volta lhe devesse obediência e bajulação, crendo-se indestrutível…

Imaturos psicologicamente, tais indivíduos acreditavam nessa fantasia, disfarçando-se com indumentárias exóticas e nababas que, apesar disso, não lhes ocultavam as torpezas morais e torturas emocionais.

Frágeis, porém, sucumbiam ou eram despidos do poder mediante a mudança dos ventos políticos ou das paixões dos adversários que sempre vivem em disputas ferrenhas e doentias.

Ainda hoje é assim em todas as expressões comportamentais das variadas posições apresentadas pela política humana, seja na religião, na sociedade, na ciência, na educação, onde quer que se movimentem as criaturas sonhadoras vitimadas pelo jugo da sombra.

Pilatos representava, naquela circunstância, o poder temporal que o amarguraria depois, levando-o a sucumbir quando destituído mais tarde por outrem mais poderoso, ao sopro das anteriores brisas bonançosas que se transformaram em tempestades destruidoras.

A sua preocupação com Jesus estava assentada no medo de perder a governança, de ser vítima das contravenções que sustentava para manter o poder entre intrigantes e pérfidos que o vassalavam em expressivo número.

Diante daquele Homem compassivo e submisso, as suas projeções e receios desapareceram.

Ali não se encontrava um competidor vulgar, mas um triunfador sobre si mesmo, que não disputava nada porque já possuía o mais importante tesouro de paz.

Na sua fragilidade o condenado se apresentava forte e imbatível, amarrado e livre, lanhado e indiferente ao suplício, coroado de espinhos e nobre, ao mesmo tempo muito distante das questiúnculas miseráveis da sombra, cuja pergunta não poderia deixar de ser-Lhe feita: – És, pois, rei?

Desejava sabê-lo dEle próprio, porque os Seus inimigos O apresentaram como rei dos judeus, portanto, perigoso. A Sua resposta, porém, não deixava dúvida, ao afirmar que o Seu reino não é deste mundo.

Aturdido com aquela sinceridade e com o Seu desinteresse pelas mentiras terrestres, não poderia sopitar a curiosidade de saber mais, de dar largas à sombra, tranquilizando-se em seu trono de infantilidade e de jogos que o distraíam com prazeres doentios.

Jesus, profundamente livre, elucidou, por fim: – Não nasci e não vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade. Aquele que pertence à verdade escuta a minha voz.

A verdade espanca a sombra, ilumina a ignorância, liberta dos atavismos do inconsciente, é-lhe a chave única, preparando para a vida permanente, aquela que não se extingue com a presença da morte.

Jesus é o exemplo do ser integrado, perfeitamente destituído de um inconsciente perturbador. Todas as suas matrizes arquetípicas vêm da herança divina nEle existente e predominante.

A vida futura, portanto, é o delineamento essencial do Seu ministério, em razão da consciência da Sua realidade, por onde transita desde então, aprisionado ao corpo, mas inteiramente possuidor da faculdade de sintonia e contato com essa Causalidade.

A Sua trajetória é desenhada na certeza da vida espiritual, aquela que aguarda a todos, a que se insere no contexto das realizações, por ser fundamental na constituição dos ideais e das perspectivas da vida.

O Seu apostolado fixa-se no objetivo ôntico espiritual, no despojar dos condicionamentos e impregnações do trânsito corporal, que representa aprendizagem para alcançar a destinação que aguarda as criaturas terrestres.

Não houvesse a vida futura, nenhum significado existiria em Sua vida -, em todas as vidas – no esforço hercúleo para erguer o ser humano do seu primarismo e recomendar-lhe a incessante luta pela transformação moral, pela aquisição de mais apuradas percepções psíquicas, que se constituem elementos básicos para a constatação desse desiderato.

Essa meta, que deve ser alcançada, justifica todas as dificuldades e desafios existenciais, explicando a Justiça de Deus ante os acontecimentos humanos.

A ignorância dos contemporâneos de Jesus a respeito da vida espiritual era muito grande e ainda hoje existem teimosas resistências, que preferem aceitar o filósofo Jesus ao Embaixador de Deus, com a missão específica de derruir as barreiras que dificultam a compreensão da essencialidade da existência corporal, das lutas que devem ser travadas com otimismo, superando em cada uma delas os patamares por onde cada um transita, buscando mais elevado nível de realização interior.

Para aqueles indivíduos, as compensações eram imediatas, como consequência de uma vida saudável ou não, em forma de privilégios ou de desditas, e remotamente examinando a possibilidade de uma variante eterna, de que tinham pouquíssimo ou praticamente nenhum conhecimento.

Submetidas as revelações proféticas aos impositivos históricos e culturais das necessidades prementes pelas quais lutavam, não havia realmente preocupação com o mundo causai, com a face espiritual profunda do ser em si mesmo. Por isso, contentavam-se com as suas querelas, ambições e correspondentes resultados terrestres.

Em razão desse limite de entendimento, o Homem—Jesus evitou aprofundar as lições libertadoras, oferecendo aquela que é essencial e está sintetizada no amor sob todos os pontos de vista considerado, preparando o advento de uma futura Nova Era, que se apresentaria através da expansão dos fenômenos mediúnicos, com o advento da Psicologia Espírita defluente da Doutrina codificada por Allan Kardec.

Jesus é o rei desse mundo real, que se manifesta através d’Ele em cada momento, que transcende ao convencional e habitual, de cujo entendimento, e somente assim, tem sentido a existência corporal, portanto, acima dos interesses e disputas mesquinhas do que é transitório e onde fermentam as paixões.

Ele aceitaria uma coroa de ironia, porque não necessitava de nenhuma que lhe cingisse a cabeça, pois que a Sua era uma trajetória superior, sem enganos, sem prejuízos, e Sua governança permanecia após a morte do corpo físico, sem vicissitudes, sem malquerenças.

Além das formulações corriqueiras e comezinhas está sempre presente a Sua realeza e todos a bendizem, conformam-se com ela e pretendem alcançá-la, por sua vez, a fim de não experimentarem angústia ou perturbação, ansiedade ou desequilíbrio.

O cetro e a coroa que expressam o Reino de onde Ele veio e para onde deseja conduzir as Suas ovelhas como Pastor gentil que irá apresentá-las ao Supremo Criador, é o amor que encerra as mais completas aspirações existenciais do ser humano.

Nele não há lugar para condutas extravagantes e exigências descabidas; antes proporciona segurança de si mesmo no desempenho dos programas e condutas que a cada um dizem respeito.

Hálito divino, vibração que equilibra o Universo, o amor é a essência fundamental para a vida sob qualquer forma em que se expresse, liame de vinculação de todas as formas vivas com a sua Fonte Geradora.

Graças a essa energia constante que pulsa no Cosmo, se apresenta como identificação harmônica com as demais expressões de vida, em um verdadeiro hino de louvor e de engrandecimento ao Psiquismo Divino que a concebeu e elaborou.

Integrando as moléculas como condição de força de atração para a formação do conjunto, no ser humano é o sentimento mais profundo de afetividade que fomenta a felicidade e desenvolve o progresso, transformando a face áspera do planeta e desgastando as arestas das imperfeições que predominam em a natureza animal, a fim de se revelar em plenitude aquela outra que é de ordem espiritual.

Foi esse Reino de amor que Jesus-Homem veio instalar na Terra. Dessa forma, sem rebuços contestou ao interrogante atormentado, sob o impacto da sombra, envolvido pelo seu lado escuro da personalidade doentia: – Sou rei; não nasci e não vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade – que na sua definição profunda e penetrante é Deus.

(FRANCO, Divaldo P., médium, ÂNGELIS, Joanna de, Espírito. Jesus e o Evangelho – à Luz da Psicologia Profunda. Salvador, BA: Livr.Espírita Alvorada, 2000, 2ª ed., pp.27-32)

Comentário:

A sombra coletiva fortalece a ilusão de que o sujeito deva se sobrepor sobre os outros por astúcia, perversidade, status, posição de poder, títulos de nobreza etc., referências efêmeras deste mundo, que em geral não se apoiam em edificação moral ou emocional. Trata-se de modos de exaltação do ego, distanciando a pessoa da verdade e prolongando sua imaturidade psicológica.

Jesus se distingue de Pilatos, na medida em que o Nazareno é o sujeito que triunfou sobre si mesmo, venceu as amarras do ego, ingressando na esfera de uma paz que as disputas de poder terrena jamais poderiam perturbar. Pilatos, por seu lado, encarna a sombra coletiva dos poderosos da Terra, figura do poder temporal, dos tesouros materiais, da força política, que se assenta nos permanentes esforços para manter seu poder, em meio ao constante medo de sua perda. O reino terreno vive de laços efêmeros e de reverências fúteis, enquanto o reino divino não se apega às convenções temporárias, situando-se acima de disputas e paixões transitórias.

A verdade, via de enfrentamento da sombra, é o caminho do autoconhecimento, que permite o domínio das paixões doentias e dos valores efêmeros do plano material. A verdade para o Espírito se afirma pelo conhecimento de que há vidas futuras, em que a qualidade das experiências humanas se define pelos méritos acumulados e pelos esforços empreendidos na senda do bem, que tem em Jesus sua referência fundamental.

Em essência, o mal não existe; as manifestações humanas é que usam a energia e a consciência puras para realizar criações com características que não são boas para o indivíduo ou para a coletividade.

Jesus nos ensina o amor, essência da vida, inscrito em cada átomo, em cada expressão de vida, em cada ser.

É o amor, expressão de Deus e dos exemplos de Jesus, que sustenta o mais profundo sentimento de afetividade, o roteiro de evolução e de felicidade do Espírito.

Referências:

 ZWEIG, C. e ABRAMS, J. Ao Encontro da Sombra, São Paulo: Cultrix, 2012.

O reino

 

627px-caravaggio_-_taking_of_christ_-_dublin_-_2(Caravaggio, A captura de Cristo, 1602) (Reprodução)

Ev. Cap. II – Item 2

O meu reino não é deste mundo.

(João, c.XVIII, v.36)

O mundo, examinado sob a óptica teológica à luz da psicologia profunda, é um educandário de desenvolvimento dos recursos espirituais do ser em trânsito para o reino dos Céus.

Do ponto de vista teológico ancestral, é possuidor de um significado secundário e perturbador para o Espírito, que o deve desprezar e mesmo odiá-lo.

Essa visão originada no Cristianismo primitivo, encontrou, na ignorância medieval, o seu apogeu, estimulando os crentes a renunciá-lo, deixando o corpo consumir-se pelas enfermidades degenerativas e pelo abandono a que era relegado como passaporte para a glória celeste.

À medida que a sombra coletiva, no seu caráter universalista, começou a dissipar-se em razão dos avanços do conhecimento, a dicotomia em torno do mundo e do Reino deixou de ser separada por um imenso abismo, graças à ponte da lógica e da razão que foi colocada entre as duas bordas, facilitando a comunicação, o acesso de quem desejasse transferir-se de um para o outro lado.

Fosse o mundo apenas um vale de lágrimas, ou a região de dores infernais, defrontaríamos um absurdo ético, ao analisarmos a Divindade com todos os atributos da Perfeição, atirando criaturas psicologicamente infantis e desequipadas em uma experiência impossível de ser vivenciada com dignidade e elevação. Quaisquer exceções que ocorressem, se apresentariam como portadoras do transtorno masoquista, que haviam elegido a desdita e o infortúnio, a fim de alcançarem a glória como compensação pelas dores sofridas. Seria uma conquista difícil de ser conseguida pelo ser humano, constituindo um paradoxo na área da razão e do bom senso, face ao impositivo de que o sofrimento é o caminho único para facultar o equilíbrio e o júbilo.

Isso constituiria a morte do amor, o aniquilamento da esperança e a destruição da caridade.

Em nenhum momento, o Homem-Jesus anuiu com essa ideia ou fez algum pronunciamento que pudesse dar validade a esse conceito absurdo e cruel, desnaturando a magnanimidade de Deus,

O mundo tem as suas características e legislação, condutas e ética ainda imperfeitas, certamente, mas que se aprimoram à medida que o ser humano se aperfeiçoa e adquire equidade, enobrecimento.

Eleger a Deus antes que ao mundo, ressaltam inúmeras passagens neotestamentárias, sem que isso signifique detestar um a benefício do outro.

Para que houvesse esse procedimento evolutivo e qualitativamente ocorressem transformações incessantes, Jesus veio viver nele, participar das suas conjunturas, abençoar as suas paisagens, ensinando como transformar os fatos constritores, limítrofes, em linhas direcionais para o Bem, ante a inevitabilidade do fenômeno da morte física.

A Sua é uma doutrina toda alicerçada nas expressões imortalistas, na vida futura que a todos aguarda, propiciando a conquista desse desiderato mediante a autotransformação, a elevação de propósitos, a eleição de metas significativas e profundas.

Jesus jamais se escusou de participar do convívio social conforme as regras do mundo, e quando não foi recebido conforme os preceitos legais na casa de Simão, o fariseu, que O convidara para um almoço, censurou essa conduta ignóbil, exaltando a mulher que abandonava a sombra e sublimava a libido pervertida, lavando-Lhe os pés e os enxugando com os seus cabelos…

Igualmente aquiesceu jovialmente em receber Nicodemos, que era doutor da Lei e autoridade do Sinédrio, para uma entrevista, desvendando-lhe a incomparável Lei dos renascimentos corporais como necessários para entrar no reino dos Céus, e assim integrar-se no concerto cósmico.

Visitou com alegria mais de uma vez os samaritanos vitimados pelos preconceitos dos judeus, e, por sua vez, reacionários àqueles, divulgando nos seus sítios a estratégia para a felicidade na vida espiritual, que é verdadeira.

Tomou parte da sua a família de Lázaro, da Betânia, aceitando as gentilezas de Maria e advertindo com bonomia a preocupada Marta.

Em momento nenhum levantou a Sua voz para maldizer o mundo, para condená-lo; antes propunha respeito e consideração pela sua estrutura conforme Ele próprio se comportava, comedido e afável.

Mas que o Seu reino não era deste mundo transitório, relativo, material, é, por definitivo, uma grande verdade. Ele viera para que os homens conhecessem a realidade, estes que, de origem pastoril e nômade, não tinham, ao tempo de Moisés, condição para entendê-la, necessitando, antes, do rigor de leis severas a fim de comportar-se com equilíbrio após sucessivos períodos de escravidão, nos quais amolentaram o caráter, a conduta, a existência sem ideal de crescimento e dignificação.

Na visão da Psicologia Profunda, embora Ele se referisse às Esferas de onde procedia, o Seu Reino também eram as paisagens e regiões do sentimento, onde se pudessem estabelecer as bases da fraternidade, e o amor unisse todos os indivíduos como irmãos, conquista primordial para a travessia, pela ponte metafísica, do mundo terrestre para aquele que é de Deus e nos aguarda a todos.

Humanizado, Ele enfrentava os desafios e compreendia a sombra que pairava sobre o discernimento das pessoas, qual ainda ocorre na atualidade expressivamente.

A ignorância da realidade predomina nos jogos dos interesses servis, deixando sempre os seus áulicos profundamente frustrados por não encontrarem neles tudo quanto creem necessitar para estarem em harmonia.

Essa busca de coisa nenhuma, a que se atribui demasiado valor, sempre conduz à solidão, ao desespero, ao vazio existencial, perturbando as melhores aspirações de beleza e de realização pessoal.

Não foram poucos os indivíduos que desejavam instalar aquele Reino por Ele anunciado no próprio coração. Fascinavam-se com a Sua eloquência, com a lógica da proposta libertadora e logo recuavam, ante um mas, que abria condição para optar pelos interesses das paixões a que estavam acostumados, iludindo-se quanto a improváveis possibilidades de retornarem ao Seu convívio.

Um jovem queria segui-lo e era rico. Sensibilizado, afirmou que deixaria tudo e até mesmo daria os seus bens aos pobres pela alegria de O acompanhar, mas, naquele momento, tinha outros compromissos que pretendia atender, após os quais se resolveria pelo que fazer corretamente. E se foi…

Outro moço sintonizou com o Seu chamado, experimentou a sensação indizível da Sua presença harmônica, mas, seu pai havia morrido e ele estava obrigado a sepultá-lo, escamoteando o motivo real, que era receber a herança, e também se foi…

Dez leprosos haviam recebido o Seu aval para a recuperação orgânica, e seguiram jubilosos, cantando hosanas, mas, só um voltou para agradecer, e não se sabe se ingressou nas fileiras da Boa-nova, porque outros objetivos o esperavam. E também se foi…

A multidão que O exaltou no momento da entrada triunfal em Jerusalém, desapareceu aos primeiros sinais de luta, abandonando o entusiasmo e os planos acalentados, mas, anelavam por coroá-lO seu rei. E se foram…

…E o Seu reino não é deste mundo, onde os homens se transformam em chacais para tripudiarem e disputarem as carnes dilaceradas e em decomposição das presas que foram vencidas.

O mas, em relação a Jesus, é predomínio da sombra que paira nessa demorada infância psicológica dos indivíduos como pessoas e das massas como agrupamentos.

Esse mas foi utilizado contra Ele pelos seus argutos e astutos adversários, que O admiravam, mas O invejavam, assacando então calúnias odientas, informando que Ele era representante de Satanás ante a impossibilidade de realizarem o que Ele fazia.

Suas palavras eram sábias, todos as reconheciam assim, mas, o despeito e a sordidez moral, levava-os a deformá-las com declarações de que não correspondiam à tradição nem ao orgulho da raça, que desprezava os gentios, todos os não judeus. E Ele era judeu… Assim mesmo O crucificaram tomados pela sombra coletiva neles dominante.

Ele conhecia Herodes e Pilatos, Anás e Caifás, títeres do povo e dominadores de um dia no mundo que lhes parecia pertencer por um pouco, mas que perderiam pelo exílio, pela desonra política, pela morte, enquanto Ele o vivenciara com grandeza moral, a fim de alar-se ao reino dos Céus que, sem dúvida, começa aqui neste mundo.

A psicologia profunda, metodológica e analítica, vê Jesus, o Homem, como triunfador, tirando dEle o que a ingenuidade cultural dos primeiros tempos, havia-Lhe atribuído, como sendo Deus, Seu filho Unigênito, para situá-lO no nobre lugar de Conquistador, que enfrentou todos os desafios e os venceu com afabilidade e energia, na Sua realeza moral, porque viera para lançar o hífen de luz entre as sombras do mundo e as Esferas de incomparável claridade.

…E Ele respondeu a Pilatos: – O meu reino não é deste mundo, pondo-o ao alcance de todos aqueles que o desejem alcançar, havendo nascido na Terra, para dar o Seu testemunho.

(FRANCO, Divaldo P., médium, ÂNGELIS, Joanna de, Espírito. Jesus e o Evangelho – à Luz da Psicologia Profunda. Salvador, BA: Livr.Espírita Alvorada, 2000, 2ª ed., pp.21-26)

Comentário:

A sombra personifica tudo que o sujeito não deseja encarar de si mesmo.

A sombra pessoal desenvolve-se naturalmente em todas as crianças. À medida que nos identificamos com as características ideais de personalidade (tais como polidez e generosidade) que são encorajadas pelo nosso ambiente, vamos formando aquilo que W. Brugh Joy chama o “eu das decisões de Ano Novo”. Ao mesmo tempo, vamos enterrando na sombra aquelas qualidades que não são adequadas à nossa auto-imagem, como a rudeza e o egoísmo. O ego e a sombra, portanto, desenvolvem-se aos pares, criando-se mutuamente a partir da mesma experiência de vida (Zweig e Abrams, Introdução: O lado da sombra na vida cotidiana in Zweig e Abrams, Ao Encontro da Sombra, São Paulo: Cultrix, 2012, pp.15-16).

Já a sombra coletiva, esta refere-se à maldade humana — nos encara de praticamente todas as partes: ela salta das manchetes dos jornais; vagueia pelas nossas ruas e, sem lar, dorme no vão das portas; entoca-se nas chamativas sex-shops das nossas cidades; desvia o dinheiro do sistema de financiamento habitacional; corrompe os políticos famintos de poder e perverte o sistema judiciário; conduz exércitos invasores através de densas florestas e áridos desertos; vende armamentos a líderes ensandecidos e repassa os lucros a insurgentes reacionários; por canos ocultos, despeja a poluição em nossos rios e oceanos; com invisíveis pesticidas, envenena o nosso alimento (Zweig e Abrams, op. cit., p.19).

O processo civilizatório infere diferentes contrastes e problemáticas, que podem levar a sociedade a inúmeras doenças de origem social.

Reconhecer a própria sombra é um fator de fortalecimento da pessoa, colaborando em sua luta contra a opressão coletiva, pois tanto a sociedade quanto o Estado extraem suas qualidades da condição mental de seus indivíduos.

Vale frisar que a harmonia entre o consciente e o inconsciente para Jung é alcançada através do que ele denominou processo de individuação, uma experiência de vida irracional que se expressa por símbolos. No processo terapêutico, este processo pode envolver diferentes tipos de trabalho, como análise de sonhos, produção e interpretação de mandalas, desenhos, modelagem, atividades corporais etc.

Referências:

 JUNG, C.G. A luta com a sombra.

ZWEIG, C. e ABRAMS, J. (orgs.), Ao Encontro da Sombra, São Paulo: Cultrix, 2012.

Soberanas leis

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(Reprodução)

Ev. Cap. I – Item 3

Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas… (Mateus, cap.V, v.17)

A Lei natural, que vige em todo o Universo, é a de Amor, que se exterioriza de Deus mediante a Sua criação.

O Cosmo equilibra-se em parâmetros de harmonia inalterada, porque procede de uma Causalidade inteligente que tudo estabeleceu em equilíbrio.

Essa ordem espontânea é sempre a mesma em toda parte, expressando-se como modelo para a conquista integral de todas as coisas, particularmente do Eu profundo, que dorme em latência nos seres aguardando os fatores propiciatórios à sua manifestação.

No começo é a sombra dominante, geradora de impulsos automáticos, inconscientes, herança dos períodos primeiros da evolução, quando se instalaram no psiquismo os instintos primários, que remanescem em controle das atividades dos processos de crescimento. Inconsciente da sua realidade imortal, o ser é atraído para a Grande Luz libertadora, experimentando os embates internos que o desalojam da concha vigorosa onde se encarcera, facultando-lhe os primeiros voos do discernimento e da razão com promessas de plenitude.

Com efeito inevitável, a inspiração superior vem trabalhando em nome dessa Lei, para que o Espírito modele as asas para a ascensão, através de disciplinas morais e sociais, mediante as quais aprende a dominar os impulsos e racionalizá-los, para que no futuro consiga introjetar o sentimento profundo do amor e, mergulhado conscientemente na Lei Natural, consiga utilizar-se da intuição ou comunicação direta com o Pensamento Universal espraiado em toda parte, ascendendo aos planos da felicidade que almeja.

Moisés houvera estabelecido por inspiração e observação os códigos essenciais ao processo de libertação da sombra e elaborou o Decálogo conduzido pelo Psiquismo Divino tornando-o indestrutível, paradigma para todas as demais leis, por conter em essência o fundamento do respeito a Deus, à vida, aos seres em geral e a si mesmo em particular.

À época, caracterizada pela predominância da sombra coletiva, tornava-se indispensável que ficassem estabelecidas trajetórias de grande vigor, mediante o processo avançado em relação à Lei de talião, aquela que punia conforme o tipo de delito praticado: olho por olho, dente por dente

O ser humano compreendia que a amputação de um membro que houvera delinquido não correspondia a uma medida de justiça, mas sim de vingança, porque, afinal, não é o órgão que injuria, que comete o delito, mas sim é o ser pensante que transfere a atribuição da responsabilidade, propondo outro tipo de correção.

A reeducação passou a ser a medida própria para reabilitar o infrator, antes que para destruir-lhe a existência corporal ou parte dela.

Desde o primeiro código moral e legal, conhecido e exarado na estela de pedra por Hamurabi, que ficaram os primeiros sinais de respeito pela vida e pelos seres humanos, embora a dominação arbitrária dos poderosos em trânsito para o túmulo, sempre vitimados pela sombra que neles era a característica essencial.

Jesus, o Homem excelente, chegou à Terra e defrontou a ignorância em predomínio trazendo a mensagem de amor que jamais fora apresentada antes na formulação de que Ele se fazia portador.

O amor era considerado sentimento feminino, próprio da fragilidade atribuída à mulher, porque se ignorava a força existente na anima que existe em todos os homens, prepotentemente submetidos ao férreo jugo da brutalidade. Da mesma forma, o animus que compõe psicologicamente o ser feminino era propositalmente ignorado, a fim de não ser vítima de punição, que atribuía à mulher culpa e responsabilidade pelo delíquio inicial do homem, portanto, a degradação de toda a Humanidade.

Esse barbarismo conceptual encontrava a sua extravagante inspiração na Bíblia, interpretada de forma conveniente e dominadora em desserviço das admiráveis imagens que revestem o pensamento original e podem ser decodificadas pela moderna Psicologia Profunda, como também pela psicanálise, retirando os mitos nela existentes e configurando os arquétipos que prosseguem no inconsciente individual e coletivo de todas as criaturas humanas.

Jesus não foi o biótipo de legislador convencional. Ele não veio submeter a Humanidade nem submeter-se às leis vigentes. Era portador de uma revolução que tem por base o amor na sua essencialidade mais excelente e sutil, e que adotado transforma os alicerces morais do indivíduo e da sociedade.

Ao do Seu tempo eram leis injustas e condenatórias, punitivas e impiedosas, que viam o ser humano apenas como um animal passível de domesticação, e quando se lhe patenteava a rebeldia, tornava-se merecedor de extermínio para o bem da sociedade. Mormente que as paixões da sombra, envolvente dos legisladores e seus tribunais, sempre preponderavam nas decisões criminosas, não menos merecedoras de reparação do que aquelas que pretendiam justiçar.

A superioridade espiritual e moral de Jesus entendeu a necessidade, não a primazia desse código perverso, e submeteu-se, pois que Ele viera também para dar exemplo dos postulados que recomendava, considerando respeitáveis os profetas e legisladores que estabeleceram essas leis nos seus respectivos períodos. Todavia, Ele trazia uma nova versão da realidade, centrada no ser imortal, procedente do mundo espiritual e a ele volvendo, o que alterava a estrutura da justiça, que não mais deveria ser punitiva-destrutiva, mas educativa-reabilitadora.

O ser humano erra por ignorância ou rebeldia, sob os estímulos do ego autodefensor, sem conhecimento profundo do significado existencial, do valor de si mesmo.

Mergulhado em sombra, esse lado escuro da personalidade sobressai-se e impulsiona a ações que estão destituídas da razão e da compaixão, desnaturadas nas bases e dominantes na essência.

O ensinamento de Jesus fundamenta-se na evolução do Self, iluminando a sombra e vencendo-a.

Ele vem buscar o ser humano no abismo em que se encontra, priorizando os valores éticos e espirituais e deixando à margem as compensações egóicas, porque aquele que já desfrutou de felicidade e não a soube repartir com o seu próximo, terá menos possibilidade de fruí-la depois da vida física.

Todos os objetivos da Boa-nova que Ele trouxe centram-se no futuro do Espírito, na sua emancipação total, na sua incessante busca de Deus.

Tornando-se o Caminho, a Sua é a Verdade que conduz à Vida, à plenitude, ao armazenamento de sabedoria e de amor.

Na conquista desse objetivo, não importam os preços e testemunhos, os impositivos das legislações, mesmo quando arbitrárias e injustas, porque são transitórias. No entanto, diante da Consciência Cósmica, a escala de valores é feita mediante condutas essenciais, aquelas que são do ser em si mesmo responsável e assume as consequências dos seus hábitos perante a vida.

Todo o Seu verbo está exarado em linguagem programada para resistir aos tempos de evolução do pensamento e abrir espaços para as repercussões sociológicas e espirituais, éticas essenciais e morais seguras através dos diferentes períodos da Humanidade.

Ocultando grandes verdades em símbolos compatíveis com a compreensão do momento, utilizou-se com sabedoria dos conteúdos dos hábitos diários para compor o mais admirável hino de louvor à vida de que se tem conhecimento.

Suas parábolas, argamassadas com o cimento das lições do cotidiano, são discursos para todos os períodos do desenvolvimento sócio-psicológico das criaturas. Não obstante, fez grandes silêncios em torno de verdades mais transcendentes que poderiam ser desnaturadas por falta de amadurecimento evolutivo e psicológico dos Seus coevos, impossibilitados mesmo de registrar o pensamento, que sofreria, inevitavelmente, mutilações, adaptações, adulterações de acordo com os interesses vigentes em cada estágio da evolução.

Tornava-se, por outro lado, necessário que a ciência pudesse corroborar-Lhe os postulados, oferecendo à razão os meios de aceitação compatíveis com as exigências do sentimento destravado das leis vigorosas e primitivas, bem como dos dogmas que as substituiriam, tão perversos quanto as mesmas, a fim de manterem as mentes submetidas aos interesses das religiões e dos Estados ultramontanos.

Pelo mecanismo inevitável e incoercível das reencarnações, missionários do Bem e da Luz periodicamente mergulhando no corpo esbatiam a sombra coletiva, libertando o ser daquela que nele predominasse, mediante o esforço de adaptação às conquistas da inteligência e da emoção.

Na perspectiva, portanto, da psicologia profunda, a Lei de amor está inserta no ser legítimo, trabalhando-o sem cessar face ao fatalismo da evolução nele predominante, ao tempo em que os conceitos de imortalidade, de comunicabilidade do Espírito após a morte e da reencarnação pudessem receber o aval da Ciência investigadora, abrindo novos horizontes para o amadurecimento psicológico, gerador da felicidade humana.

Por isso, o enunciado de Jesus: Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas, é de significado relevante e essencial, ensinando que, mesmo diante de leis injustas e imposições apaixonadas, o ser lúcido não deve criar embaraços ou temer as injunções negativas, porquanto, na sua liberdade interior, nada de fora consegue alcançá-lo realmente, exceto a sabedoria da Lei Natural inserta na sua consciência.

(FRANCO, Divaldo P., médium, ÂNGELIS, Joanna de, Espírito. Jesus e o Evangelho – à Luz da Psicologia Profunda. Salvador, BA: Livr.Espírita Alvorada, 2000, 2ª ed., pp.15-20)

Comentário:

A Lei de Amor está inscrita em toda a obra de Deus, desde o átomo, passando pelo vasto e infindo Universo, até o íntimo de cada criatura, de cada forma de vida, de cada pessoa.

Ao esclarecer que “Não penseis que eu venha destruir a lei ou os profetas”, Jesus reafirma a essência da Lei de Amor, presente desde os primórdios dos ensinamentos judaico-cristãos.

Carl G. Jung usou os arquétipos – termos presentes na filosofia clássica – para descrever as estruturas universais provenientes do inconsciente coletivo, mas também presentes na constituição psíquica de cada indivíduo.

Para Jung, a psique é um sistema fechado, que tende a se auto-regular.

Persona – arquétipo da conformidade. Trata-se da máscara social ou da fachada ostentada publicamente com a intenção de provocar uma impressão favorável a fim de que a sociedade o aceite.

Sombra – arquétipo que contém uma grande quantidade da natureza animal, resistente, que possui ímpetos que precisam ser domados, não sendo possível eliminá-los.

Anima e Animus – Enquanto a Persona é “face externa” da psique, o ser humano tem sua “face interna”, que Jung denominou de anima nos homens e de animus nas mulheres. O arquétipo de anima constitui o lado feminino da psique masculina; o arquétipo de animus compõe o lado masculino da psique feminina. Toda pessoa possui qualidades do sexo oposto, não somente no sentido biológico de que tanto o homem quanto a mulher secretam hormônios masculinos e femininos, mas também no sentido psicológico das atitudes e sentimentos.

Referências

CAVALCANTI, Tito R.A. Jung. Coleção Folha Explica. São Paulo: Publifolha, 2007.

HALL, C.S. e NORDBY, V.J. Introdução à Psicologia Junguinana. São Paulo: Cultrix, 8ª ed., 2005.

A religião espírita

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O Espiritismo é uma religião que vem apontar à humanidade novos caminhos em sua marcha para a Perfeição. Como suas irmãs mais velhas, traz-nos também um conjunto de revelações que contribuem para desenvolvermos o sentimento e para nosso aprimoramento moral.

A Religião Espírita inicia um movimento espiritual que visa:

1ª – Despertar no homem a certeza da imortalidade da alma.

2ª – Libertar a consciência humana.

3ª – Revelar a evolução permanente a que estão submetidos todos os seres.

4ª – Explicar racionalmente o Evangelho de Jesus.

Despertando a certeza da imortalidade de nossa alma, a Religião Espírita nos demonstra de onde viemos ao reencarnarmo-nos, para que fim viemos à Terra e para onde iremos após nosso desencarne.

Iniciando a libertação da consciência humana, a Religião Espírita livra-nos dos dogmas, da incerteza ante o futuro depois da morte do corpo físico, descerrando-nos os horizontes vastos do porvir, cheios de vida, de beleza e de amor. Mostramos a Terra como uma escola abençoada, onde através do trabalho digno, do estudo sério, de uma vida honesta, do sofrimento suportado resignadamente, conquistaremos os dotes imperecíveis da Perfeição. Ensina-nos que depois da morte, isto é, do desencarne, não devemos ficar submersos na materialidade terrena, mas devemos continuar a lutar nobremente para atingirmos zonas mais aperfeiçoadas da vida.

A Religião Espírita revela-nos que todos os seres, do mais Ínfimo ao mais elevado, estão sujeitos à lei da evolução. Tudo evolve em busca de formas mais perfeitas, de vidas mais sublimes.

E por fim a Religião Espírita nos explica racionalmente o Evangelho de Jesus, fazendo dele a lei moral que devemos observar em relação para com Deus, para com nossos semelhantes e para conosco mesmos.

A Religião Espírita não é nada mais nada menos do que a restauração na face da terra do Cristianismo em toda sua simplicidade e pureza primitivas. Por isso seus templos são modestos, simples, singelos; não são templos de pedra a exprimirem a força da matéria triunfante; mas são locais de reuniões que convidam os homens a se libertarem, por instantes, da materialidade da vida diária e comungarem com a Espiritualidade Superior.

A Religião Espírita não tem aparatos, nem pompas, nem suntuosidades, nem dogmas de espécie alguma. Tudo o que prega e o que ensina é facilmente compreendido por qualquer inteligência, mesmo pelas pouco cultivadas, uma vez que haja boa vontade e sadio interesse em aproveitar as lições.

A Religião Espírita é constituída de duas partes que se entrosam harmoniosamente que são: o Cristianismo que é a doutrina de Jesus explanada em seu Evangelho; e o Espiritismo que é a doutrina dos espíritos.

O Evangelho modela-nos o caráter; disciplinando-nos o sentimento.

O Espiritismo mostra-nos o caminho percorrido e o ainda a percorrer em nossa marcha evolutiva.

(RIGONATTI, E. O Espiritismo Aplicado. São Paulo: Pensamento, 11ª ed., 1997, p. 51-52)

A prisão mental

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É preciso que resguardemos nossa mente das idéias fixas, opressivas, aviltantes; o máximo de cuidado se nos impõe contra elas; constituem verdadeiros cárceres mentais e conquanto o indivíduo tenha seu corpo físico em liberdade, seu espírito jaz prisioneiro dessas idéias.
Levadas ao extremo, transformam-se em pensamentos desvairados e torturados que desequilibram a mente, produzindo, por vezes, a loucura.
Idéias fixas formam-se de um amontoado de pensamentos inferiores e desordenados, tendentes a um único fim.
Tudo quanto o indivíduo faz, pensa, ouve ou vê outros fazerem, encaminha para a ideia fixa que o obsessiona.
Das idéias fixas originam-se os crimes e as desmedidas ambições que, frequentemente, levam a pessoa à ruína.
Idéias opressivas são constituídas por pensamentos pessimistas, angustiosos, de desânimo, de desalento, enfim, de medo ante a vida.
Se não forem atalhadas a tempo, as idéias opressivas desorganizam os centros nervosos, gerando consequências imprevisíveis.
Idéias aviltantes são compostas de pensamentos inferiores que conduzem o indivíduo à prática de vícios.
É imprescindível lutarmos contra as idéias fixas, as opressivas e as aviltantes que nos encarceram a mente.
Para isso devemos praticar a higiene mental que consiste em livrarmos nosso cérebro de todos os pensamentos impuros e malignos que nele se quiserem acolher ou formar.

(RIGONATTI, E. O Espiritismo Aplicado. São Paulo: Pensamento, 11ª ed., 1997, p. 61)