Vacas gordas e magras

(Pixabay (Reprodução))

Coisa semelhante aconteceu a José, no Egito, uma das histórias mais conhecidas da Bíblia e que tem servido de tema para livros, poemas, filmes e peças de teatro.

José, menino rejeitado pelos seus próprios irmãos, chegou ao Egito como escravo. Quando servia na casa de Putifar, um dos grandes do império, foi assediado pela mulher de seu patrão que queria seduzi-lo. José resistiu com dignidade, mas acabou envolvido numa trama que ela armou para incriminá-lo, embora o rapaz fosse inocente. Condenado à prisão, José revelou entre os detentos seus dons mediúnicos, especialmente na difícil arte de interpretar sonhos.

Ora, certa noite o Faraó teve o famoso sonho das sete vacas gordas, que saíam do rio Nilo e depois eram devoradas por sete vacas magras. Acordou impressionado e, adormecer de novo, sonhou com sete espigas graúdas e sadias que eram consumidas por sete espigas raquíticas e míseras.

Ninguém conseguiu interpretar a contento o sonho do Faraó, até que alguém se lembrou de José, que cumpria pena por crime que não praticara. Mandaram chamá-lo e ele disse que, em realidade, o sonho era um só, isto é, ambos traziam a mesma mensagem: o Egito iria passar por sete anos de abundância nas colheitas – que sempre estiveram e ainda estão na dependência das enchentes do rio. Daí porque, no sonho, as vacas saíam do Nilo. Após sete anos de fartura, viriam sete de penúria e fome, simbolizados nas vacas magras e nas espigas secas e mirradas que devoravam as maiores.

Bastava, portanto, acrescentou José, plantar e colher tudo quanto pudessem os trabalhadores do campo e armazenar a colheita cuidadosamente, durante os sete anos fartos e esperar tranquilamente a escassez. Se a administração desse plano fosse entregue a alguém de confiança e competência, não haveria como errar.

Prontamente, o Faraó convidou José para assumir o posto de primeiro ministro e confiou-lhe a execução do plano, que deu certo, como previsto.

Pode o leitor desconfiado ou descrente achar que a interpretação era óbvia por si mesma, sem necessidade de nenhuma faculdade e, consequentemente, de nenhum fenômeno. Será? Tenho minhas dúvidas. Imagine-se o leitor perante a situação. Teria acertado com tamanha precisão com a mensagem contida no sonho do Faraó, depois que tantas e eminentes personalidades habituadas a este tipo de trabalho fracassaram na sua interpretação?

Ficamos ainda com mais uma alternativa: a de que José decifrou o enigma por mero exercício de intuição. É possível. O certo é que, segundo nos ensinam os instrutores espirituais, intuição é uma das modalidades mais sutis e aperfeiçoadas de mediunidade. Já as de efeito físico são de natureza mais grosseira, porque exigem um componente físico, uma participação da matéria contida no ectoplasma, substância produzida pelos médiuns especializados nesse fenômeno e sem o qual é praticamente impossível aos espíritos mostrarem-se à visão normal das pessoas não dotadas de vidência.

Qualquer que seja a nossa opinião, o certo é que José saiu diretamente da prisão para o mais alto cargo de confiança na hierarquia política do Egito, país no qual ainda era considerado um ex-escravo estangeiro.

Exerceu o poder com reconhecida competência e eficácia. Acabou entrando para a história, que, afinal de contas, ajudou a fazer.

Num dos seus fascinantes livros, O Chanceler de Ferro, J. W. Rochester (Espírito) conta, por psicografia da Sra. Wera Krijanowski, a história de José, que o autor espiritual caracteriza como pessoa iniciada em profundos segredos da magia e, consequentemente, da mediunidade, tal como era então conhecida e praticada. Se o leitor ainda não teve oportunidade de ler esse livro, faça-o. Terá muito em que pensar. A despeito da glamourização que lhe empresta o texto bíblico, José não era um sujeito muito fácil, segundo nos assegura Rochester.

Enfim, tudo isso que estamos aqui a comentar está ligado ao exercício de muitas mediunidades atribuídas aos seres humanos e, por conseguinte, às muitas maneiras de sob as quais se apresenta o fenômeno mediúnico que constitui objeto de nossa conversa.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 36-38)