O enigma do urim

(Pixabay (Reprodução))

Para entendermos bem o que quer dizer isso, torna-se necessário fazer uma pausa para explicar o que é urim (אוּרִים). Recorri, para isso, à Enciclopédia Britânica, sempre segura no que diz e que não se arrisca a dizer o que não sabe, pois até as enciclopédias ignoram, às vezes, certas coisas. Em verdade, ela não me respondeu do modo direto o que eu esperava, mas proporcionou-me elementos preciosos que nos permitem decifrar essa enigmática palavra.

Confessa a Britânica honestamente que ‘tanto a identidade (do urim) quanto seu uso são obscuros’. A explicação mais comum é a de que se trata de um conjunto de pedras ou discos sagrados. Sabe-se, porém, que era usado nos processos de comunicação divina’, o que quer dizer, nas práticas mediúnicas, na obtenção de fenômenos mediúnicos, ou mais claramente ainda, na comunicação com os espíritos, embora a Enciclopédia não utilize de tais termos. É certo ainda que nas práticas com o urim estavam sempre envolvidos os profetas, que sabemos serem os médiuns da época.

Há outras especulações sobre essa misteriosa instrumentação, mas a chave do enigma não é difícil de encontrar para quem disponha de alguma experiência com o exercício da mediunidade. A Britânica explora algumas dessas alternativas, mas nenhuma delas a satisfaz. (E nem a mim). O texto prossegue declarando ser ‘provável … que a solução esteja alhures’, isto é, em nada daquilo que até hoje se supôs. E sem querer, nem saber, proporciona, a seguir, as condições para a explicação correta.

É que a palavra urim vem usualmente ligada a outra, tumim (תֻּמִּים). Portanto, urim e tumim formam juntos um instrumento destinado ao exercício de alguma forma de mediunidade, cuja característica se perdeu. Informa a Britânica, contudo, que a letra inicial da palestra urim é o aleph (א), primeira letra do alfabeto hebraico e que a primeira letra do termo tumim é tav ((ת)), última letra do mesmo alfabeto. Não é preciso ser nenhum gênio para concluir que o conjunto urim/tumim é um dispositivo sobre o qual foram escritas as letras do alfabeto hebraico. A Britânica acha que as letras teriam valores numéricos. E talvez por isso, a Bíblia de Jerusalém resolveu traduzir o texto há pouco citado de I Samuel assim: ‘… nem  por sonho, nem pela sorte, nem pelos profetas’. Mas não é isso. Ao que se depreende, as letras eram dispostas de tal maneira que um indicador ou um pequeno objeto leve pudesse apontá-las sucessivamente, formando palavras e frases. Em suma: o urim/turim era um tabuleiro mediúnico, que os povos de língua inglesa conhecem pela expressão mista de ‘ouija board’. Oui, como sabe o leitor, é a palavra francesa para SIM e ja, termo alemão com o mesmo sentido (SIM). Como esclarece o competente Dicionário americano de Webster, OUIJA ‘é a marca comercial de um tabuleiro inscrito com o alfabeto e vários sinais, destinado ao uso como prancheta na obtenção de mensagens mediúnicas’ (Destaque do autor).

O que nos confirma na conclusão de que urim/turim é uma prancheta mediúnica é a informação – ainda na Britânica – de que ‘as letras eram colocadas no ‘breastplate of judgement’ e movimentada pelo ‘shekinah’ do sacerdote’. 

A medida que as letras iam sendo identificadas – a Britânica diz que eram retiradas – iam sendo anotadas ‘para formar as palavras’.

Falta explicar ainda a presença e o sentido dos termos entre aspas.

O ‘breastplate’ – literalmente ‘placa do peito’, – ou peitoral – era uma placa metálica com doze pedras preciosas incrustadas, uma para cada tribo de Israel. O Sumo Sacerdote usava-a sobre o peito, como o nome indica.

Shekinah é um termo hebraico que significa ‘presença terrena (ou morada) de Deus’. Na teologia judaica, shekinah caracteriza a manifestação divina, por meio da qual a presença de Deus é percebida pelo homem, segundo nos esclarece o mesmo Dicionário de Webster, já citado. Ora, já vimos diversas vezes que a comunicação mediúnica era considerada uma conversa com o próprio Deus, na sua presença, ou por outra, verdadeira manifestação divina.

Disso tudo, portanto, podemos concluir que as letras do urim/tumim eram dispostas sobre a placa metálica sagrada que o Sacerdote usava sobre o peito e que através do shekinah do aludido sacerdote, ou seja, de sua faculdade de ‘perceber a presença de Deus’, ou melhor ainda, de sua mediunidade, movimentava-se o instrumento que ia indicando, letra por letra, as palavras que, por sua vez, formavam as frases da mensagem. Nada, portanto, de sorteio ou numerologia, e sim um claro fenômeno mediúnico de efeitos físicos utilizado pelos espíritos manifestantes, tal como ainda hoje o fazem com a prancheta ou com um copinho que deslisa dentro de um círculo de letras.

Eis aí, a meu ver, o mistério do urim/turim.           

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 23-26)