Organização das Reuniões Mediúnicas

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Uma reunião mediúnica é trabalho que se desenvolve entre os dois planos da vida, o espiritual e o físico, havendo, portanto, duas equipes interagindo para a obtenção dos resultados. 

A natureza dos Espíritos que assessoram e participam das nossas reuniões mediúnicas é a que fazemos jus pelo processo de sintonia que sejamos capazes de oferecer. Se queremos a presença dos bons, temos que atraí-los pela elevação de nossos pensamentos e propósitos de edificação, como tão bem ensinava Kardec ao escrever, em O Livro dos Médiuns, capítulo XXIX, item 327: “Não basta que se evoquem bons Espíritos; é preciso, como condição expressa, que os assistentes estejam em condições propícias, para que eles assintam em vir”.

Assim sendo, todo esforço de organizar reuniões deve começar pela seleção adequada de seus integrantes. Ter sempre em mente esta colocação do Codificador, conforme se lê em O Livro dos Médiuns, capítulo XXIX, item 331: “Uma reunião é um ser coletivo, cujas qualidades e propriedades são a resultante das de seus membros e formam como que um feixe. Ora, este feixe tanto mais força terá quanto mais homogêneo for”.

Como iremos conseguir essa coesão, essa unidade, com um grupo já desde o início excessivamente heterogêneo, se não temos critérios adequados para agregar novos elementos? Esperar que o valor da própria tarefa retifique características pessoais e psicológicas muito afastadas da média seria desconhecer os processos da natureza humana, que, normalmente, não da saltos.

 

Requisitos dos grupos mediúnicos

Ainda no capítulo XXIX, itens 329, 332, 333, 335 e 338 do primeiro tratado de paranormalidade humana, ao colocar o problema da homogeneidade, Kardec preocupou-se com inúmeras questões praticas, como o número de participantes, que não deveria ser excessivo, a regularidade das reuniões, a inconveniência da presença de médiuns obsidiados e a circunspecção que devemos ter na admissão de elementos novos, chegando mesmo a dizer: “As grandes assembleias excluem a intimidade, pela variedade dos elementos de que se compõem… Nos agregados pouco numerosos, todos se conhecem melhor e há mais segurança quanto a eficácia dos elementos que para eles entram. O silêncio e o recolhimento são mais fáceis e tudo se passa como em família”.

Concluindo o seu excelente trabalho, listou no item 341, do capítulo já referido, os requisitos indispensáveis para o êxito de uma reunião mediúnica séria: “Perfeita comunhão de vistas e de sentimentos; cordialidade recíproca entre todos os membros; ausência de todo sentimento contrario a verdadeira caridade cristã; o desejo único dos participantes de se instruírem e melhorarem por meio dos ensinos dos Espíritos; recolhimento e silêncio respeitosos; isenção, nos médiuns, de todo sentimento de orgulho, de amor-próprio e de supremacia”.

A essa tão ampla gama de requisitos, atrevemo-nos a acrescentar os seguintes: consciência clara dos objetivos da prática mediúnica; compreensão do papel a desempenhar, de acordo com a função de cada participante; esforços continuados de todos para se capacitarem; cooperação recíproca e motivação permanente.

Toda e qualquer atividade humana, para ter êxito, exige do candidato, sobretudo vocação para o empreendimento. Em seguida vêm os esforços do treinamento, da adaptação e valorização do trabalho, como formas de sustentar o interesse e liberar as forças criativas do indivíduo, latentes no imo de si mesmo. Porque no trabalho da mediunidade, onde lidamos com forças poderosas, desconcertantes mesmo e ainda não totalmente dominadas, teremos que improvisar e deixar que as coisas se resolvam por si mesmas?

 

Seleção dos participantes

Nos primeiros contatos com o Centro Espírita, as pessoas, via de regra, estão ansiosas, com feridas ainda não cicatrizadas oriundas dos relacionamentos sociais litigiosos, declarados ou não, sofrendo de neuroses, conflitos íntimos e incompreensões. Tem-se que permitir o asserenar dessas tensões, o amainar dessas tormentas psíquicas, a estabilização dessas energias descontroladas sob pena de se transformar tentativas de ajuda em maiores perturbações e dificuldades, daí advindo o desencanto e a apatia.

Um número razoável de pessoas tem-se inutilizado no expressar de suas possibilidades mediúnicas, por um largo período, ao serem colocadas em reuniões praticas antes do tempo, despreparadas. Nada mais negativo do que tentar engajamentos precipitados de pessoas com distúrbios psicológicos, ainda que relacionados com a eclosão da mediunidade. Se há mediunidade em afloramento e efetivo interesse do portador em educa-la, acolhe-se o neófito, da-se-lhe assistência fraterna, orienta-se-lhe o estudo, facilita-se—lhe a integração no trabalho da Casa, a fim de que ele, na ocasião oportuna, possa canalizar suas forças medianímicas de uma forma segura.

Colocando a questão da seleção dos participantes para as reuniões mediúnicas, diremos com Nilson de Souza Pereira, presidente do Centro Espírita Caminho da Redenção, que devemos selecioná-los pelo seu empenho, assiduidade, carater, devotamento e interesse em querer participar ativa e responsavelmente do grupo. Esta colocação de Nilson remete-nos a ideia de que trabalho mediúnico é para pessoas integradas a vida do Centro Espírita.

Devemos entender integração como uma realização permanente, um esforço continuado de vivência do ideal e de convivência fraterna. E preciso descobrir o prazer de estar junto, de construir solidariamente a seara de amor que o Senhor nos confiou, e esses estar e caminhar juntos significam, sobretudo, um compromisso de trabalho com alegria.

 

Atitudes sempre necessárias

Lembraríamos alguns programas integrativos de real valor para as nossas equipes mediúnicas:

Participação nas atividades do Centro — Essa é uma responsabilidade grande dos dirigentes de reuniões que, além de participar, devem estimular todo o grupo para esse mister. De relevância, nesse particular, os trabalhos assistenciais da Casa, pois, refletindo com André Luiz, os Espíritos acompanham os trabalhadores da mediunidade examinando lhes os exemplos.

Na opinião de Suely C. Schubert, com a qual concordamos plenamente, o grupo mediúnico não pode se constituir um corpo isolado dentro da Instituição.

Conversação Edificante — Bastam os seguintes conselhos de André Luiz: Claro que, terminada a reunião, se sintam os integrantes do grupo inclinados a entrelaçar pensamentos e palavras na conversação construtiva… Falemos cultivando bondade e otimismo. Importante que a palavra não descambe para qualquer expressão negativa

Nunca é demais esclarecer que a conversação deve passar-se fora da sala onde se desenrolam os trabalhos, pois que a saída dos participantes dar-se-a, necessariamente, em clima de absoluta harmonia e silêncio.

Estudo — Poucas coisas integram mais do que o estudo. A desmotivação geralmente toma corpo quando as pessoas, não tendo ânimo para o estudo metódico dos assuntos pertinentes a mediunidade, deixam de apreender, o quanto poderiam as lições e os resultados auferidos nas reuniões. Há um aprendizado muito rico que se adquire na conversação sadia, na troca de experiências, o qual, muitas vezes, deixa-se de absorver dada a pressa de retorno ao lar ou de voltar mentalmente para as faixas comuns em que habitualmente nos movimentamos.

Esse aprendizado pratico obtido pela reflexão, pelos questionamentos que façamos aos mais experientes, e tão importante quanto o estudo metódico organizado que a Instituição, ou o grupo, devera promover, mas do qual se incumbirá, também, o seareiro, por iniciativa pessoal, num esforço de autodidatismo dos mais valiosos.

Culto do Evangelho no Lar — As diretrizes para a sua correta feitura podem ser encontradas no livro Messe de Amor, psicografia de Divaldo Franco, do Espírito Joanna de Ângelis, capítulo 59. André Luiz coloca a sua necessidade, tendo em vista atender os Espíritos que habitualmente estacionam em nossos lares e os que para ali são conduzidos antes ou após as tarefas da desobsessão. O trabalhador da mediunidade precisa manter, no lar, a lâmpada da oração permanentemente acesa.

É uma boa prática o grupo mediúnico fazer o culto do Evangelho, periodicamente, na residência de cada um de seus membros, mediante revezamento entre os que desejam. Convém manter, nessas ocasiões, um compromisso de simplicidade, servindo tão somente agua fluidificada, para evitar que o evento transforme-se num acontecimento social, com lanches e outras iguarias, o que inibe, naturalmente, os que não podem oferecê-los ao nível dos demais. Reforçar, sobretudo, nesses encontros, a inconveniência das comunicações ostensivas.

 

Preparo dos participantes

Uma outra questão a tratar, ainda que de passagem, é a preparação dos participantes. Habilidade e esforços fazem-se necessários para superar o cansaço natural decorrente das lutas e preocupações existenciais, de modo a assegurar a condição de recolhimento íntimo preconizado por Kardec.

João Cléofas, Espírito, na obra Suave Luz nas Sombras, psicografia de Divaldo Franco, adverte-nos contra as ciladas contínuas da insensatez, do cansaço, da desmotivação, da rotina, além de outros inconvenientes imagináveis, como forma de se evitar que a mente sonolenta e indisposta perturbe o fluxo da corrente vibratória do mundo espiritual para a Terra e desta para aquele, comprometendo o resultado da reunião.

Há problemas compreensíveis gerados pela agitação da vida moderna, principalmente nos grandes centros urbanos. Como são raras as pessoas que se podem colocar a salvo dessas dificuldades, paga-se o ônus correspondente. A solução para a problemática passa por uma decisão séria: economizar forças, não gastar energias com o culto a inutilidade; jamais se afadigar por coisas e valores dispensáveis; meditar, o quanto possível, buscando colocar a mente em temas superiores quanto edificantes.

Manoel Philomeno de Miranda recomenda-nos dormir um maior número de horas no dia que antecede o compromisso mediúnico, como um pré-operatório, usando expressão de Divaldo Franco, que também nos ensina que a frequência as reuniões doutrinárias e um dos recursos para superar esses impedimentos, porque o trabalhador já se vai ajustando ao circuito de forças do labor mediúnico.

 

Características da sala de reuniões mediúnicas

Uma outra condição importante a se considerar seria o cuidado com o ambiente, que, segundo a maioria dos autores especializados no assunto, deveria ser o mais confortável possível (ventilado, amplo, asseado, etc.). Sobretudo considerar, com André Luiz, que os labores da desobsessão — e por que não dizer das reuniões mediúnicas em geral — “requerem o ambiente do templo espírita para se desenvolverem com segurança”. Reservá-lo, portanto, exclusivamente, para tal mister e atividades afins. Não seria preciso aprofundar o quanto é prejudicial a harmonia do trabalho realizado pelos Espíritos, muitos deles antecipadamente, a utilização desse santuário para outras atividades incompatíveis com o labor mediúnico, em que nossa mente pudesse distraidamente prejudicar as operações permanentes da Equipe Espiritual ou impregnar aquele espaço dedicado a oração e a enfermagem espiritual com vibrações mentais de teor menos digno.

 

Recomendações

Finalizando, abordaremos a questão da assiduidade, que merece uma atenção especial dos participantes do grupo mediúnico, uma vez que os Benfeitores Espirituais, no dizer de Andre Luiz, esperam que “estejamos atentos às obrigações que depositam em nossas mãos e nas quais não devemos falhar”. A ausência de um companheiro, entre outros prejuízos, causa apreensão no grupo, contribuindo para a indisciplina mental.

Assumido o compromisso, coloquemo-lo na pauta de nossas prioridades e, a não ser por motivo justificável pela nossa consciência, jamais deixemos de comparecer, no horário previsto, ao labor do intercâmbio espiritual.

(AZEVEDO, G. de, NEVES, J., FERRAZ, J. e CALAZANS, N. Reuniões mediúnicas. Projeto Manoel P. de Miranda (Reuniões mediúnicas), Salvador: LEAL, 5ª ed., 1993, pp. 23-30)

Objetivos das Reuniões Mediúnicas

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No capítulo XXIX, item 324, de O Livro dos Médiuns, Allan Kardec classifica as reuniões mediúnicas, segundo a natureza, em frívolas, experimentais e instrutivas.

As reuniões frívolas são constituídas de pessoas que se interessam predominantemente pelo aspecto do passatempo e do divertimento por meio das manifestações de Espíritos levianos que, nessas circunstâncias têm a inteira liberdade para espicaçarem a curiosidade e o interesse dos participantes com relação as coisas banais, adivinhando a idade das pessoas, o que trazem nas bolsas, fazendo previsões para o futuro, oferecendo pseudossoluções para os “casos de amor” e outros segredinhos de somenos importância.

As reuniões experimentais têm mais particularmente por finalidade a produção de manifestações físicas, de fenômenos objetivos. Kardec afirma que, para muitas pessoas, representam um espetáculo mais curioso que instrutivo, não sendo raro os incrédulos saírem delas mais espantados que convencidos. Essas reuniões são promovidas pelos Espíritos superiores para que sejam reveladas aos homens as leis que regem o mundo invisível e suas relações com o mundo físico, constituindo-se poderoso meio de convicção para muitos.

É importante observar que os Espíritos, ao promoverem tais experiências, utilizam-se da forma de expressão científica de cada época para chamarem a atenção dos homens.

Enquanto a percepção de mundo da Ciência não ia além do aspecto mecânico, os fenômenos espíritas evidenciavam-se por meio dos raps, apports e movimentos físicos de varia ordem. Voltou-se ela para o universo do homem, descobrindo as leis da genética e aprofundando o interesse pela compreensão da vida, já os Espíritos colocaram-se nessa direção, revestindo formas ectoplásmicas, transitórias, compostas a partir de material produzido pela célula humana, em condições especiais de manipulação. Na atualidade, ao abandonar a posição rígida do materialismo mecanicista para perceber os fenômenos cósmicos como manifestações de ondas e vibrações, criando a cibernética, as conquistas tecnológicas da eletrônica, dos computadores, e eis que os Espíritos passam a atuar nessa area, interferindo nos circuitos, inserindo suas faixas de pensamento na frequência desses aparelhos para revelar aos homens a indestrutibilidade da vida e a realidade espiritual.

As reuniões instrutivas, como o próprio nome indica, são as que ensejam orientações e experiências de crescimento intelecto-moral para as pessoas que delas participam. O ascendente moral da presença dos Espíritos nobres deve ser assegurado mediante interesse dos encarnados pelas questões sérias, o que denota aspiração sincera de se instruírem e melhorarem. Kardec reforça a seriedade como condição primordial, esclarecendo que, séria, na acepção integral da palavra, só o é a reunião que cogita de assuntos úteis com exclusão de tudo mais. A base de raciocínio do Codificador para tal assertiva é o não poder aliar-se o sublime ao trivial nem se obter o concurso dos bons Espíritos sem se criarem condições propícias para que eles venham as reuniões.

São nessas reuniões instrutivas e sérias que se pode receber os ensinos da Doutrina e aprofundá-los mediante exame das proposições morais dadas pelos Espíritos, do estudo dos fatos e da pesquisa sobre a teoria e causa das manifestações mediúnicas. Essas são as reuniões que, hoje, denominamos, no Movimento Espírita, de mediúnicas, e que serão objeto de uma série de reflexões para sinalizarmos alguns aspectos indispensáveis, à guisa de modesta contribuição, para quantos delas participam, no sentido de conscientiza-los melhor quanto as responsabilidades inerentes a essa participação.

Arguido, em seminário promovido pela USE, (abril/1980), Divaldo Franco declarou que existem pessoas que afirmam gostar das reuniões mediúnicas porque nelas vão fazer a caridade. Esse pensamento não é correto, porque, na verdade, ali é o lugar onde vamos aprender e receber a caridade, esclareceu o médium e tribuno baiano. Justificando o seu conceito, Divaldo elucida que o Espírito em sofrimento, a quem pressupomos estar socorrendo, é que nos esta fazendo a caridade, porque está dizendo sem palavras: Olhe o que aconteceu comigo. Ou você muda de comportamento ou vai acontecer com você a mesma coisa! 

Objetivos

Então, o primeiro objetivo das reuniões mediúnicas é a instrução dos participantes encarnados. Que seja, portanto, o nosso propósito constante o de aproveitar cada lição, cada depoimento, como uma oportunidade de aprender, uma instrução prática que os bons Espíritos estão nos ensejando. ]amais nos coloquemos diante do fato espírita como se o mesmo nada tivesse a ver conosco, como se, pretensiosamente, já tivéssemos superado totalmente aquele problema-lição que nos chega.

No livro O que é o Espiritismo, Capítulo II, item 50, Allan Kardec afirma: O fim providencial das comunicações é convencer os incrédulos de que tudo para o homem não se acaba com a vida terrestre, e dar aos crentes ideias mais justas sobre o futuro.  Mais uma vez aparece claramente a importância do aprendizado para os participantes das reuniões mediúnicas, os crentes, no dizer de Kardec.

Daí surge uma colocação adicional: o convencimento dos incrédulos, propiciado como decorrência das comunicações obtidas nas reuniões mediúnicas. Esse é o segundo objetivo dessas reuniões. Não deveremos entendê-lo como um proselitismo vulgar de arremessar informações espíritas contra as crenças alheias, sem qualquer preocupação com o respeito devido as liberdades individuais. Nem se entenda que para convencer os incrédulos devamos abrir as nossas reuniões mediúnicas aos negadores sistemáticos, materialistas e gozadores de todo jaez, sem o mínimo conhecimento do que ali se passa e totalmente desarmonizados para tão relevante cometimento, pois foi exatamente o contrário o que preconizou Kardec no item 34 de O Livro dos Médiuns, capítulo III, intitulado Do Método, e em todo o capítulo XXIX da monumental obra. No nosso entender, o que Kardec quis colocar é que as reuniões devem produzir comunicações convincentes, de qualidade, verdadeiras e instrutivas, de modo a revigorar o corpo da Doutrina e fazê-la avançar para que permaneça como farol norteando a caminhada evolutiva do homem.

Convencer os incrédulos é tarefa muito mais da Doutrina que do fenômeno, pois que aquela transcende a este, conferindo-lhe bases interpretativas legítimas e sólidas. Se fenômenos impressionantes aparecem na esfera de responsabilidade de alguns médiuns (uns de prova, outros em missão,) a Doutrina pode e deve brotar de cada grupo mediúnico sério (e todos devem sê-lo) como um minadouro de água cristalina.

Nas reuniões mediúnicas, os princípios revelar-se-ão nos detalhes, a lei mostrar-se-a nos exemplos, o substrato moral far-se-á remédio e orientação, tudo isso compondo uma massa crítica de informações e transformações energéticas que inevitavelmente ira irradiar-se, promovendo o progresso alvitrado por Kardec e pelos Espíritos.

O espiritista adestrado nas lides mediúnicas saberá expor os fatos espíritas com entusiasmo e critério. Por outro lado, em se transformando moralmente, mostrará a força equilibradora dos postulados abraçados, transformando-se num divulgador natural da Doutrina: a fé restaurada sob as bases do conhecimento imortalista.

Poderíamos dizer que os materialistas por sistema e os incrédulos de má vontade e de má fé, que Kardec situou claramente na obra e capítulo anteriormente citados, por enquanto inabilitados e bloqueados para o ensino direto da Doutrina, recebem benefícios indiretos por meio do progresso que o conhecimento espírita introjeta na Sociedade.

Mas, não somente esses são incrédulos. Também o são a imensa multidão dos desanimados, dos que perderam momentaneamente a esperança de encontrar um caminho para a fé no meio de tantas aflições que experimentam, e os ingênuos que, cansados do ludibrio e da exploração vil a que foram submetidos, batem as portas da Casa Espírita procurando o abrigo do Consolador.

Esses incrédulos podem e devem receber os benefícios diretos da fé. Muitos deles estão desencarnados e constituem a nossa clientela de trabalho nos labores mediúnicos, onde recebem as terapias desalienantes quanto consoladoras de que carecem. Outros tantos estão encarnados e igualmente acorrem as nossas Casas com as mesmas motivações e necessidades. Recebidos e aclimatados, aliviados e esclarecidos, podem pleitear, se o desejarem, o labor mediúnico onde se esclarecerão em profundidade enquanto servem.

Não passou despercebido a Kardec um outro aspecto das reuniões mediúnicas, a finalidade complementar da instrução e sua consequência lógica, ou seja: a ação benfazeja, a oportunidade de sermos úteis aos nossos semelhantes enquanto nos instruímos. Foi por isso que ele escreveu no capítulo XXV de O Livro dos Médiuns, item 281: a evocação dos Espíritos tem, além disso, a vantagem de nos pôr em contato com Espíritos sofredores, que podemos aliviar e cujo adiantamento podemos facilitar por meio de bons conselhos...

Este é o terceiro objetivo das reuniões mediúnicas, decorrente dos demais. Esta finalidade esta perfeitamente embasada em posições religiosas, pois Jesus definiu claramente a importância das terapias socorristas aos Espíritos sofredores da Erraticidade ao recomenda-las aos seus discípulos, conforme anotou Mateus no capítulo 10, versículo 4: “Tendo chamado os doze discípulos, deu-lhes autoridade sobre espíritos imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças e enfermidades” e, também no versículo 8: “curai enfermos, ressuscitai os mortos, purificai leprosos, expeli demônios,- de graça recebestes, de graça dai…”

Desse modo, aponta-se como tarefa precípua do Cristianismo, hoje restaurado em sua essência pelo Espiritismo, pelo menos nessa fase histórica em que vivemos, de planeta de expiações e provas, a cura das feridas morais dos indivíduos e a desobsessão coletiva da Sociedade, sem o que o progresso social e moral tornar-se-a mais difícil e demorado.

 

Na mensagem intitulada Enfermagem Espiritual Libertadora, constante do livro Temas da Vida e da Morte, psicografia de Divaldo Franco, diz o autor espiritual, Manoel P. de Miranda, que as terapias de socorro aos Espíritos sofredores já eram praticadas no plano espiritual, como ainda hoje o são, antes do advento do Espiritismo. Com a sua chegada ao universo dos homens, criaram-se regras e orientações seguras para o exercício mediúnico, e as reuniões de objetivos elevados passaram a ser realizadas de modo vasto, no plano físico, com o intuito de acelerar a marcha de regeneração da Humanidade.

Esses apontamentos do Amigo Espiritual fazem-nos recordar o Pai-nosso que nos leva sempre a repetir: seja feita a tua vontade na Terra como no céu.

Isso significa uma transferência de qualidade, uma proposta de trabalho para que sejamos capazes de implantar em nosso plano o que já existe nas esferas da Vida Maior. Portanto, fazer reuniões mediúnicas entre nós, multiplicá-las em quantidade e, sobretudo, em qualidade, esta no contexto desse grande projeto divino de fazer com que seja assim na Terra como no céu.

Assim, o lidador das tarefas mediúnicas deve ter sempre em mente os magnos objetivos do intercâmbio espiritual: instruir-se e aperfeiçoar-se moralmente com vistas ao futuro espiritual; produzir comunicações convincentes para que a Doutrina possa convencer os incrédulos e, por fim, colaborar com os Espíritos superiores na tarefa de aliviar e aconselhar os Espíritos sofredores, facultando-lhes o burilamento moral mediante bons conselhos e exemplos salutares. 

(AZEVEDO, G. de, NEVES, J., FERRAZ, J. e CALAZANS, N. Reuniões mediúnicas. Projeto Manoel P. de Miranda (Reuniões mediúnicas), Salvador: LEAL, 5ª ed., 1993, pp. 15-22)

 

 

Os Shakers e a Mediunidade

Shakers, “Batedores” ou “Sociedade Unida dos Crentes na Segunda Vinda de Cristo” 


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Os cristãos Shakers ou “batedores” surgiram na Inglaterra em 1747, na casa da missionária Ann Lee (1736-1784). Ann Lee ou Mãe Ann já havia participado de um grupo religioso conhecido como Quaker, quando teve uma revelação para formar o Shaker. Tanto os Quakers como os Shakers acreditavam que todas as pessoas poderiam encontrar Deus dentro de si, ao invés de recorrer ao clero ou a rituais. Os Shakers mostravam tendência a ser bem emotivos e efusivos em sua adoração. Eles também acreditavam que a vida deveria ser dedicada à contínua busca da perfeição, confessando seus pecados e tentando não repeti-los.

O Século 17 apresentou grande tumulto religioso nos Estados Unidos e na Europa, por conta da luta constante entre protestantes e católicos. Conflitos religiosos levaram muitos a acreditar que os tempos eram chegados, e as manifestações de espíritos se tornaram comuns. No Século 18, registrava-se inúmeras ocorrências de diferentes tipos de manifestação, inclusive com visões, profecias e transes. Estes movimentos influenciaram uma parte dos novos grupos religiosos, com maior incidência no norte da Europa, entre o fim do Século 17 e cerca de 1740, afetando a Grã-Bretanha e também as colônias americanas. Meio século mais tarde, os Estados Unidos e Inglaterra viam o surgimento de muitas seitas religiosas, algumas mais radicais em seus costumes e preceitos doutrinários,   formando algumas sociedades messiânicas, outras utopistas, como as comunidades deOneida, Millerites, Rappites e, naturalmente, os Shakers.

A história dos Shakers registra dois momentos importantes. O primeiro, em 1706, trata-se da chegada a Londres de cinco “profetas franceses”, conhecidos em fontes históricas como os “camisards” das Montanhas de Cévennes, no Sul de França. Os “Camisards” eram os protestantes calvinistas franceses. Escolheram esta denominação para se identificar durante sua insurreição de cinco anos contra o Rei Luiz XIV, que tentava erradicar o protestantismo do país em favor de catolicismo. Os Camisards foram derrotados, sendo forçados a se juntar aos milhares de exilados Huguenotes, que viviam em territórios protestantes da França, Inglaterra, África do Sul, América do Norte e em outras partes do mundo. Os cinco profetas franceses provavelmente teriam sido alguns destes exilados.
O segundo momento relevante para os Shakers é 1747, quando a líder de sua crença, a matriarca Ann Lee, fez seu primeiro contato com James Wardley, um pregador que mantinha um pequeno grupo de comunicação espiritual remanescente dos profetas franceses.

Os Shakers construíram 19 sedes, que atraíram aproximadamente 20.000 seguidores até o século 19. Crentes no celibato extremo, os Shakers mantinham seus grupos através da conversão de fieis e da adoção de órfãos. Ainda assim sua renovação era muito alta, e o grupo alcançou o tamanho de aproximadamente 6.000 membros ativos em 1840. Em dezembro de 2009 contavam com diminuto número de membros.

As comunidades Shaker instalavam-se sobretudo em áreas rurais, aonde se dedicavam ao trabalho agrícola e uso em comum de seus recursos. Além da dedicação à agricultura, mostravam-se exímios marceneiros e também desenvolviam trabalhos em couro. Reuniam-se em “famílias”, dividindo grandes casas, com entradas separadas para homens e mulheres. Louvavam os hábitos do trabalho, limpeza, honestidade e frugalidade.

Acreditavam na natureza dual de Deus, pois a criação do homem como macho e fêmea “à sua imagem” decorreria da sexualidade dual do Criador, ao mesmo tempo contendo em si os princípios masculino e feminino. Deste modo, defendiam a igualdade entre homens e mulheres. Para os Shakers, enquanto Jesus era a manifestação masculina do princípio divino, a forma feminina era a de sua matriarca Ann Lee.
Sua crença se pautava na promessa da segunda vinda de Jesus à Terra e nas quatro virtudes: pureza virginal, comunismo cristão, confissão dos pecados e vida à parte das coisas mundanas.

Os Shakers tinham um tipo de espiritualidade intensa. O maior período de suas manifestações espirituais ocorreu entre 1837 e 1847. As cerimônias religiosas podiam ser em recintos fechados ou a céu aberto. Geralmente suas comunidades tinham um grande espaço para os que participavam do rito, bem como uma área para a assistência.
Inicialmente, homens e mulheres formavam suas fileiras. Dançavam ou marchavam, balançando os braços, avançando e parando. Logo giravam o corpo, olhando para a parede lateral, em seguida avançando e parando.
Podiam formar duas rodas, com as mulheres no círculo interno e os homens no externo. Começavam a se mover devagar, aumentando a velocidade. Cantavam, gritavam, alguns girando o corpo, outros mexiam-se intensamente, outros mantinham-se em uma dança pessoal.
Vários fieis entravam em transe, alguns passavam a falar rapidamente, muitos davam comunicações espirituais, e alguns até chegavam a falar em outros idiomas (xenoglossia).

 

Hino dos Shakers – “The gift to be simple”

‘Tis the gift to be simple, ‘Tis the gift to be free,
‘Tis the gift to come down where you ought to be,
And when we find ourselves in the place just right,
‘Twill be in the valley of love and delight.


When true simplicity is gained
To bow and to bend we shan’t be ashamed,
To turn, turn will be our delight,
‘Till by turning, turning we come round right.

Bibliografia:
Raymond Buckland, “The Spirit Book – The Encyclopedia of Clairvoyance, Channeling, and Spirit Communication”. Detroit: Visible Ink, 2005.

Carnaval outra vez

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O carnaval é uma festa que remonta aos ritos pagãos da antiguidade, como as saturnais, em que os antigos romanos celebravam o deus Pã.
A festa invoca a alegria, o desregramento, o abuso, por vezes entremeado por máscaras, fantasias, desejos e prazeres, tão imediatos quanto efêmeros.
As tradições europeias celebram o período como a invocação de costumes de uma nobreza já remota, de tempos em que o luxo de suas máscaras celebrava o status da corte e do poder de seus monarcas, à margem dos desassistidos que os contemplavam, infelizes submetidos ao antagonismo da miséria e de toda sorte de exclusões.
O carnaval brasileiro representa no Século XXI parte de uma grande indústria de entretenimento, alçado à condição de patrimônio cultural, um atrativo turístico internacional, e ainda relevante vetor econômico e midiático, face aos empregos que gera e às cifras que escala a cada ano.
Se, por um lado, no carnaval há aspectos econômicos, culturais e de lazer, por outro, grassa a liberalidade de um período de inferiorização moral, onde a qualidade dos eventos, da dança e dos muitos artistas talentosos, também coincide com os excessos de toda sorte, em que os extremos atraem e arrastam multidões.
De fato toda análise comporta diferentes perspectivas, mas, enquanto espíritas, importa considerarmos quanto o clima dessa festividade serve como porta aberta para o desapreço da moral, do respeito e da educação, facilitando as influências de falanges de desencarnados ainda em sofrimento e afinados aos vícios e aos excessos partilhados com os encarnados, que tanto reverberam em dores e desenganos. A permissividade infeliz aproxima a humanidade dos apetites animais, retardando sua elevação para condições mais luminosas e meritórias de existência.

Observemos quantos se abstém dos excessos destes dias de festa, buscando recolhimento e meditação, alternativas saudáveis para não ceder ao comportamento de manada.
Assim sempre temos a opção de outros modos de diversão, em que não sejam regra os excessos ou a violência, nem o ofuscar dos sentidos em prol dos vícios e de seus dissabores.

O fenômeno no Novo Testamento

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Precisamos, ainda, antes que o livro fique grande demais, dar uma espiada no Novo Testamento. Para isso, temos de ser econômicos em nossas citações, porque então seria necessário escrever outro volume. O relato dos Evangelhos sinóticos (os três primeiros, de Mateus, Marcos e Lucas, como sabe o Leitor) começam pelo nascimento de Jesus, precedido e seguido por manifestações mediúnicas. Seres espirituais apresentam-se à vidência de Maria ou conversam com José nas horas de repouso e desdobramento durante o sono.

O texto bíblico em geral (Antigo e Novo Testamentos) costuma chamar tais seres de anjo. É preciso lembrar, contudo, que o termo adquiriu, com o tempo, significado diferente do original, pois na língua grega – na qual foram traduzidos o Antigo e o Novo – a palavra quer dizer simplesmente mensageiro e não um ser espiritual semidivinizado. Da mesma forma daimon nada tinha a ver com demônio, e sim gênio ou espírito e só eventualmente tornou-se Demônio, no sentido de espírito do mal. Sócrates conversava habitualmente com o seu daimon, mas nada tinha de endemoninhado. Pelo contrário.

O ministério de Jesus é toda uma antologia de fenômenos insólitos – suas curas, o domínio sobre as forças da natureza, a transfiguração, materializações de espíritos, o retorno à vida de algumas pessoas, sua incrível capacidade de penetrar a mente das pessoas e, finalmente, o sepulcro vazio e a apoteose da ressurreição, seguida por várias aparições e até materializações de seu corpo perispiritual.

O regresso de Jesus às regiões superiores do mundo espiritual não significou, contudo, o abandono dos discípulos e amigos aqui deixados para dar continuidade ao trabalho por ele implantado. Os Atos dos Apóstolos e as diversas Estolas mantêm e até ampliam a tradição bíblica do intercâmbio com os seres invisíveis.    

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 50-51) 

Os profetas (médiuns) do Antigo Testamento

(Gustav Dore, O profeta Ezra orando)

Estaríamos forçando demais a paciência do leitor se fôssemos repassar aqui todos os episódios bíblicos em que o fenômeno mediúnico teve destacada e decisiva participação, desde as primeiras páginas da Gênese até às páginas finais do Antigo Testamento que reproduzem um texto declaradamente mediúnico, ou seja, um grupo de comunicações recebidas, provavelmente por psicofonia, pelo profeta Malaquias. Aliás, até o nome do profeta identifica-o como médium. Segundo no informa a Bíblia de Jerusalém, Malaquias (מַלְאָכִי) quer dizer ‘meu mensageiro’. O texto começa com estas palavras:

– Oráculo. Palavra de Javé a Israel por meio de Malaquias.

Malaquias, porém, não é o único profeta-médium de Israel. Está sendo lembrado de maneira especial aqui simplesmente porque as mensagens por ele recebidas são as últimas do Antigo Testamento. Na página seguinte da Bíblia, começa o Novo Testamento, no qual vamos encontrar nova safra de fenômenos mediúnicos.

Os chamados Livros Proféticos ocupam considerável espaço – cerca de um terço de todo o Antigo Testamento. Figuram ali, não apenas os profetas maiores, mas seus continuadores e sucessores, ainda que de menor influência e expressão. Entre aqueles, podemos mencionar Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, aos quais se seguem doze profetas menores, de Amós até Jonas, incluindo o já lembrado Malaquias.

Talvez nem compreendamos hoje a importância que tiveram (ainda têm) esses vigorosos documentos mediúnicos para o povo judeu, sua história, suas tradições, seus costumes, suas esperanças, em suma, sobre seu passado e seu futuro como nação.

São frequentes as referências de Jesus aos profetas e inequívoco o alto conceito em que os tinha e às falas mediúnicas que legaram ao povo de Israel. Por isso, diz ele, em Mateus 5:17:

– Não penseis que vim abolir a lei e os profetas. Não vim aboli-los, mas dar-lhes cumprimento.

Quando lhe perguntaram qual o maior mandamento da lei, Jesus responde com a citação do primeiro mandamento, como vimos há pouco e completa o ensino, dizendo:

– Este é o maior e o primeiro mandamento. O Segundo é semelhante a este: ‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo’.

E conclui:

– Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.

Como se observa, não apenas coloca as questões com extrema habilidade e profunda sabedoria, como ratifica com a sua autoridade, os ensinamentos espirituais obtidos no passado remoto através dos antigos profetas de Israel. Ele não diz que o seu mandamento do amor ao próximo é maior ou menor – diz que é semelhante.  

É certo que os textos proféticos não são modelos de perfeição e chegam a conter algumas impropriedades mais ou menos graves, seja porque os médiuns foram inadequados, seja porque os próprios textos foram adulterados, sob a pressão de interesses equivocados dos seres humanos incumbidos de zelar por eles. Sempre tive minhas dúvidas de que os Espíritos ordenassem matanças e crueldades, como consta em alguns textos.

O certo é que toda a estrutura religiosa, política e social de Israel foi montada em cima dos parceiros da Lei Mosaica e dos que ficaram preservados nos documentos proféticos. Nenhum texto mediúnico gozou de tanto prestígio e exerceu tão larga parcela de autoridade e respeito como as instruções espirituais transmitidas ao povo judeu por intermédio  dos profetas de Israel. Durante muitos séculos os guias espirituais acompanharam a nação judaica, passo a passo, no dia-a-dia da vida, na formação da sua moral, costumes, práticas religiosas, estrutura política, social, econômica, de sua cultura, de sua nacionalidade, enfim.

Por ocasião da grande tragédia da Diáspora, quando os judeus, batidos implacavelmente, em sua terra natal, espalharam-se pelo mundo afora, o sólido vínculo da tradição bíblica é que conseguiu produzir o milagre da sobrevivência do povo, sem perder sua identidade. Seria injusto e inaceitável minimizar, na feitura desse milagre, o importante papel desempenhado pelos vigorosos textos mediúnicos deixados pelos profetas em dramáticos momentos da existência do povo judeu.

Isso emprestava aos profetas uma autoridade que ultrapassava os limites habituais da hierarquia. Impulsionados pela autoridade dos espíritos que os controlavam, os profetas jamais hesitaram em condenar o erro, onde quer que ele se instalasse, até mesmo nas mais altas camadas do sacerdócio ou das lideranças políticas.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 38-41) 

Vacas gordas e magras

(Pixabay (Reprodução))

Coisa semelhante aconteceu a José, no Egito, uma das histórias mais conhecidas da Bíblia e que tem servido de tema para livros, poemas, filmes e peças de teatro.

José, menino rejeitado pelos seus próprios irmãos, chegou ao Egito como escravo. Quando servia na casa de Putifar, um dos grandes do império, foi assediado pela mulher de seu patrão que queria seduzi-lo. José resistiu com dignidade, mas acabou envolvido numa trama que ela armou para incriminá-lo, embora o rapaz fosse inocente. Condenado à prisão, José revelou entre os detentos seus dons mediúnicos, especialmente na difícil arte de interpretar sonhos.

Ora, certa noite o Faraó teve o famoso sonho das sete vacas gordas, que saíam do rio Nilo e depois eram devoradas por sete vacas magras. Acordou impressionado e, adormecer de novo, sonhou com sete espigas graúdas e sadias que eram consumidas por sete espigas raquíticas e míseras.

Ninguém conseguiu interpretar a contento o sonho do Faraó, até que alguém se lembrou de José, que cumpria pena por crime que não praticara. Mandaram chamá-lo e ele disse que, em realidade, o sonho era um só, isto é, ambos traziam a mesma mensagem: o Egito iria passar por sete anos de abundância nas colheitas – que sempre estiveram e ainda estão na dependência das enchentes do rio. Daí porque, no sonho, as vacas saíam do Nilo. Após sete anos de fartura, viriam sete de penúria e fome, simbolizados nas vacas magras e nas espigas secas e mirradas que devoravam as maiores.

Bastava, portanto, acrescentou José, plantar e colher tudo quanto pudessem os trabalhadores do campo e armazenar a colheita cuidadosamente, durante os sete anos fartos e esperar tranquilamente a escassez. Se a administração desse plano fosse entregue a alguém de confiança e competência, não haveria como errar.

Prontamente, o Faraó convidou José para assumir o posto de primeiro ministro e confiou-lhe a execução do plano, que deu certo, como previsto.

Pode o leitor desconfiado ou descrente achar que a interpretação era óbvia por si mesma, sem necessidade de nenhuma faculdade e, consequentemente, de nenhum fenômeno. Será? Tenho minhas dúvidas. Imagine-se o leitor perante a situação. Teria acertado com tamanha precisão com a mensagem contida no sonho do Faraó, depois que tantas e eminentes personalidades habituadas a este tipo de trabalho fracassaram na sua interpretação?

Ficamos ainda com mais uma alternativa: a de que José decifrou o enigma por mero exercício de intuição. É possível. O certo é que, segundo nos ensinam os instrutores espirituais, intuição é uma das modalidades mais sutis e aperfeiçoadas de mediunidade. Já as de efeito físico são de natureza mais grosseira, porque exigem um componente físico, uma participação da matéria contida no ectoplasma, substância produzida pelos médiuns especializados nesse fenômeno e sem o qual é praticamente impossível aos espíritos mostrarem-se à visão normal das pessoas não dotadas de vidência.

Qualquer que seja a nossa opinião, o certo é que José saiu diretamente da prisão para o mais alto cargo de confiança na hierarquia política do Egito, país no qual ainda era considerado um ex-escravo estangeiro.

Exerceu o poder com reconhecida competência e eficácia. Acabou entrando para a história, que, afinal de contas, ajudou a fazer.

Num dos seus fascinantes livros, O Chanceler de Ferro, J. W. Rochester (Espírito) conta, por psicografia da Sra. Wera Krijanowski, a história de José, que o autor espiritual caracteriza como pessoa iniciada em profundos segredos da magia e, consequentemente, da mediunidade, tal como era então conhecida e praticada. Se o leitor ainda não teve oportunidade de ler esse livro, faça-o. Terá muito em que pensar. A despeito da glamourização que lhe empresta o texto bíblico, José não era um sujeito muito fácil, segundo nos assegura Rochester.

Enfim, tudo isso que estamos aqui a comentar está ligado ao exercício de muitas mediunidades atribuídas aos seres humanos e, por conseguinte, às muitas maneiras de sob as quais se apresenta o fenômeno mediúnico que constitui objeto de nossa conversa.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 36-38) 

Guias espirituais do povo judeu

(Festim de Baltazar, séc. XV/XVI, autor desconhecido)

Qualquer que seja a postura de quem a lê, a Bíblia é um conjunto de livros pontilhados de fenômenos mediúnicos da mais variada natureza, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Se há um povo que foi instruído, orientado, conduzido e estruturado ostensivamente pelos guias espirituais, esse povo é o judeu. Toda a sua história é um suceder contínuo de pregação mediúnica através de seus muitos videntes e profetas, desde que, movido por uma experiência mediúnica, o patriarca Abraão partiu de Ur rumo ao que para ele, era uma aventura no desconhecido, mas não para os Espíritos que supervisionavam a sua missão histórica. Parece que é ali que começa a desdobrar-se o projeto de criação de um povo destinado a acolher o conceito de um Deus único.

São inúmeras as passagens nas quais a interferência do fenômeno mediúnico é óbvia no rumo de relevantes acontecimentos e há evidência de que as faculdades responsáveis pela ocorrência do fenômeno são, usualmente, as principais características pessoais que protegem seus portadores e os põem como criaturas respeitáveis e dignas de serem ouvidas.

No já mencionado episódio de Baltasar (Daniel 5:1-31), o jovem médium judeu Daniel foi chamado a desvendar o enigma das palavras escritas na parede do palácio durante o festim. Corajosamente, anunciou o que significavam: o fim de Baltasar, cujos dias estavam contados e que nada tinha realizado de espiritualmente proveitoso, uma vez que fora pesado na balança e achado muito leve. Seu reino seria dividido e entregue aos medos e aos persas. Era o que queriam dizer as misteriosas palavras produzidas por escrita direta.  

Anos antes, contudo, Daniel, ainda jovem, estava sendo criado no palácio do rei com outros jovens judeus, lançara-se como figura destacada da corte ao interpretar corretamente um sonho de Nabucodonosor, pai de Baltasar e que antecedeu ao filho no trono.

A princípio, Daniel não entendeu a mensagem mediúnica do sonho. Pediu prazo ao rei, recolheu-se e orou, pedindo ajuda espiritual para acertar, com o sentido exato do sonho do rei, já que este decretara a morte de todos os profetas e adivinhos do reino que não haviam conseguido interpretá-lo.

– Então – diz a Bíblia, em Daniel 2:19 – o mistério foi revelado a Daniel em uma visão noturna. 

Tão satisfeito ficou o rei, que designou Daniel para um elevado cargo na hierarquia de seu governo e deu-lhe inúmeros e valiosos presentes.

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 34-36) 

O enigma do urim

(Pixabay (Reprodução))

Para entendermos bem o que quer dizer isso, torna-se necessário fazer uma pausa para explicar o que é urim (אוּרִים). Recorri, para isso, à Enciclopédia Britânica, sempre segura no que diz e que não se arrisca a dizer o que não sabe, pois até as enciclopédias ignoram, às vezes, certas coisas. Em verdade, ela não me respondeu do modo direto o que eu esperava, mas proporcionou-me elementos preciosos que nos permitem decifrar essa enigmática palavra.

Confessa a Britânica honestamente que ‘tanto a identidade (do urim) quanto seu uso são obscuros’. A explicação mais comum é a de que se trata de um conjunto de pedras ou discos sagrados. Sabe-se, porém, que era usado nos processos de comunicação divina’, o que quer dizer, nas práticas mediúnicas, na obtenção de fenômenos mediúnicos, ou mais claramente ainda, na comunicação com os espíritos, embora a Enciclopédia não utilize de tais termos. É certo ainda que nas práticas com o urim estavam sempre envolvidos os profetas, que sabemos serem os médiuns da época.

Há outras especulações sobre essa misteriosa instrumentação, mas a chave do enigma não é difícil de encontrar para quem disponha de alguma experiência com o exercício da mediunidade. A Britânica explora algumas dessas alternativas, mas nenhuma delas a satisfaz. (E nem a mim). O texto prossegue declarando ser ‘provável … que a solução esteja alhures’, isto é, em nada daquilo que até hoje se supôs. E sem querer, nem saber, proporciona, a seguir, as condições para a explicação correta.

É que a palavra urim vem usualmente ligada a outra, tumim (תֻּמִּים). Portanto, urim e tumim formam juntos um instrumento destinado ao exercício de alguma forma de mediunidade, cuja característica se perdeu. Informa a Britânica, contudo, que a letra inicial da palestra urim é o aleph (א), primeira letra do alfabeto hebraico e que a primeira letra do termo tumim é tav ((ת)), última letra do mesmo alfabeto. Não é preciso ser nenhum gênio para concluir que o conjunto urim/tumim é um dispositivo sobre o qual foram escritas as letras do alfabeto hebraico. A Britânica acha que as letras teriam valores numéricos. E talvez por isso, a Bíblia de Jerusalém resolveu traduzir o texto há pouco citado de I Samuel assim: ‘… nem  por sonho, nem pela sorte, nem pelos profetas’. Mas não é isso. Ao que se depreende, as letras eram dispostas de tal maneira que um indicador ou um pequeno objeto leve pudesse apontá-las sucessivamente, formando palavras e frases. Em suma: o urim/turim era um tabuleiro mediúnico, que os povos de língua inglesa conhecem pela expressão mista de ‘ouija board’. Oui, como sabe o leitor, é a palavra francesa para SIM e ja, termo alemão com o mesmo sentido (SIM). Como esclarece o competente Dicionário americano de Webster, OUIJA ‘é a marca comercial de um tabuleiro inscrito com o alfabeto e vários sinais, destinado ao uso como prancheta na obtenção de mensagens mediúnicas’ (Destaque do autor).

O que nos confirma na conclusão de que urim/turim é uma prancheta mediúnica é a informação – ainda na Britânica – de que ‘as letras eram colocadas no ‘breastplate of judgement’ e movimentada pelo ‘shekinah’ do sacerdote’. 

A medida que as letras iam sendo identificadas – a Britânica diz que eram retiradas – iam sendo anotadas ‘para formar as palavras’.

Falta explicar ainda a presença e o sentido dos termos entre aspas.

O ‘breastplate’ – literalmente ‘placa do peito’, – ou peitoral – era uma placa metálica com doze pedras preciosas incrustadas, uma para cada tribo de Israel. O Sumo Sacerdote usava-a sobre o peito, como o nome indica.

Shekinah é um termo hebraico que significa ‘presença terrena (ou morada) de Deus’. Na teologia judaica, shekinah caracteriza a manifestação divina, por meio da qual a presença de Deus é percebida pelo homem, segundo nos esclarece o mesmo Dicionário de Webster, já citado. Ora, já vimos diversas vezes que a comunicação mediúnica era considerada uma conversa com o próprio Deus, na sua presença, ou por outra, verdadeira manifestação divina.

Disso tudo, portanto, podemos concluir que as letras do urim/tumim eram dispostas sobre a placa metálica sagrada que o Sacerdote usava sobre o peito e que através do shekinah do aludido sacerdote, ou seja, de sua faculdade de ‘perceber a presença de Deus’, ou melhor ainda, de sua mediunidade, movimentava-se o instrumento que ia indicando, letra por letra, as palavras que, por sua vez, formavam as frases da mensagem. Nada, portanto, de sorteio ou numerologia, e sim um claro fenômeno mediúnico de efeitos físicos utilizado pelos espíritos manifestantes, tal como ainda hoje o fazem com a prancheta ou com um copinho que deslisa dentro de um círculo de letras.

Eis aí, a meu ver, o mistério do urim/turim.           

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 23-26) 

O Rei Saul vai a uma sessão mediúnica

(Gustav Dore (Reprodução))

 

O primeiro livro de Samuel narra um episódio antológico em termos de fenômeno mediúnico. Vamos resumi-lo.

Aconselhado pelo profeta (leia-se médium) Samuel, o povo judeu resolveu dar aos seus dirigentes máximos o título e a condição de rei, numa tentativa de acabar com os desmandos e os conflitos de autoridade e a consequente desarmonia política e social.

O próprio Samuel consagrou Saul, que fora consultá-lo, por saber da sua reputação de médium seguro e respeitável. A Bíblia não faz segredo aqui, nem usa de meias palavras. Chegado à cidade onde residia Samuel, Saul perguntou a umas moças que se dirigiam à fonte para apanhar água, onde morava o vidente. Esclarece o versículo seguinte (I Samuel 9:9) que:

– Antigamente em Israel toda pessoa que ia consultar a Deus (אֱלֹהִים, Espíritos) dizia assim: Vinde e vamos ao vidente. Porque aquele que hoje se chama profeta, chamava-se vidente.

Poderíamos acrescentar, em nova atualização, que aquele que se chamava vidente e mais tarde se chamou profeta, chama-se agora médium, mas o trabalho que realizam é o mesmo – o fenômeno mediúnico, pois todos eles servem de elemento de ligação entre ‘vivos’ e  ‘mortos’.

Vemos, assim, que Saul foi indicado rei de Israel mediunicamente e por Samuel foi ungido, sendo com base na autoridade desse médium que o povo o aceitou como rei.

O historiador americano Will Durant informa em sua autorizada obra (Our oriental heritage) que Saul proporcionou ao seu povo ‘instrutivamente, bens e males: lutou com bravura em suas batalhas, viveu com simplicidade em sua propriedade em Gilead, perseguiu Davi (seu sucessor) com intenções assassinas e foi decapitado quando fugia dos filisteus’. (O que, aliás, não é bem isso, como veremos).

Após a morte de Samuel, seu protetor e conselheiro, Saul determinou a expulsão de todos os médiuns do país. A Bíblia chama-os aqui de nigromantes e adivinhos. (A grafia preferida para a primeira dessas palavras hoje é necromante, que o Dicionário do Prof. Aurélio define como ‘pessoa que pratica a necromancia. Pessoa que invoca os mortos’. Logo, um médium.).

Acontece que novamente se viu Saul ante a inevitável contingência de ter de lutar contra os filisteus, adversários tradicionais dos judeus. O exército inimigo acampou num lugar chamado Sunem. Saul reuniu seus soldados em Gelboé, de onde via o acampamento dos filisteus. Sem meias palavras, aqui também, a Bíblia diz logo que ele ‘teve medo’ (Sam, 28:5).

Sua primeira providência foi consultar Javé (יהוה), Deus de Israel. É a maneira de dizer que orou a Deus, pedindo socorro e inspiração, como se diria hoje. Mas não conseguiu nada.

– … Javé não lhe respondeu nem por sonhos, nem pelo urim (אוּרִים), nem pelos profetas. (I Sam, 28: 6).  

(Hermínio C. Miranda, O que é fenômeno mediúnico. São Bernardo do Campo, SP: Ed. Espírita Correio Fraterno, 3ª ed., 1995, pp. 22-23)