Inácio Bittencourt

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Espírita bastante popular na terra carioca, homem de bem e incansável trabalhador na seara cristã, Inácio Bittencourt nasceu em Portugal aos 19 de Abril de 1862, desencarnando no Rio de Janeiro na madrugada de 18 de Fevereiro de 1943.

Muito moço, emigrou para o Brasil, não com idéias de riquezas, mas em busca de um ideal que a intuição lhe dizia estar na terra irmã.

Só, sem proteção nem amparo, a não ser a seriedade do seu caráter e a retidão do seu espírito, empregou-se em Botafogo, em 1875, dias após a sua chegada ao Rio de Janeiro.

Deixando as bancas escolares aos 10 anos, premido pela necessidade, que poderia ter aprendido? Todavia, esse pouco, aliado ao forte desejo de saber e à clarividência de sua razão, o libertou da ignorância. Autodidata, adquiriu muitos e variegados conhecimentos.

Aos vinte e um anos, era, como tantos outros rapazes de sua época, um livre-pensador. Contraiu matrimônio aos 22 anos e nesse mesmo ano – 1885 -, ao ler “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, se fez espírita.

Sua convicção firmou-se pelo estudo e ei-lo transformado em ardoroso propagandista das novas doutrinas, quer pela palavra escrita e falada, quer pela excepcional mediunidade curadora que nele abrolharia pouco tempo depois.

Bem cedo, sua personalidade alcançou grande destaque nos meios espiritistas e, mesmo, fora deles.

Fundou a 1o. de Maio de 1912 e dirigiu o memorável periódico “Aurora”, jornal que por muitos anos disseminou a doutrina espírita em todas as direções do País.

Sob a sua presidência foi fundado, em 1o. de Janeiro de 1919, o “Abrigo Teresa de Jesus”, velha casa de caridade até hoje funcionando no Rio de Janeiro, com larga soma de benefícios a crianças desamparadas de ambos os sexos.

Colaborou ativamente para a fundação da União Espírita Suburbana e do Círculo Cáritas. Da “União” chegou a ser presidente por muito tempo, tendo sucedido, em 1919, ao grande espírita Fernandes Figueira, que dirigira os destinos daquela Casa até a sua desencarnação.

Durante dois anos foi vice-presidente da Federação Espírita Brasileira, onde a sua palavra era sempre ouvida com acatamento.

Presidiu, ainda, O Centro Humildade e Fé, onde outrora nasceu a “Tribuna Espírita”, órgão que ele dirigiu por algum tempo.

Foi um dos diretores do Asilo Legião do Bem, para a velhice desamparada.

Embora pobre e sobrecarregado de numerosa família, não lhe faltava tempo para dedicar-se de corpo e alma ao Espiritismo e ao trabalho da caridade.

Por não possuir instrução acadêmica, escrevia com simplicidade, mas corretamente. Seus artigos eram bem concatenados e solidamente fundamentados.

“Reformador”, órgão da Federação Espírita Brasileira, o jornal “Aurora” e outros periódicos espíritas contêm vários escritos de Inácio Bittencourt.

Considerado “apóstolo e santo” pela boca do povo, sobre ele assim disse ilustre médico em sugestiva crônica publicada num vespertino carioca: “Perante a lei foi um contraventor – perante a Humanidade, um benfeitor!”.

Referia-se o ilustre médico à mediunidade receitista e curadora de Inácio Bittencourt, que foi processado algumas vezes por exercício ilegal da Medicina, sempre absolvido, como aconteceu, por exemplo, em 1923, por decisão do Supremo Tribunal Federal, em Acórdão de 27 de outubro.

Forte na fé, valoroso na humildade, impertérrito na caridade, tal se revelou constantemente este velho companheiro de lides espiritualistas e amigo muito benquisto.

Dissemos que a sua personalidade alcançara grande destaque e o seu nome enorme projeção nos meios espíritas e fora deles, pelo seu indefesso labor mediúnico, que foi realmente extraordinário e dos mais assinaláveis. Essa, com efeito, a verdade, porquanto, como médium receitista, Inácio Bittencourt se constituiu um como expoente, entre quantos, em nosso País, hão recebido, da misericórdia inesgotável do Pai celestial, o dom de veiculá-la para os sofredores, a fim de os livrar dos sofrimentos do corpo e da alma, ou de, pelo menos, proporcionar alívio a esses sofrimentos.

Apreciando em seu justo valor esse dom e em sua legítima significação, consciente da responsabilidade imensa com que lhe onerava o Espírito, exerceu-o o saudoso lidador como verdadeiro sacerdócio, disposto a todos os sacrifícios que lhe adviessem da necessidade de dar cumprimento ao dever, que a sua consciência cristã lhe impunha, ante o lema da doutrina a que servia com inteiro devotamento e abnegação – “Sem caridade não há salvação”.

E as curas, por seu intermédio, se multiplicavam, assumindo não poucas o caráter de assombrosas. Inúmeras vezes, considerado perdido o caso, um apelo a Inácio Bottencourt era o recurso extremo, e a volta da saúde ao enfermo se verificava, com espanto dos que, desanimados, já descriam do seu restabelecimento, operando-se, em conseqüência e em muitíssimas ocasiões, surpreendentes conversões ao Espiritismo. Tornou-se ele, desse modo, um ponto de convergência das vistas de toda gente, quer dos que de certa forma já simpatizavam com a Doutrina dos Espíritos, ou para seus ensinos propendiam, quer dos seus adversários e inimigos de todas as espécies. Crescia assim, continuamente, o número dos que se faziam espíritas.

Mas, como era natural, também crescia, do mesmo passo, contra o Espiritismo e, em particular, contra o seu destemeroso servidor, a onda dos ódios que a ignorância e a maldade geram nas almas dos que se comprazem na treva, por aborrecerem a luz e a verdade, donde aquela se irradia. Daí, conseguintemente, sem falar das tribulações intimas que lhe assaltavam o coração, as perseguições de que se viu alvo o infatigável trabalhador, os vários processos que lhe moveram por exercício ilegal da medicina, rematados todos, aliás, graças à bondade divina, com a sua absolvição, processos e perseguições que ele enfrentou invariavelmente com a serenidade e a humildade do lídimo cristão, que sabe só existir uma justiça reta e perfeita, a pairar soberana, dando a cada um, no momento oportuno, segundo suas obras, infinitamente acima da dos homens, sempre falha, claudicante e incongruente, porque justiça de pecadores cegos.

Entretanto, não foi somente como médium receitista e curador que Inácio Bittencourt grangeou a notoriedade, a estima e a admiração que lhe cercavam a personalidade, mas igualmente como médium apto a receber do Alto maravilhosa inspiração que, durante larga fase do seu ministério mediúnico, se manifestou notória e admirável, sempre que ele assomava à tribuna doutrinária, conforme de contínuo sucedia na Federação, a cujas sessões públicas de estudo comparecia assíduo, até pouco antes de se lhe tornar difícil locomover-se. Era então de causar pasmo, e pasmo geral, ouvi-lo, a ele, que não lograra dispor de ampla cultura intelectual, discorrer de maneira fluente, até com eloqüência muitas vezes, sobre o ponto em estudo, proferindo discursos ricos de belas imagens e de conceitos profundos, que seriam de impressionar e abalar os ouvintes, mesmo quando enunciados por mentalidades de vasta erudição científica e filosófica.

Amigo da Federação, que entrou a freqüentar com marcada assiduidade, quando, contando já essa instituição alguns anos de existência, nela atuava, como seu presidente, o apóstolo sem igual, Bezerra de Menezes; partilhando de muitas das vicissitudes e provas a que se tem visto sujeita a Casa de Ismael, que, todavia, não teve a dita de contá-lo entre os seus fundadores, conservou-se-lhe sempre ligado pelos laços de uma afeição, que ela sobrestimava vivamente, jamais deixando de o arrolar entre os obreiros de mais vulto e de maior devotamento que há contado entre nós a sementeira evangélica, a seara do bem e da verdade, que é a de N.S. Jesus-Cristo; em suma, entre aqueles que mais abnegadamente hão trabalhado pelo ideal cristão, cheios do espírito do Cristianismo do Cristo, do qual só se enriquecem as almas dos que se fazem, qual ele se fez, seguidores do Evangelho em espírito e verdade.

(WANTUIL, Zêus. Grandes Espíritas do Brasil. Brasília: FEB, 4ª ed., 1990, p.384-388)