A Ciência

Carlos Toledo Rizzini

1.São numerosos os que não compreendem as relações de origem existentes entre Ciência e Espiritismo. Disso decorre o desagrado que manifestam em face da atitude negativista de muitos cientistas e diante de certas doutrinas científicas, como a Psicanálise.

No entanto, é injustificável a crítica ao trabalho científico e ao direito de descrer dos cientistas. O Espiritismo é o produto do clima de liberdade intelectual que a Ciência instaurou e que promanou do método experimental, que ela desenvolveu desde o século XVII, com Galileu. “Por isso é que a revelação tomou um caráter científico”, esclarece Leon Denis. Não fossem as circunstâncias da atividade científica e não teríamos a Doutrina Espírita; o tipo mesmo de verdade que o Espiritismo reconhece e difunde é a verdade científica: parcial e progressiva, de aquisição gradativa.

Gebriel Delanne e Gustave Geley afirmaram que o Espiritismo concorda perfeitamente com o método e o conteúdo da Ciência. O presente autor, pesquisador profissional, pode reafirmar isso em 1973. É fundamental observar que Allan Kardec foi o primeiro a acentuar a importância dessa concordância. Ele insistiu muito nas relações entre as duas atividades mentais. Dizia que Ciência e Espiritismo se completam e necessitam um do outro… “O Espiritismo e a Ciência completam-se reciprocamente” e asseverou: “a Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana”; a doutrina dos Espíritos “admite todas as conclusões racionais da Ciência” e repudiar a Ciência é “renegar a obra de Deus”. Um século depois, Ralph Waldo Emerson diria a seus colegas protestantes exatamente a mesma coisa – “porque Deus é a verdade”; e Emmanuel (Roteiro) esclareceria: “os laboratórios são templos em que a inteligência é conectada ao serviço de Deus…”; e André Luiz afirmaria: “O laborioso esforço da Ciência é tão sagrado quanto o heroísmo da fé” (Nos Domínios da Mediunidade). Bem, assim foram postas as coisas.

Kardec mesmo delimitava os dois campos de atividade: a Ciência investiga os objetos e fenômenos da matéria e o Espiritismo, os seres e fenômenos espirituais; por isso, isolados, são incompletos. Semelhante concepção era lógica porque Kardec declarou (Revista Espírita, Julho, 1864, pág. 202, e Novembro, 1868, pág. 351 a 360) que as leis naturais, científicas, fazem parte da Lei de Deus – “as leis morais e as leis da Ciência são leis divinas”. E ao realizar semelhante fusão, preenchendo a velha lacuna entre razão e fé, entre Ciência e Religião, deu ao Espiritismo o cunho de verdadeira síntese do conhecimento, conforme reconheceu Herculano Pires.

  1. Examinemos um pouco mais detidamente as relações da doutrina com a Biologia, a Física e a Psicologia, no âmbito da pesquisa científica.

Para Gustave Geley, o Espiritismo integra-se à perfeição na História Natural. Já fizemos notar que o conhecimento da evolução orgânica iniciou-se junto com o Espiritismo e que, baseado nela, Delanne estuda a evolução espiritual. A teoria da evolução é o mais importante elo entre Ciência e Religião ou Biologia e Espiritismo.

Essa teoria informa-nos de que seres vivos e objetos mudam ou podem mudar conforme o tempo passa. Nada é imutável, fixo ou perfeito neste mundo, antes tudo caminha para crescente aperfeiçoamento – logo, para Deus, que é a perfeição. Assim como para a ciência, a espécie é uma fase do curso da evolução espiritual. Quando o meio se modifica, diz a Ciência, os seres vivos ou evoluem ou desaparecem; e a vida só pode manter-se com o auxílio do meio onde transcorre; portanto, o ajustamento (adaptação) é indispensável e isto significa mudar. Como é evidente que o mundo onde o ser humano vive tem mudado muitíssimo, a mente do homem não poderia escapar à lei universal e, pois, modifica-se constantemente. A renovação regular é uma necessidade imperiosa para manter o poder criador do Espírito. Pretender permanecer escravizado a velhas fórmulas ou a posições superadas pode ser compreensível como hábito espiritual, mas inevitavelmente acarreta estagnação, atraso, atrofia ou endurecimento.

Que o perispírito desempenha papel primordial em toda a Biologia, se demonstra, em primeiro lugar, pela necessidade de um órgão capaz de registrar as experiências vividas e assimiladas e de arquivar os progressos realizados pelos seres vivos no curso da evolução orgânica; é ele que, de uma vida para outra, conserva as aquisições e transfere-as para os novos corpos físicos, razão por que dois animais criados juntos podem diferir sensivelmente. Em segundo lugar, pela histólise e histogênese na metamorfose dos insetos; a larva não raro se reduz a um maciço celular na pupa e tais células deverão, a pouco e pouco, organizar um inseto adulto completamente diverso de sua larva; é o perispírito que orientará a modelagem da forma adulta, dirigindo a diferenciação celular. Em terceiro lugar, ele ajuda a refazer patas e caudas nos animais inferiores capazes de regeneração dessas partes quando elas são decepadas (auto e heterotomia). Por fim, a cultura de tecidos animais e vegetais, em laboratório, mostra a falta do órgão controlador das dimensões e orientador da diferenciação porque as células in vitro multiplicam-se indefinidamente e muitas vezes permanecem com caracteres embrionários; não só o perispírito põe limites ao crescimento (e à divisão celular) como conduz à diversificação estrutural (e ao amadurecimento celular). A Biologia do futuro próximo enriquecer-se-á com mais esse fator.

  1. No campo da Física, convém lembrar que Kardec ensinava ser a solidez da matéria apenas um estado transitório do fluido universal, o qual “pode voltar ao estado primitivo”. Temos aí os fundamentos da teoria da unidade da substância, que a Física moderna demonstrou. Matéria e energia são duas condições conversíveis uma na outra. Matéria é energia contida, em movimento circular; energia é matéria em movimento livre. É o movimento fechado, muito rápido, das partículas que mantêm a tangibilidade e a impenetrabilidade da matéria; pela radioatividade, ou seja, desintegração espontânea de certas formas dela, a matéria volta a ser energia, o que o homem já pode fazer artificialmente de modo limitado.
  1. A Psicologia, que investiga a mente ou o conjunto de funções imateriais do cérebro, mantém relações íntimas com o Espiritismo. Kardec colocou como subtítulo da sua Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos, unindo as duas disciplinas científicas. A diferença principal é que o segundo encara o ser humano como um espírito imortal encarnado e sua mente como produto de experiências e conhecimentos adquiridos no passado – logo, sujeita à evolução segundo leis bem definidas. A primeira, ao contrário, dá a mente humana como derivada sobretudo das experiências vividas na infância atual, o que a nós parece muito pouco para explicar um acervo tão grande ali arquivado. Mas, isto é questão de orientação teórica e gosto pessoal… até que a evidência vital force o sujeito na direção certa.

Detêm hoje magna importância as escolas psicanalíticas que põem toda ênfase no conhecimento das forças inconscientes (impulsos), as quais comandariam a atividade consciente e o comportamento das pessoas. Na verdade, Espiritismo e Psicanálise tiveram estreitas relações em seus primórdios. No fim do século XIX, enquanto o Espiritismo crescia, impunha-se a ideia de inconsciente – do qual Delanne fala bastante em suas obras e mesmo Denis. Chega a afirmar aquele: “a vida intelectual inconsciente constitui a base do nosso espírito” e que o estudo do Espírito tem de ser levado a cabo sob dois aspectos: 1) o da parte inconsciente, “o almoxarifado espiritual”; 2) o da parte pensante e sensível. Declara ele que as recordações de vidas anteriores constituem o próprio fundamento da individualidade, como material inconsciente. A Psicanálise surgiu justamente para elucidar seus processos e conteúdos; pondo de lado os imensos exageros que Freud e seguidores introduziram, ela contribuiu apreciavelmente ao conhecimento do espírito encarnado. E é justo recordar que Freud estudou em Paris com Charcot, aprendendo as práticas hipnóticas, das quais partiu para a elaboração da sua teoria psicológica. Ora, hipnotismo é mera variante do velho magnetismo de Mesmer, já citado, com o qual o Espiritismo tem relações conforme dizia Kardec, pois lhe absorveu a técnica e o conhecimento dos fluidos.

Além disso, o Espiritismo lança mão da noção de inconsciente, sobretudo nas obras de André Luiz em nosso dias, noção essa esplanada em A Grande Síntese. Geley deu, também, magna relevância ao conceito de inconsciente (como subconsciência) em seus trabalhos sobre evolução do princípio espiritual. 

  1. Pelo supra-exposto, julgamos ter ficado patente que as relações entre Espiritismo e Ciência são mais do que amistosas: são naturais e necessárias. 

Para defender o primeiro, basta segui-lo corretamente dando o exemplo de melhoria íntima; a crítica e a polêmica são atitudes antievangélicas e, logo, antiespíritas: que sentimento de fraternidade será esse que leva à oposição pública contra alguém?

Nem sempre os intelectuais usam o seu direito de serem “do contra”. Eis um exemplo notável. Robert Bloom foi um dos mais famosos paleontólogos, tendo realizado notáveis descobertas de fósseis ligados à evolução humana na África. Em 3 de julho de 1933, perante a Associação de Cientistas da África do Sul, leu um discurso depois publicado sob o título Evolução – há inteligência por trás dela? Nessa época, completava 40 anos de pesquisas sobre restos de animais deixados nas rochas. Começou dizendo que o homem descendia de um “macaco antropoide” e pergunta se a evolução deu-se por acaso ou foi dirigida por alguma mente. Depois analisa as várias explicações científicas possíveis e proclama-as insuficientes ou parciais. E vai sugerindo que se “é forçado a concluir que houve inteligência” por trás dela. Após inúmeros detalhes técnicos, Broom declara que a evolução orgânica “está praticamente terminada” e que, não tendo havido acaso, “somos compelidos a admitir algum agente inteligente ou espiritual”; trata-se de agente espiritual “com poder e visão limitados”. Mas, além deste (que equivale ao perispírito tratado acima).

Broom reconhece que houve, no curso da evolução, intervenção de forças espirituais mais elevadas – a mesma conclusão do grande biólogo Alfred Russel Wallace, velho estudioso dos fenômenos espíritas que Broom cita: “… uma inteligência superior dirigiu o desenvolvimento do homem numa direção definida e para um objetivo especial”. Termina Broom, ao notar que o homem “é um resultado muito desapontador” da evolução: “Mentalmente e moralmente parece possível que ele evolua quase em um novo ser.”

Caro leitor, tratemos do nosso caso e deixemos os outros em paz…              

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 60-65)