Espírito e tempo


(Salvador Dalí. A persistência da memória, óleo sobre tela, 1931) (Reprodução)
 

Desde as origens da humanidade, o tempo, na forma de questionamentos sobre temporalidade, o passar do tempo ou o infinito incomodam o homem.

O tempo, conquanto estudado por amplas vertentes, não encontra conciliação entre filósofos, religiosos, cientistas ou literatos.

Para os sábios da antiguidade, o tempo poderia ser como uma roda ou como uma flecha.

A roda seria o tempo cíclico, rotativo, enquanto a flecha expressaria o tempo contínuo, progressivo.

Nas palavras de Heráclito, “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, porque no banho seguinte não são iguais nem a pessoa, nem mesmo o rio.

Isaac Newton, em Principia, apresentava o tempo como absoluto, verdadeiro e matemático, que flui sempre igual por si mesmo e por sua natureza, sem relação com coisa externa.(1)

O tempo de Newton é uniforme, independente de objetos externos ao observador.

Já Kant afirma que o tempo é a forma real da intuição interna.(2)

Nestas especulações vemos duas vertentes distintas: o tempo matemático e uniforme em contraposição ao produto da intuição.

Inúmeras são as elaborações filosóficas, mas vamos nos deter nas considerações da doutrina espírita.

Allan Kardec nos aponta o caráter relativo da experiência do homem frente ao tempo:

“O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias.” (3)

Ernesto Bozzano, em “A Crise da Morte”, Duodécimo Caso, cita relato mediúnico de “Cartas de Blaire”:
“Apercebi-me, em seguida, de que já não tinha nenhuma ideia do tempo, não chegando a fazer um conceito exato do meu passado, do meu presente e do meu futuro. Com efeito, essas categorias do vosso tempo se me apresentavam à mente de maneira simultânea.”
Considera Bozzano que “na subconsciência humana, existem, em estado latente, maravilhosas faculdades supranormais, capazes de devassarem o passado, o presente e o futuro, sem nenhuma limitação de tempo, nem de espaço”. Concluindo, em seguida: “No mundo espiritual, a noção de tempo deixa de existir.” (4)

A interação do Espírito com o tempo se mostra diretamente relacionada à densidade material do orbe em que nos situamos. O agente que o elabora é a mente, centralizadora de fenômenos e de sensações.

“O tempo somente se torna realidade por causa da mente, que se apresenta como o sujeito, o observador, o Eu que se detém a considerar o objeto, o observado, o fenômeno.
Esse tempo indimensional é o real, o verdadeiro, existente em todas as épocas, mesmo antes do princípio e depois do fim.
Aquele que determina as ocorrências, que mede, estabelecendo metas e dimensões, é o relativo, o ilusório, que define fases e períodos denominados ontem, hoje e amanhã, através dos quais a vida se expressa nos círculos terrenos e na visão lógica – humana – do Universo.” (5)

Em nossa permanência no corpo físico, nos encontramos vinculados a sensações, propriedades e restrições inerentes à dimensão material. No mundo terreno, a ciência já observou e postulou inúmeras propriedades, que perscrutaram desde o íntimo do átomo ao esplendor das estrelas que vagam no infinito.
Tempo é um padrão usado em nosso mundo para marcar a alternância de estações, períodos de plantio e colheita etc. Na espiritualidade não vigora nosso paradigma temporal, mas relações específicas de um plano etéreo e distituído de matéria bruta como a que experimentamos.

O entendimento do tempo pauta-se pela imprecisão de nossas sensações, sendo fator de incômodo enquanto encarnados, e também de perda das referências terrenas durante a erraticidade.

Notas:

1-WHITROW, G.J. O tempo na história. Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p.147.

2-FIGUEIREDO, Vinicius Berlendis. Kant e a crítica da razão pura. Rio de Janeiro: Zahar, 2ª ed., 2010, p.30.
3-KARDEC, Allan. A Gênese, cap. 6, it.2.
4-BOZZANO, Ernesto. A crise da morte.
5-FRANCO, Divaldo Pereira. Impermanência e imortalidade. Rio de Janeiro: FEB, “Tempo, mente e ação”, 2005.