Origem do Espiritismo: As 3 revelações: caracteres e definições

Carlos Toledo Rizzini

  1. O Evangelho e o Espiritismo não são códigos de orientação da vida humana que tenham surgido abrupta ou isoladamente na face do Planeta. O segundo foi antecedido pelo primeiro e ambos tiveram, como precursores conspícuos, as instruções de Moisés e de Sócrates.

Moisés preparou o povo judeu para receber, 15 séculos depois dele, o Cristianismo. Tal povo estava escravizado no Egito, sob condições de vida as mais penosas. Moisés, um judeu criado na corte egípcia como príncipe, certo dia, movido por incoercível força interior, rompe com seus pares e empreende longa e árdua luta para libertar seu povo do jugo egípcio. Consegue-o, após peripécias sem conta, e encaminha-se, à frente dele, deserto adentro. Perambula nas areias ardente durante 40 anos, período em que os mais velhos vão morrendo; ele próprio falece quando os judeus alcançaram certa região, na qual estabeleceriam a chamada “Terra Prometida”, que o guia do povo não chegou a ver.

Durante a permanência no deserto, Moisés sobe ao Monte Sinai e aí processa-se a primeira revelação: por via mediúnica, ele recebe o Decálogo – um dos primeiros códigos morais da Humanidade e que representa um conciso resumo dos artigos essenciais da Lei de Deus. Lê-se, em Êxodo 31:18 e 32:16, que Moisés desceu do monte trazendo duas lajes “escritas pelo dedo de Deus” e contendo os mandamentos da Lei (Ex, 24:12). O nosso Chico Xavier declarou, em entrevista, que o querido Emmanuel fazia observar que o primeiro livro recebido pela Humanidade, “um livro de pedra”, procedeu do mundo espiritual… foi psicografado. Completa o vigoroso missionário, enunciado numerosas leis suas de natureza sanitária, penal, religiosa e social. Era severo o legislador humano; a pena de talião não foi objeto de economia. Nessas ordenações, Moisés proibiu a consulta aos mortos para coibir os abusos já então cometidos. Tal proibição foi várias vezes repetida: Êxodo 22:18; Deuteronômio 18:10-11; Levítico 19:31; finalmente, em Levítico 20:6 e 27, condena à morte pelo apedrejamento os infratores. Todavia, Moisés deixa escapar que não se tratava de um engodo, mas de uma realidade, ao declarar não admitir haja alguém que “indague dos mortos a verdade” (Deuteronômio 18:11) – a comunicabilidade dos espíritos já era reconhecida, há 35 séculos, como verdadeira.

  1. O Decálogo consta dos chamados Dez Mandamentos, cuja redação e ordenação são um tanto variáveis porque na Bíblia estão expostos algo extensamente, levando os interessados a resumi-los segundo suas ideias e fins. Eis a relação exata tirada da tradução do Padre Antônio P. de Figueiredo (1896), conforme estão em Êxodo 20 e Deuteronômio 5.          

1) Não terás deuses estrangeiros (i.e., outros deuses).

2) Não farás nem adorarás imagens e ídolos.

3) Não tomarás em vão o nome de Deus.

4) Não trabalharás no sábado, bem como teu servo e animal.

5) Honrarás a teu pai e mãe.

6) Não matarás.

7) Não fornicarás (cometerás adultério).

8) Não furtarás.

9) Não prestarás falso testemunho contra o próximo.

10) Não cobiçarás a mulher nem qualquer coisa do próximo.

Tais preceitos conduzem ao amor de Deus e dos semelhantes. Segue-se que Moisés e sua lei impuseram e fixaram, definitivamente, o monoteísmo, a crença num Deus único e, ao demais, imaterial, noção que o povo custou a absorver, mas que se manteve para sempre. Depois de Moisés, de vez em quando um profeta vinha relembrar, reforçar ou ampliar “a palavra de Deus”; assim consideravam esses médiuns o que traziam do Alto para manter a fidelidade dos judeus segura.

  1. Foi assim preparado o caminho para a revelação muito maior do Evangelho – a segunda revelação. Há 2.000 anos, o povo judeu apresentava-se aparentemente muito religioso, observando os preceitos da lei de Moisés e os ensinos dos profetas com extremo rigor. A verdade, porém, era bem outra: tratava-se no conjunto, de um povo orgulhoso e endurecido, dado à hipocrisia. A par disso, a inteligência, a capacidade de entender as coisas e manobrar o mundo externo, estava bastante desenvolvida.

Em tal meio desceu Jesus, o Cristo, o Espírito puro que governa a evolução da Terra. Leem-se nos evangelhos as pesadas lutas que foi forçado a sustentar a fim de conseguir desempenhar sua tarefa: ensinar novos conceitos ao atrasado ser humano da época, revelar-lhe quem é Deus e o que devem ser os homens uns para os outros, demonstrar praticamente os poderes do Espírito, etc. Não derruba a lei de Moisés, antes completa-a e modifica-a. Este impõe-se pela força; Jesus aconselha com amor. Pela primeira vez chega ao ser humano a noção de paternidade, misericórdia e providência divinas; manda o Mestre amar a Deus e ao próximo como meio de libertação e evolução espirituais. Fala, portanto, uma linguagem radicalmente distinta daquela que Moisés empregou para os seus bárbaros patrícios.

  1. A seguinte tabela permite comparar os principais ensinamentos de Moisés e de Jesus, havendo cerca de 1.500 anos de intervalo, no longo processo de desenvolvimento espiritual da Humanidade. 

Não devemos, apreciando estas divergências tão marcantes, esquecer a época e a circunstância nas quais atuou Moisés, para evitar pronunciamentos injustos. Se a grandeza espiritual de Jesus é incomparavelmente maior – a época e a circunstância exigiam a força e a firmeza de Moisés. Ele desempenhou a sua tarefa e o seu nome é imperecível.

MOISÉS

CRISTO

1. Deus antropomórfico: um homem em ponto grande.

2. Deus como ditador ciumento e vingativo, zeloso.

3. Judeus: povo “eleito”; os outros, gentios.

4. Ensina a temer a Deus.

5. Só cuida da vida terrena.

6. Impõe fé cega. Castiga.

7. Usa a pena de talião.

8. Autoridade absoluta.

9. Proíbe a comunicação com os espíritos, que pune com a morte.

10. Determina guerras de conquista que continuam ainda.

1. Deus é a perfeição suprema.

2. Deus como Pai misericordioso.

3. Todos são irmãos.

4. Ensina a amar a Deus.

5. Trata da vida espiritual.

6. Prescreve a fé racional. Não castiga.

7. Misericórdia, fraternidade.

8. Autoridade racional.

9. Fala com os espíritos e manifesta-se como tal.

10. Nada pedir de volta ao próximo. 

Tudo o que quiserdes que vos façam… 

  1. Durante longos séculos o Cristianismo foi trabalhado pelos homens. Já na época dos apóstolos começou a ser perseguido pelas autoridades romanas, as quais, de 64 a 325, pouco descanso concederam aos seguidores de Jesus, que então formavam a seita dita “Caminho” (gr. ὁδός, hodós). Pode-se afirmar que a doutrina de amor pregada pelo Cristo foi instaurada na Terra à custa do suor e do sangue, generosa e pacificamente vestidos em face de terríveis algozes latinos. Durante dois séculos e meio, os primitivos cristãos viveram em função do momento de testemunhar sua adesão ao Cristianismo.

Em hordas tranquilas, deixavam-se matar… e, assim, com o sacrifício de muitos, implantou-se o Evangelho. Nesse período, em que o martírio era o fim previsível de um cristão, vários escritores ilustres empreendem a defesa e a análise dos ensinamentos cristãos. Dos mais afamados foi Orígenes – “distinto sábio” e “o maior luzeiro do século III” (Monsenhor Cauly) – que escreveu o célebre Livro dos Princípios, no qual declara Jesus criado por Deus, o Espírito preexistente do corpo e as penas infernais passíveis de atenuação. Vê-se, por aí, o quanto ele era lúcido e bem informado, numa época tão recuada, quando hoje muitos pretendem o contrário seja a verdade. Orígenes morreu em 254, após dois anos de tormentos num calabouço.

  1. Em 313, o Imperador Constantino lançou o Édito de Milão, proclamando a liberdade de consciência no Império Romano. Cessaram de vez as perseguições, nos anos subsequentes. Os homens tomaram o Cristianismo e transformaram-no numa religião formal, que o Estado adotou. Por séculos e séculos houve grandes lutas intestinas (heresias e cismas), pois, durante a Idade Média, o homem caracterizou-se por espessa ignorância. Ao alvorecer a época moderna, surge a Ciência e a ignorância começa a desfazer-se. As condições de vida entram também a melhorar.
  1. Em plena Era Científica desponta a terceira revelação, que recebeu o nome de Espiritismo, dado pelo seu codificador, Allan Kardec, que o lança em 1857, em O Livro dos Espíritos. Já não se trata de um ensino pessoal, como os dois anteriores. É uma revelação científica, porque se baseia na experimentação para demonstrar a realidade espiritual e coletiva, porquanto reúne ensinamentos de fontes variadas. Instrutores do Mundo Espiritual vieram em massa comunicar tais ensinamentos por meio de pessoas dotadas da faculdade dita mediunidade. Kardec foi, sobretudo, o organizador, selecionador e analista do amplo material de evidências e dados que ele próprio obteve e que outros lhe entregaram. Nada criou – transmitiu, o que, aliás, Jesus afirmou ter feito em relação a Deus. Tinha uma visão muito nítida das coisas e grande habilidade para lidar com assuntos espirituais, cuja essência logo apreendia.

Pode-se afirmar que o Espiritismo é o Cristianismo ajustado à mentalidade moderna. Tem ele a missão de pôr à disposição do homem atual uma demonstração da base e uma explicação da doutrina do Evangelho. Nele, Deus é o Pai, Jesus é o Mestre e os homens são irmãos: o homem é um espírito encarnado num mundo material, objetivando a evolução para níveis mais altos, até Deus. 

Apresenta-se o Espiritismo como uma fé racional, isto é, dotada de conteúdo intelectual: deseja exame daquilo que ensina e não tem interesse na fé sem discernimento. Sua autoridade é racional e impõe-se espontaneamente, pelo valor que possui, em infundir nos adeptos a necessidade de renovar-se interiormente.

  1. Muitos são os caminhos para a transformação do espírito.  Contudo, dentro de cada um deles estão os princípios evangélicos ou o caminho não conduzirá a Deus. O Espiritismo é apenas a via adequada ao homem culto de hoje, quando nele eclodiu o desejo de progredir além do plano terreno grosseiro.

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 19-24)