Os profetas (médiuns) do Antigo Testamento

(Gustav Dore, O profeta Ezra orando)

Estaríamos forçando demais a paciência do leitor se fôssemos repassar aqui todos os episódios bíblicos em que o fenômeno mediúnico teve destacada e decisiva participação, desde as primeiras páginas da Gênese até às páginas finais do Antigo Testamento que reproduzem um texto declaradamente mediúnico, ou seja, um grupo de comunicações recebidas, provavelmente por psicofonia, pelo profeta Malaquias. Aliás, até o nome do profeta identifica-o como médium. Segundo no informa a Bíblia de Jerusalém, Malaquias (מַלְאָכִי) quer dizer ‘meu mensageiro’. O texto começa com estas palavras:

– Oráculo. Palavra de Javé a Israel por meio de Malaquias.

Malaquias, porém, não é o único profeta-médium de Israel. Está sendo lembrado de maneira especial aqui simplesmente porque as mensagens por ele recebidas são as últimas do Antigo Testamento. Na página seguinte da Bíblia, começa o Novo Testamento, no qual vamos encontrar nova safra de fenômenos mediúnicos.

Os chamados Livros Proféticos ocupam considerável espaço – cerca de um terço de todo o Antigo Testamento. Figuram ali, não apenas os profetas maiores, mas seus continuadores e sucessores, ainda que de menor influência e expressão. Entre aqueles, podemos mencionar Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, aos quais se seguem doze profetas menores, de Amós até Jonas, incluindo o já lembrado Malaquias.

Talvez nem compreendamos hoje a importância que tiveram (ainda têm) esses vigorosos documentos mediúnicos para o povo judeu, sua história, suas tradições, seus costumes, suas esperanças, em suma, sobre seu passado e seu futuro como nação.

São frequentes as referências de Jesus aos profetas e inequívoco o alto conceito em que os tinha e às falas mediúnicas que legaram ao povo de Israel. Por isso, diz ele, em Mateus 5:17:

– Não penseis que vim abolir a lei e os profetas. Não vim aboli-los, mas dar-lhes cumprimento.

Quando lhe perguntaram qual o maior mandamento da lei, Jesus responde com a citação do primeiro mandamento, como vimos há pouco e completa o ensino, dizendo:

– Este é o maior e o primeiro mandamento. O Segundo é semelhante a este: ‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo’.

E conclui:

– Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.

Como se observa, não apenas coloca as questões com extrema habilidade e profunda sabedoria, como ratifica com a sua autoridade, os ensinamentos espirituais obtidos no passado remoto através dos antigos profetas de Israel. Ele não diz que o seu mandamento do amor ao próximo é maior ou menor – diz que é semelhante.  

É certo que os textos proféticos não são modelos de perfeição e chegam a conter algumas impropriedades mais ou menos graves, seja porque os médiuns foram inadequados, seja porque os próprios textos foram adulterados, sob a pressão de interesses equivocados dos seres humanos incumbidos de zelar por eles. Sempre tive minhas dúvidas de que os Espíritos ordenassem matanças e crueldades, como consta em alguns textos.

O certo é que toda a estrutura religiosa, política e social de Israel foi montada em cima dos parceiros da Lei Mosaica e dos que ficaram preservados nos documentos proféticos. Nenhum texto mediúnico gozou de tanto prestígio e exerceu tão larga parcela de autoridade e respeito como as instruções espirituais transmitidas ao povo judeu por intermédio  dos profetas de Israel. Durante muitos séculos os guias espirituais acompanharam a nação judaica, passo a passo, no dia-a-dia da vida, na formação da sua moral, costumes, práticas religiosas, estrutura política, social, econômica, de sua cultura, de sua nacionalidade, enfim.

Por ocasião da grande tragédia da Diáspora, quando os judeus, batidos implacavelmente, em sua terra natal, espalharam-se pelo mundo afora, o sólido vínculo da tradição bíblica é que conseguiu produzir o milagre da sobrevivência do povo, sem perder sua identidade. Seria injusto e inaceitável minimizar, na feitura desse milagre, o importante papel desempenhado pelos vigorosos textos mediúnicos deixados pelos profetas em dramáticos momentos da existência do povo judeu.

Isso emprestava aos profetas uma autoridade que ultrapassava os limites habituais da hierarquia. Impulsionados pela autoridade dos espíritos que os controlavam, os profetas jamais hesitaram em condenar o erro, onde quer que ele se instalasse, até mesmo nas mais altas camadas do sacerdócio ou das lideranças políticas.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 38-41)