Lei de causa e efeito

Carlos Toledo Rizzini

  1. Acabamos de notar que a liberdade de escolha existe na fase inicial dos nossos atos, isto é, na fase de causa; feita a escolha e posta em ação, entramos no domínio dos efeitos e, aí, vigora o determinismo. Vê-se que a liberdade é interior e expande-se de dentro para fora, e que o bem e o mal estão dentro de nós; o mal torna-se um inimigo oculto dentro de cada homem e do qual não é possível fugir em um momento dado (só mediante esforço prolongado). As forças que movimentamos no passado, com as nossas ações, tendem a continuar na mesma direção, impelindo-nos para onde,  hoje, não queremos ir, mas quisemos ontem. Nossas obras acompanham-nos; o passado revive no presente. Conforme exprime-se André Luiz, o espírito é constrangido a viver no centro de suas criações. Em conclusão: há um encadeamento casual lógico e a longo prazo – o presente derivou do passado e o futuro promanará do presente. A nossa vida atual não foi improvisada; o acaso é ingenuidade. Nada surge do nada. Tudo, na Obra Divina, está inter-relacionado pelo princípio de causalidade ou causa e efeito, que afirma a relação da causa com o efeito; originam-se as coisas por derivação causal. Como vemos, o conceito é próximo e ligado ao de determinismo, sendo difícil separá-los, mas não igual.
  1. No mundo físico, semelhante doutrina foi formulada sob o nome de 3ª lei de Newton, na Mecânica, que declara: “toda força impulsionada numa dada direção origina outra força, de igual intensidade, mas de sentido contrário”. Costuma ser designada como lei de ação e reação e governa também relações espirituais. Ora, pensamento, vontade e atos são forças que lançamos, as quais devem dar origem a forças em sentido contrário, isto é, ao choque de retorno. Este recairá sobre aquele que gerou a perturbação no ambiente com sua atuação desatinada; ou virão de volta alegria e paz, se o bem partiu dele. André Luiz (Ação e Reação) enuncia tal princípio assim: “Toda ação ou movimento deriva de causa ou impulsos anteriores.”

Jesus faz várias referências à lei de causa e efeito no código evangélico, acentuando a importância dela para a redenção do espírito humano. Afirma o Mestre: “Não julgueis para não serdes julgados” (Mt, 7:1); “Com a medida com que medirdes sereis medidos” (Mt, 7:2); “Todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo, 8:34); “Todos os que tomarem espada, morrerão à espada” (Mt, 26:52); “Se perdoarmos as ofensas recebidas, Deus igualmente perdoará nossos pecados” (Mt, 6:14-15). Em suma: “E o que quereis que vos façam os homens, isso mesmo fazei vós a eles” (Lc, 6:31). São várias formulações equivalentes.

Ao pensar e agir, portanto, o homem liberta forças e fica sujeito ao retorno delas, nesta ou noutra vida; provará o fel ou o mel que fez outro beber… Todavia, a aplicação da lei no nível espiritual é relativa porque a mesma vontade pode, noutra ocasião, agir em sentido contrário e atenuar o choque mediante a libertação de novas forças, agora positivas. Não temos o poder de extinguir os efeitos da volta sobre nós, mas podemos modificá-los se mudarmos de rumo, se atuarmos noutra direção com esse intuito.

  1. Sm o conhecimento da reencarnação, teríamos uma noção completamente nula das relações de causa e efeito. É ela que permite encadear as ações de uma vida para outra, fazendo que sofra o indivíduo o que fez outro sofrer antes. Tal é a base da justiça divina, do equilíbrio e do progresso espiritual. Logo, ação e reação, além de importante lei física, é relevante lei moral – rege as relações inter-humanas e ensina ao Espírito como atuar e progredir. Regula ainda o livre-arbítrio: a liberdade existe antes de agirmos; após o lançamento do ato, ficamos sujeitos às consequências. Mas, é bom notar, ela admite certa elasticidade ou tolerância. Para progredir, foi permitido ao espírito humano violar a Lei e promover a desordem ao redor dos seus próprios passos, de modo a conhecer as consequências do erro e a afastar-se dele. Deus dispôs, portanto, que, durante certo tempo, lhe fosse possível abusar e errar para aprender, pagando o preço do sofrimento. Assim, as leis da vida superior cedem até certo ponto e, atingindo o limite, começam a empurrar o sujeito de volta para a situação de equilíbrio; desta maneira, a evolução produz um ser consciente do bem e do mal, e não um autômato. É a dor o fator que traz o homem de volta ao regaço divino, depois que se desviou do rumo traçado pela Lei.

Vimos que somos produtos de nossos esforços, secundados pelo amparo de cima. Nossas vidas são misturas de alegrias e sofrimentos em proporções muitíssimos variadas. “A cada um, segundo suas obras” proclamou o Cristo. É, ainda, o mesmo princípio. Quem foi insaciável provará a miséria; quem muito cuidou de si, passará solidão; quem violou, será violado; se alguém perdeu um braço por nossa causa, perderemos um braço também; se caluniam, lidaremos com a calúnia. Expressa-se Ubaldi a respeito, declarando que a cada abuso corresponde uma carência inversa; por isso tantos sofrem falta de coisas tão abundantes. Diz ele que todas as deficiências morais (crime, vício, pobreza, imbecilidade, predisposições mórbidas, etc.) são carências derivadas de abusos antigos. “O panorama da Terra parece poder-se resumir nestas duas palavras: abuso e carência.” E qual será a causa disto? O que move o abuso, origem das privações? É o egoísmo, respondemos. O egoísmo é o estado mental que leva o ser humano a todas as desgraças. O abuso sacia, porém gera a fraqueza e promove a doença. Mas, a Lei de Deus oferece oportunidade de redenção para todos, corrigindo o destino infeliz e preparando um futuro feliz.

  1. O mal é a ausência do bem. Não dar um prato de comida ao pobre faminto que o pede é deixar de fazer o bem e, logo, fazer o mal; falar dos erros alheios é propagá-los e, daí, fazer o mal. Importa muito a intenção nessas questões; doar sangue é nobre, ajudar no serviço é meritório, dar de comer é excelente e emprestar dinheiro é benéfico – mas poderão ser realizados com intenção malévola; doar sangue doente, trabalhar para furtar a casa, dar comida estragada ou inadequada e emprestar a juros altos. O mal depende da intenção de prejudicar o próximo, a despeito das aparências favoráveis, dos disfarces.

Não devemos nos deter nunca no mal, salvo num único caso, quando se trata de corrigi-lo. Fora disto, ele não merece qualquer consideração, ensina André Luiz, citando elevados mentores. É preciso evitar que o mal chegue ao coração sob a forma de sentimento. Se tal não for possível, cuidemos de impedi-lo de subir ao cérebro como pensamento. Todavia, se tivermos de pensar em algum mal, não permitamos que ele se exteriorize pela palavra, que outros receberão como sugestão e tratarão de pôr em prática – tornando-nos responsáveis pelas consequências de atos que não queríamos emitir.

A prática do mal é proporcional ao grau de inferioridade dos espíritos que habitam certo ambiente; define, pois, o nível de evolução ali observado. Ao demais, é condição de progresso daquele ambiente, porque, nada sendo inútil na Obra Divina, o mal pune o mal e ajuda a promover o Bem – que é o desígnio do Criador! Isto é natural: o sujeito que provou em si o mal que antes fizera a outro, fica propenso a realizar, no futuro, o bem correspondente.

Vamos, em suma, concentrar nossos sentimentos, pensamentos, palavras e ações na prática do bem, ou seja, em tudo quanto concorde com a Lei de Deus e sirva ao próximo com esquecimento de interesses pessoais e do mal porventura recebido! É o que a Lei quer e o Evangelho sugere.

  1. As dívidas com a Lei podem ser atenuadas pelo bom procedimento e os resgates reduzidos, de modo que o interessado não fique apenas submetido à cobrança, mas tenha, também, oportunidade de adquirir méritos pelo trabalho ativo no bem e pelo sofrimento valorosamente suportado. O indivíduo que matou outro para auferir vantagem estará em situação adequada para ser morto, noutra vida. Se, porém, modificou-se intimamente e provou sua nova condição interior através da assistência a sofredores, virá ao mundo resgatar o seu crime por meio de uma lesão valvular no coração, que o fará sofrer e, finalmente, desencarnar. Mudado o criminoso, não se faz necessário o episódio sangrento. Dá-se o mesmo com aquele que deve perder um braço numa máquina fabril; tendo sido ativo na prática do bem, servindo ao próximo sem previsão de vantagem, a máquina arrancar-lhe-á um dedo apenas ou o ferirá simplesmente. A Misericórdia Divina quer a transformação moral do pecador e não o seu sacrifício sem o motivo consistente.

Um débito poderá ser classificado, segundo André Luiz, em: 1) estacionário, quando as vidas passam sem mudança de atitude íntima; a pessoa carrega um fardo de dívidas de uma existência para outra até… que a Lei tome providências drásticas, como nascer paralítico, cego, sem braços, etc.; 2) resgate interrompido, quando o sujeito abandona a situação em que está e mete-se em nova complicação, como abandonar a família legal e formar outra; 3) aliviado, se ação positiva for encetada na liquidação da dívida; 4) dívida expirante, se o indivíduo liquida o erro sem cometer novos; ficando tuberculoso ou canceroso, arrasta pacientemente o sofrimento sem ferir a ninguém; 5) dívida agravada, quando o interessado repete o erro anterior, geralmente ampliando-o, na vida atual, dobrando o débito; 6) resgate coletivo, em grupo, todos com a mesma dívida.                    

(RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o terceiro milênio: tratado psíquico para o homem moderno. Sobradinho, DF: EDICEL, 14ª ed., 2003, pp. 153-157)